No mundo do cinema, aprender com os mais velhos também é uma premissa verdadeira. Que o diga “O tesouro de Sierra Madre” (1948), um clássico dirigido por John Huston. A obra é uma aula de como contar uma história e frequentemente é citado em listas de melhores filmes de todos os tempos, inclusive naquelas feitas por diretores do porte de Stanley Kubrick e Paul Thomas Anderson.

“O tesouro de Sierra Madre” condensa o que há de melhor no cinema americano: personagens bem construídos, um roteiro que cativa pela simplicidade e uma estrutura narrativa clara, mas nem por isso pobre. Em movimentos bem delineados, o espectador é apresentado aos pobretões Dobbs (Humphrey Bodart) e Curtin (Tim Holt), que se encantam com a possibilidade de ganharem muito dinheiro sendo garimpeiros em Sierra Madre, no México. Inexperientes, eles contam com a ajuda do velho Howard (Walter Huston), que já enriqueceu (e empobreceu) algumas vezes após décadas de garimpo.

O trio então embarca na aventura, enfrentando perigos diversos como bandidos, o clima a falta de preparo físico e, principalmente, a falta de preparo psicológico para lidar com a situação. É o experiente Howard que avisa aos jovens como o ouro transforma as pessoas; ganância e paranoia aflorariam naturalmente, e eles deveriam tomar cuidado para não se deixar levar. O conselho, que num primeiro momento soa como uma tentativa de desestabilizar o grupo, prova ser muito válido com o passar do tempo.

Ainda que conte com cenas de ação e lembrar outros tradicionais westerns, “O tesouro de Sierra Madre” é fortemente calcado nos dilemas morais a que Howard se refere. Eles se mostram em momentos bem contrastantes para o público, mas que são apresentados de maneira fluida no decorrer da narrativa. Cenas como aquela em que Dobbs e Curtin, enganados por um vigarista que não lhes paga por seus serviços no início do filme, dão uma surra no homem e tomam dele apenas a quantia devida, podem então ser comparadas com o momento em que Dobbs perde o controle por conta da paranoia de que será roubado pelos companheiros.

Como o que se pretende frisar na trama é justamente como a ganância muda o homem, impossível não destacar a atuação de Humphrey Bogart. Sujo e mal trajado, ele não lembra em nada os “anti-heróis noir” que interpretou em filmes como “Relíquia macabra” (1941) e muito menos os galãs de “Casablanca” (1942) ou “Sabrina” (1954). Seu forte senso moral, frisado ao início do filme, desmorona a olhos vistos e ele se deixa tomar por suas desconfianças de maneira macabra. O fato é exposto ora de maneira gratuita, quando ele tagarela sozinho todas as suas desconfianças, ora de maneira sutil, como quando suas gargalhadas amargas marcam o prenúncio de suas ideias cruéis.

Tanto quando Bogart, Walter Huston brilha em “O tesouro de Sierra Madre”. Seu Howard apresenta uma complexidade que perpassa cada diálogo e dá a impressão de que sua corrida é tanto pela aventura quanto pelo ouro, evocando repetidamente ao espectador a sensação de que ele viu muitos homens saírem exultantes de tal aventura, mas também desgraçados. Não por acaso, Walter Huston ganhou um merecido Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por esse filme em 1949. Esse se tornou um curioso fato na história da academia, uma vez que John Huston ganhou a estatueta de Melhor Diretor e seus sobrenomes não são mera coincidência: o ator era pai do diretor.

A atenção que o filme dá ao espaço é outro ponto que rende a “O tesouro de Sierra Madre” uma atenção especial. Filmado quase todo em locações no México, a mise-en-scène destaca sempre o quão distante o trio está da cidade, o que acaba evocando a possibilidade de se distanciar dos valores morais, “civilizados” e, nesse sentido, os planos que destacam o ambiente desolador tanto quanto os personagens passam tal atmosfera muito bem.

Assim como muitos dos filmes antigos, até mesmo os mais ovacionados na história do cinema, alguns elementos não sobreviveram ao teste do tempo em “O tesouro de Sierra Madre”. A música instrumental na trilha sonora, por exemplo, é utilizada de maneira um tanto desconexa em alguns momentos. O caráter plano de Curtin como personagem também parece fora de eixo, principalmente ao fim do filme, o que talvez tenha impedido Holt de se destacar mais.

Apesar dos pesares, “O tesouro de Sierra Madre” permanece como um ótimo exemplar do cinema americano. Seja por conta de sua estrutura precisa, seja por ser um filme-fetiche de cinéfilos que também funciona para todo tipo de público, “O tesouro de Sierra Madre” merece repetidas revisitas e prova que nem sempre é preciso a complexidade dos “filmes cabeça” para ser muito bom.

Nota: 9,0