Alerta: o texto contém SPOILERS

Entrando para o hall de releituras da Disney, ‘O Quebra-Nozes e os Quatro Reinos’ é a nova atração do estúdio. Ao utilizar toda grandiosidade do clássico ballet de repertório para construir um visual impressionante, o longa apresenta a nítida pretensão em repetir o feito de A Bela e a Fera. Porém, no novo filme, a estética ficou distante do roteiro que, além de não acompanhar suas pretensões visuais, também deixa passar furos enormes, com direito a escolhas importantes realizadas pelos personagens sem qualquer justificativa, tornando-se mais um filme com uma estética incrível, mas com pouco conteúdo.

Dirigido por Lasse Hallström e Joe Johnston, “O Quebra-Nozes e os Quatro Reinos” começa quando Clara (Mackenzie Foy) recebe um presente misterioso deixado pela mãe, falecida recentemente. Na busca em se conectar com a mesma, a protagonista acaba em uma realidade encantada, onde conhece o leal quebra-nozes Phillip (Jayden Fowora-Knight) e outras figuras mágicas. A jovem conhece quatro reinos diferentes e será peça-chave para solucionar o conflito entre a Mãe Ginger (Helen Mirren) e a Fada Plum (Keira Knightley).

O primeiro núcleo do filme, a família de Clara, fica totalmente deixado de lado não apenas pela imersão no mundo de fantasia, mas, também por uma falha no texto em não apresentar esses personagens e atribuir uma importância mínima para eles. Se o pai da protagonista interpretado por Matthew Macfadyen até possui pequenas aparições, os irmãos nem ao menos possuem essa chance. Fritz, em várias versões, é um dos responsáveis diretos pela ligação de Clara com o brinquedo quebra-nozes, e chega a insinuar ter alguma relevância na trama, porém, é logo descartado. Já Louise, coitada, nada acrescenta.

O novato Jayden Fowora-Knight não comove como o Quebra-Nozes pela total falta de emoção na atuação, enquanto Helen Mirren e Keira Knightley desempenham um bom trabalho mesmo em papeis parecidos: as duas personagens precisam atuar com a possibilidade de serem boas ou más aos olhos do público. Dito isto, é preciso dar crédito ao roteiro de Ashleigh Powell que, finalmente, impôs sua protagonista como tal. Em outras versões cinematográficas e até mesmo no ballet “O Quebra-Nozes”, Clara é uma mera acompanhante do príncipe quebra-nozes pelos reinos; aqui, a personagem é a princesa e encara o conflito central na companhia de duas mulheres, substituindo o antagonista Rei Rato por uma figura feminina. Pena Mackenzie Foy estar em uma atuação tão burocrática e não fazer jus a tamanho destaque.

De volta aos aspectos negativos, como foi citado no primeiro parágrafo, o filme não se dá ao trabalho de justificar atitudes cruciais dos personagens. No último ato, quando as verdadeiras intenções da Fada Plum são finalmente reveladas, em nenhum momento é explicado o que gerou a expulsão da Mãe Ginger do reino ou como a ação foi aceita por todos. Até mesmo um rápido flashback poderia cumprir esse esclarecimento, deixando para o espectador imaginar uma possível solução.


Visual que salva

Lembrando de seu público, o estúdio cria cenários altamente imersivos, com diversos artifícios para engajar o mais disperso observador. Os figurinos minuciosamente pensados são uma construção em diálogo constante com as maquiagens e penteados. Mesmo a produção desta bela cenografia atua em desfavor de “O Quebra-Nozes e os Quatro Reinos” em momentos específicos, como quando objetos cenográficos são esquecidos pelo elenco e lembrados cenas depois, algo que vai além de um erro de continuidade.

Um dos pontos mais cuidadosos e bem-sucedidos do design de produção é a apresentação de dança contando a história dos reinos. Figurando como uma das melhores sequências do longa, os grandes nomes da dança Misty Copeland e Sergei Polunin recriam o ballet de repertório com direito a um cenário móvel. Os artifícios com a cenografia relembram, inclusive, um pouco da magia que George Méliès realizava em seus filmes. A dança, entretanto, volta para o filme apenas nos créditos finais.

Mesmo sem grandes performances na maior parte do longa, a música aparece como uma constante durante o filme. James Newton Howard é um veterano de trilhas sonoras – somente para a Disney, ele já realizou mais de cinco trabalhos, incluindo “Malévola”. Em “O Quebra-Nozes e os Quatro Reinos” sua real expertise é incluir uma nova sonoridade junto com as músicas clássicas e conhecidas de Tchaikovsky (compositor do ballet), um trabalho nada fácil para, ao mesmo tempo, mostrar sua personalidade e incluir faixas essenciais para o filme. O resultado é um longa embalado pela trilha em sua maior parte, mesmo que como background.

Ao juntar os diretores Lasse Hallström e Joe Johnston, a Disney quis emplacar uma aventura emocional para seu público, já que o primeiro é conhecido por realizar comédias românticas e dramas e o segundo possui “Capitão América: O Primeiro Vingador” como destaque na carreira. A mistura, entretanto, não alcança o patamar esperado, as cenas de “luta” (violência leve no limite permitido para a faixa etária) são bem pensadas, mas somem em meio ao visual ofuscante. Assim, a imersão do filme funciona em todo tempo de trama, criando uma boa atração para toda a família, porém, a falta de conteúdo ou questões que incentivem uma reflexão são um fator inegavelmente negativo, enfatizado pela história com diversas lacunas.