É normal a disputa entre idealismo revolucionário e fé nas instituições figurar nos conflitos geracionais entre pais e filhos. Não sou especialista no assunto para além da minha própria experiência, mas não é difícil supor que membros de gerações de uma mesma família briguem por conta de visões de mundos distintas, advindas de suas respectivas épocas.

É nesse conflito que “Paulina” (2015), o novo filme do diretor argentino Sebastian Mitre, quer tocar. O longa, ganhou dois prêmios no prestigiado Festival de Cannes e três no de San Sebastián, se trata de uma atualização de um drama aclamado na terra dos hermanos na década de 1960.

Ele coloca uma advogada (a personagem-título, interpretada por Dolores Fonzi) em uma situação na qual ela abandona uma carreira potencialmente firme na Justiça argentina, deixando seu pai (Oscar Martinez) para se envolver em um projeto social que a levará para uma província na Tríplice Fronteira para lecionar para alunos do ensino médio.

Uma vez lá, ela tenta ensinar política aos jovens, mas, sendo uma forasteira da capital em uma terra sem lei, ela falha em se integrar àquele universo e acaba estuprada por uma gangue da região – e é aqui que o filme se torna uma reflexão sobre o estupro, muito mais indigesta do que o tema, por si só, sugere.

A discussão política, com o conflito geracional e tudo o mais, passa a ocupar o pano de fundo da trama, o que não surpreende quem é familiar com o filme original, mas desaponta quem chega desavisado. Não que esconder o real tema de um longa até um momento avançado da projeção seja um pecado, mas o vácuo que fica quando um debate em potencial vira mais um “conto sobre estupro” é palpável.

Casos recentes no Brasil, como os que ocorreram no Piauí e no Rio de Janeiro, reiteram a necessidade de visibilidade sobre o tema, e até mesmo filmes hollywoodianos, como “Os Acusados”, conseguiram tocar nessa ferida de forma efetiva. “Paulina”, no entanto, no afã de tornar seu ponto político válido – este sendo o de que o estupro é produto de uma sociedade doente – não só torna sua protagonista deliberadamente antipática, como requer uma suspensão de descrença de que o espectador comum vai ter muita dificuldade em ceder.

No entanto, até que ponto isso representa um fracasso do filme varia de acordo com a opinião de quem vê, claro: o próprio Mitre, em entrevista ao jornal El País, comentou que “Paulina” “é um filme no qual frequentemente se está contra a protagonista”. Nesse sentido, vai do espectador comprar a ideia de que uma mulher estaria tão guiada por seus ideais e descrente da maneira como a Justiça trata os menos favorecidos a ponto de não querer seus estupradores punidos e de querer manter o filho gerado por essa agressão.

De um ponto de vista de roteiro, infelizmente, há uma pedra incontestável no meio do caminho de uma leitura favorável do filme: o personagem do pai. Um poderoso juiz, ele se vê constantemente impotente diante das decisões da filha, as quais ele não consegue nem mudar nem endossar, e suas expressões de confusão e amor o tornar automaticamente o personagem mais interessante da trama. Eu toparia ver um filme sobre ele qualquer dia, bem como toparia ver um filme sobre o debate geracional que abre o longa. Do jeito que está, porém, “Paulina” é um filme bem feito que, no entanto, prefere retórica a credibilidade.