Na estreia do seu curta-metragem Os Anseios das Cunhãs, a escritora Regina Melo disse que ele era baseado num poema escrito há várias décadas. E fica bastante óbvio, ao assistir ao filme, que ele é um híbrido, um tipo de “cinema-literato” onde as imagens se mostram subordinadas aos instintos literários e à poesia que é declamada o tempo todo pelas personagens do curta.

Essas personagens são as cunhãs do título, que vem do interior do Estado e acabam se prostituindo ao chegarem a Manaus. O curta se inicia com imagens do cotidiano amazônico, e a fotografia de Nathy Passos capta cores incríveis e a beleza da paisagem interiorana. As meninas cantam uma cantiga, e num belo raccord sonoro, a cantiga é transformada numa mulher contando o ritmo de uma relação sexual num quarto vermelho.

O espectador então começa a acompanhar um pouco do cotidiano de algumas prostitutas, e as cenas dão a ideia de um ciclo que se repete: sempre há meninas novas chegando a Manaus, e com o tempo elas envelhecem e se transformam nas versões adultas que passamos a ver. A câmera passeia com elas pelo centro da cidade enquanto elas declamam poesia e são vistas pelos figurantes e demais pessoas presentes no momento da filmagem – e merece destaque a preparação do elenco, pois não se notam distinções entre as atrizes profissionais e algumas prostitutas reais que figuraram no curta.

Porém, com o tempo as belas imagens do início do curta logo são substituídas pelos diálogos em poesia e por metáforas visuais óbvias, como a da mulher agarrada num tronco de árvore e sorrindo ao mesmo tempo. Individualmente, tanto a poesia quanto as imagens têm valor e beleza e apontam para o importante tema da liberação sexual feminina. Porém, quando unidas, uma acaba roubando o poder da outra. Apenas fazer com que as atrizes declamem poesia não torna um filme necessariamente algo poético.

Um curta-metragem é tradicionalmente um espaço para o experimentalismo, para a ausência de narrativa e das convenções. Em Os Anseios das Cunhãs não há uma narrativa propriamente dita – não que isso seja ruim. Mas o filme apenas a substitui pela literalidade da poesia da sua autora. O curta não consegue unir poesia e cinema, porém possui outras qualidades. A maior delas é conseguir captar com precisão e beleza instantes, pessoas e lugares do cotidiano de Manaus e do Amazonas. Curiosamente, são essas imagens que deixam o filme mais próximo do poético.

NOTA: 5,5