Boas intenções não faltam na adaptação para os cinemas de “O Tempo e o Vento”: Fernanda Montenegro encabeça elenco de atores talentosos, cuidados de produção de arte e bela fotografia dos Pampas gaúchos são exibidas a todo momento nos 90 minutos de projeção e o acabamento de um diretor conhecido por grandes momentos da TV brasileira. Porém, o filme do clássico livro de Érico Verissímo esquece a história de formação do Rio Grande do Sul para apostar em romances insossos e mal desenvolvidos, escolhas narrativas equivocadas, além de abusar de uma trilha sonora exagerada e didática.

Contada por Bibiana Terra (Fernanda Montenegro), a história mostra a formação da família Terra Cambará. Primeiro, acompanhamos o amor da avó  Ana Terra (Cléo Pires) e o indígena Pedro Missioneiro (Martín Rodriguez). Em seguida, a própria narradora (vivida na fase jovem por Marjorie Estiano) relembra o romance com Capitão Rodrigo Cambará ( Thiago Lacerda).

Em recente entrevista ao Globo News, Jayme Monjardim declarou que foram mais de 20 versões para chegar ao roteiro final. Acredito que a dificuldade para se chegar a um resultado se deve à difícil escolha de abdicar da parte histórica e focar somente no romance entre os protagonistas. Então, esqueça castelhanos, farroupilhas, federalistas e coisa tal: eles estão ali, tem uma ceninha ou outra, mas são figurantes perto da história de amor a tal ponto que a formação do Rio Grande do Sul chega a sumir.

A medida, porém, acaba sendo um erro, já que o filme não consegue construir bons personagens, diminuindo o peso da história e dos romances. Tal fato se deve pela pressa e artificialidade com que as ações são mostradas. “O Tempo e o Vento”, por exemplo, deve ser o filme em que os casais mais fácil se apaixonam na história do cinema. Afinal de contas, o amor eterno entre os protagonistas acontece após mal se olharem, quem dirá conversarem. As situações forçadas como Missioneiro conquistando Ana Terra tocando flauta (não lembra o Kenny G?) e o galanteio de Cambará para Bibiana acontecem tão rápido e são mal desenvolvidos que pouco nos importamos com os destinos de cada um.

Para piorar, Monjardim se mostra limitado e pouco elegante na linguagem cinematográfica, utilizando determinados elementos em excesso. A trilha sonora ininterrupta é o exemplo mais claro disso. Toda e qualquer sequência traz uma orquestra ao fundo seja para tons melosos e grandiosos (momentos românticos) ou mais agitados (cenas de batalha ou confronto). Evidente que este é um recurso viável, porém, a impressão é de estarmos sendo induzidos pela música a sentirmos algo que o diretor parece ser capaz de passar somente com imagens e diálogos. Em alguns casos, a trilha se torna, além de irritante, estúpida, como por exemplo, quando Ana Terra avista Missioneiro ferido na cachoeira e o efeito sonoro só falta dizer: olha, idiota, se assusta! Os fades in e out (recurso para escurecer e clarear a tela fazendo a transição de imagens) e as elipses da tesoura também cansam pela utilização constante, o que indica pobreza narrativa.

“O Tempo e o Vento” conta com um bom elenco, porém, a história não permite que estes brilhem. Cléo Pires e Marjorie Estiano atuam quase como atrizes do cinema mudo, já que possuem poucas falas e a personalidades das duas não são exploradas. Já Thiago Lacerda utiliza o carisma e a beleza do sorriso para conseguir emprestar alma ao herói da trama. Atores como José de Abreu, Leonardo Machado e Paulo Goulart são quase figurantes, pois, os personagens somem da trama e voltam do nada, tendo pouco tempo em cena para mostrar alguma coisa.

Por incrível que pareça, Fernanda Montenegro é o ponto mais fraco do elenco de “O Tempo e o Vento”. Sim, eu sei, é blasfêmia falar mal da maior atriz brasileira de todos os tempos. Pode pular lá para os comentários e dizer que sou um monstro, quem sou eu para escrever isso da grande dama do teatro e única compatriota indicada ao Oscar….

Bem, ficou aí?

Então, deixa explicar: o que se vê na atuação de Montenegro não é Bibiana e seus dramas; na verdade, está ali a grande atriz com tom de voz solene e pausado e lançando olhares reflexivos para o horizonte. Pouco se vê ligação entre a personagem de Marjorie Estiano e a versão mais envelhecida dela. Fernandona parece sentir que bastava o piloto automático para interpretar e o fez. Nada que monstros como Al Pacino e Robert De Niro não façam hoje em dia.

Para quem já fez grandes novelas como “Pantanal” e “O Rei do Gado”, nas quais os cenários exuberantes e os cuidados de produção eram ressaltados a cada tomada, Monjardim não faz por menos em “O Tempo e o Vento”. As belas imagens dos Pampas gaúchos com os riachos, cachoeiras e dos grandes campos, além da rica direção de arte que traz detalhes das casas como os copos de barros e as artesanais máquinas de manufatura. Essa beleza estética, em alguns momentos, distrai os olhares da história pouco inspirada vivida pelos protagonistas.

Semelhante ao ocorrido com “Xingu” e “Gonzaga”, “O Tempo e o Vento” deve se tornar uma minissérie da Rede Globo neste fim de ano. A expectativa é que a qualidade narrativa do material exibido melhore. Ao contrário de Cao Hambuguer e Breno Silveira, os quais conseguiram criar bons filmes, Monjardim parece ter mais pensado em uma obra para a televisão do que propriamente para o cinema. Lamentável, vide o clássico que tinha em mãos para adaptar e o recursos excelentes que possuía.

NOTA: 5,5