Às vezes é difícil tentar controlar a ansiedade que chega sorrateiramente em nossas mentes quando estamos prestes a começar uma filmagem. Não importa em que departamento da equipe você esteja trabalhando, a tensão que existe ao iniciar o processo de filmagem é quase a mesma que a do diretor e a do produtor. Uma coisa que acomete a todos numa equipe de filmagem é a sensação agradável e estranha de estar colaborando com a construção de algo inquebrável e permanente, uma espécie de universo novo, mesmo sendo uma produção de encomenda sem muitas pretensões ou um filme que já percebemos de antemão que pode não ficar a contento do que se quer realizar. De qualquer forma, o fazer cinematográfico é emocionante.

O diretor do filme costuma ter um comportamento na pré-produção onde tenta explorar ao máximo a potencialidade de sua equipe. Por exemplo: é conversando com o diretor de fotografia que se define a paleta de cores mais adequada e a natureza da iluminação que será empregada para ajudar a estabelecer melhor a forma e o sentido do filme. Agindo de modo colaborativo, o diretor pode conseguir uma unidade artística em prol do filme em questão e evitar que determinado profissional ou departamento específico esteja pensando o filme como uma coisa quando na verdade ele é outra coisa.

Quando começa a filmagem, o diretor deve possuir, ou encarnar temporariamente, um aspecto de comando com características mais autocráticas, pois ele passa a ter toda a responsabilidade sobre o andamento da filmagem. Apesar de toda a organização envolvida na produção de um filme sempre acontece um imprevisto, alguma coisa que não foi calculada. E o diretor tem que estar ali, com pulso firme, para resolver o problema, e toda a equipe vai esperar esse poder de decisão dele. François Truffaut dizia que um diretor de cinema tomava, pelo menos, dez decisões importantes num dia de filmagem e a resposta nunca poderia ser ‘não sei’, teria que ser ‘sim’ ou ‘não’, mesmo que no fundo a dúvida para a afirmativa existisse. Assim se ganhava a confiança da equipe e a filmagem não travava.

Alguns contratempos mais corriqueiros que podem surgir durante uma filmagem e afetar a produção de alguma forma vão desde um ator pegar uma gripe e precisar de uns dias para se reabilitar, uma externa com chuva apesar da previsão de tempo bom, até coisas bem mais sérias como algum acidente envolvendo um membro da equipe ou mesmo um incêndio no set de filmagem. Robert Bresson falava que nada pode acontecer de inesperado que não seja secretamente esperado por você. Portanto é sempre bom ter um plano B para qualquer eventualidade imaginada e resguardar a produção de um prejuízo maior.

A disciplina demonstrada pelos profissionais do cinema é o resultado de muita dedicação e organização. Por isso é muito comum um set de filmagem ficar parecendo uma operação militar. Mas mesmo com todo o profissionalismo envolvido, outra coisa que costuma acontecer, geralmente em filmagens mais longas, são as desavenças entre pessoas da equipe. Muitas personalidades distintas convivendo diariamente durante um período mais extenso, algumas vezes longe da família, acaba por ocasionar pelejas pontuais que devem ser resolvidas pela produção com absoluta tranquilidade. Pelo mesmo motivo também afloram paixões repentinas que podem terminar em casamento. Quase um reality show se não fosse simplesmente um trabalho.

As mudanças tecnológicas continuarão alterando o processo de uma produção cinematográfica sempre com a intenção de torná-las mais simples e menos dispendiosas. As filmagens ficaram mais rápidas. É possível repetir inúmeras vezes uma tomada sem a preocupação de acabar a fita ou a película. Bem, é nessa facilidade extrema onde se manifesta o perigo de uma filmagem fracassar tanto no plano operacional quanto no plano estético. É fundamental ter o bom senso de não cansar o elenco nem a equipe à toa, perde-se tempo, todos ficam mal humorados, atrapalha a produção e o objetivo não é alcançado. Dificilmente a perfeição será alcançada refazendo tomadas ad nauseam.

Talvez o grande desafio de uma filmagem, de fazer cinema, seja o de trabalhar as pequenas imperfeições, os acasos que melhoram a nossa imaginação, que, na verdade, é justamente aquilo nos fascina como espectadores. O desconhecido, aquela essência indeterminada, a arte cinematográfica é capaz de captar.