A Segunda Guerra Mundial terminou há mais de 70 anos, porém, ainda hoje os vestígios do regime nazista podem ser notados e conseguem render material cinematográfico ano após ano. Em um momento de inquietude política no Brasil, o lançamento do original Netflix, “Operação Final”, regurgita algumas feridas difíceis de cicatrizar e rememoram como escolhas baseadas em discursos de ódio e supremacia racial afetam vertiginosamente as gerações posteriores.

Dirigido por Chris Weitz, o roteiro se baseia na captura de Adolf Eichmann. O tenente-coronel nazista foi responsável por arquitetar e executar a “Solução Final”, a qual consistia na logística das deportações em massa dos judeus para os guetos e campos de extermínio das zonas ocupadas pelos alemães durante a Segunda Guerra Mundial. Essa é uma das poucas produções voltadas a essa figura histórica, que foi capturado na Argentina em 1960, levado a um julgamento televisionado em Israel e enforcado em 1962. O filme cobre o plano para detê-lo, os dias que passou com o Mossad – Serviço Secreto Israelense – na Argentina, até o julgamento em 1962.

Weitz procura constantemente ambientar sobre os traumas vividos pelos agentes da Mossad, especialmente Peter Malkin (Oscar Isaac), em contraponto aos personagens nascidos após a guerra, como o caso de Sylvia (Haley Lu Richardson) e Klaus Eichmann (Joe Alwyn), que seguem embalados pela “doutrinação” que receberam no mundo pós-guerra. É interessante que o filme utiliza o romance entre ambos para explorar a descoberta do esconderijo dos Eichmann, entretanto, na mesma proporção abrupta que a interação entre os personagens de Richardson e Alwyn ocorre, é esquecida pelo roteiro. Abandonando o romance e as conseqüências de Sylvia e sua família ao auxiliar o serviço secreto israelense.

Porém, esse esquecimento de Sylvia não é um caso isolado. Hanna, personagem de Mélanie Laurent em mais um filme da Segunda Guerra após “Bastardos Inglórios”, também passa por ele. Embora presente em muitas cenas envolvendo o Mossad, a única integrante feminina da equipe só tem falas de alerta aos perigos de seu interesse amoroso. Lembrando que ela é a médica da equipe e quem prepara Eichmann para ser locomovido. Mesmo assim, não há desenvolvimento para a personagem e nem mesmo para seu suposto affair com Malkin, já que a interação entre eles é raríssima e só sabemos que há uma tensão sexual por conta de uma fala aleatória. A função de Hanna, Sylvia e a moça capturada pelos apoiadores nazistas na Argentina – que tem tão pouco tempo de tela que se torna difícil memorizar seu nome ou sua importância para narrativa – é de escada para que o homem seja o herói e salve o dia.

O elenco, de modo geral, está bem endossado, mas é a dinâmica entre Kingsley e Isaac que dita a boa conduta do filme. Antes dela ocorrer é como se o filme se arrastasse sem perspectiva até finalmente encontrar seu porto e cativar a atenção do espectador, o diálogo entre eles é engajado e o que mais se anseia na obra. O veterano oscarizado Ben Kingsley toma os tiques pessoais de Eichmann e os transforma em seus, como o tom da voz, o sotaque e o orgulho ariano, que nunca o deixou sentir remorso por suas ações. O personagem chama a atenção e é capaz de criar empatia com o público, até dar seu golpe derradeiro e revelar toda a malícia e astúcia que lhe envolviam. Ele está em dobradinha com o tenso e traumatizado Malkin de Isaac. Durante toda a projeção, ele sente o peso da responsabilidade para com sua nação e seu povo, sabe que não pode falhar cedendo as suas emoções e desejos internos, a atuação é precisa. Há uma tensão dentro dele que cresce à medida que se aproxima de Eichmann e Isaac consegue dosar e expor na medida certa esses conflitos.

Em termos gerais, a direção do filme é bem dosada. Consegue equilibrar a ação e o drama dos personagens judeus sem apelar para o melodrama, deixando nítido desde o início a ameaça ainda presente do nazismo e como ela sobrevive nos porões impensáveis. Tendo no seu último plot uma camada de suspense bem orquestrada, mas que quebra um pouco as expectativas já na sua conclusão. O que é até compreensível diante da escolha narrativa de Weitz que torna a trama sóbria, mas esquecível de todos os ângulos.

“Operação Final” não é o melhor filme da Netflix, nem a melhor produção sobre a Segunda Guerra Mundial. Mas se torna necessária no período em que estacionamos para lembrar figuras esquecidas e alertar sobre os riscos posteriores e ainda presentes dos governos totalitários. Nesse quesito, a dobradinha Kingsley e Isaac é indispensável.