Para uns menos, outros mais. Mas não se pode tirar o mérito de um ator quando um personagem interpretado por ele ganha um status próprio, às vezes maior do que o do próprio filme.
Em determinados projetos, tudo conspira para a criação de um personagem icônico, o roteiro já é pensado nisso, a decupagem e montagem se esforçam para deixar tal personagem em evidência, o ator entende a função, e como desempenhar o seu papel, e as coisas caminham naturalmente para o sucesso midiático.
Às vezes acontece de maneira diferente, um ator pega pela mão o personagem, e o eleva a outro nível, surpreendendo a todos, domando o touro a unha, transformando o ordinário em algo memorável.
Como o cinema é uma arte muito abrangente, tais personagens automaticamente são sugados pela cultura pop, extrapolam as telas do cinema, vão para a propaganda, viram estampa de camisas descoladas, séries de TV, outdoors, se tornam ícones, representações de uma maneira de agir, de pensar, de se comportar perante a sociedade.
Isso é a glória para um ator. É um reconhecimento extravagante para o seu trabalho, momento de realização profissional, sinônimo de glória eterna, o auge etc. Mas o problema é que a não ser que o ator se aposente depois de tal representação marcante, ele ainda tem uma série de compromissos a cumprir, e novos papeis para interpretar, e… como fazer pra se livrar do outro personagem?
Para uns isso é relativamente fácil, se embarca no novo papel da mesma maneira que fizera com os demais, e a vida segue. Já para outros, o sucesso anterior se torna uma espécie de sombra, ou se tem que superá-lo o quanto antes, ou se pensa que seria bom repetir algumas características do sucesso para aumentar a empatia dos papeis que estão por vir. Com isso, o ator perde a tranquilidade e o foco necessários para realizar o trabalho, e se aprisiona numa busca sem sentido pelo novo sucesso estrondoso.
Nesta lista trago os dois lados da moeda, dez atores que conseguiram sair da sombra do sucesso anterior, e outros dez que não conseguiram.
Aqui trouxe apenas atores, na próxima lista trago as atrizes.
Lista em ordem alfabética:
Javier Bardem – Anton Chigurh, de Onde os fracos não têm vez
Se fosse pensar numa lista de 5 atores favoritos, Bardem entrava fácil, fácil. Ele já era respeitadíssimo antes de trabalhar com os Irmãos Coen, tendo brilhado em Antes do Anoitecer (2001) e Mar Adentro (2005). Mas estourou para o mundo inteiro como a figura demoníaca de Anton Chigurh em Onde os fracos não têm vez (2008). Depois disso, ele emendou trabalhos bastante elogiados em Vicky Cristina Barcelona (2008), Biutiful (2011) e 007 – Operação Skyfall (2012), provando (se é que precisava provar alguma coisa), que trata-se de um ator talentosíssimo, capaz de caminhar pelos mais diversos lugares.
Marlon Brando – Don Vito Corleone, de O Poderoso Chefão
Escolher Vito Corleone não é uma escolha fácil, visto que antes poderíamos tranquilamente escolher Stanley de Uma Rua Chamada Pecado (1951) ou Terry Malloy de Sindicato de Ladrões (1954). Mas foi como o mafioso que Brando se tornou um ícone do cinema, para muitos o maior ator de cinema de todos os tempos. Depois deste sucesso, ele ainda emplacou filmes cultuados como Último Tango em Paris (1972) e Apocalypse Now (1979), isso apenas para citar os mais famosos.
Sacha Baron Cohen – Borat Sagdiyev, de Borat: O Segundo melhor repórter do glorioso país Cazaquistão viaja à América
Sacha Baron Cohen é, na minha opinião, o melhor comediante do cinema atual. Aquele que demonstra mais capacidade e ousadia nos filmes que faz, levando o seu trabalho, e o respeito a arte, muito a sério, mesmo que isso represente desagradar algumas pessoas. Dono de um estilo visceral de interpretação, Cohen chocou o mundo com Borat (2007), e virou uma estrela do dia para a noite. Mesmo assim, isso parece não ter interferido em nada no seu estilo, e nas escolhas que faz, e seus trabalhos em Sweeney Todd (2008), Bruno (2009), A Invenção de Hugo Cabret (2012) e Os Miseráveis (2013), mostram a potente assinatura deste talentoso ator.
Tom Hanks – Forrest Gump, de Forrest Gump, o Contador de Histórias
Ícone do cinema norte-americano, Hanks, que já havia ganhado um Oscar por Filadélfia (1994), alcançou o ápice em Forrest Gump (1994), neste que é um dos personagens mais carismáticos da história do cinema. Porém, com muita tranquilidade o ator mostrou que tinha capacidade de realizar diversos papeis, como em Apollo 13 (1995), O Resgate do Soldado Ryan (1998), Náufrago (2001), O Terminal (2004) e Capitão Phillips (2013).
Viggo Mortensen – Aragorn, de Trilogia O Senhor dos Anéis
Hoje parece ser impossível pensar em Aragorn e não associá-lo a Viggo Mortensen. Mas quando foi anunciado que ele seria o intérprete, sofreu duras críticas de parte dos fãs, que não acreditavam que ele seria capaz de representar esse personagem a altura. Erraram feio, erraram rude! O sucesso veio, e a chance de mostrar que ele poderia ser mais do que apenas um personagem de sucesso também. Mortensen apresenta um trabalho excepcional em filmes como Marcas da Violência (2005), Senhores do Crime (2007), A Estrada (2009), Um Método Perigoso (2011) e Na Estrada (2012).
Wagner Moura – Capitão Nascimento, de Tropa de Elite
Pede pra sair, pede pra sair! Você é muleque! Você é um fanfarrão, xerife! Jesus, têm noção de quantas vezes ouvimos essas frases em programas de televisão, filmes paródias, ou naquele almoço de domingo com o seu tio já meio bêbado? Pois é, não há dúvida que Capitão Nascimento é um ícone pop. Assim como não há dúvida de que Wagner Moura não ficou preso ao estigma deste personagem. Filmes como VIPs (2010), Elysium (2013), Serra Pelada (2013) e Praia do Futuro (2014) comprovam isso.
Matheus Nachtergaele – João Grilo, de O Auto da Compadecida
Lembro-me bem quando assisti pela primeira vez a O Auto da Compadecida (2010). Havia atores fantásticos ali, mas tinha um desconhecido que era genial, fora de série, o protagonista, João Grilo, e me fazia rolar de rir em diversos momentos. Depois descobri que aquele era Matheus Nachtergaele, e que se tratava de um dos melhores atores do Brasil. Tendo uma rica carreira no cinema, João Grilo é mais um dos icônicos personagens do ator, que fez Cidade de Deus (2002), Amarelo Manga (2003), Baixio das Bestas (2006) e Serra Pelada (2013).
Robert De Niro – Travis Bickle, de Taxi Driver
De Niro já era muito respeitado por suas atuações em Caminhos Perigosos (1973) e O Poderoso Chefão II (1974), quando chocou o mundo com o seu fantástico trabalho em Taxi Driver (1976). Sua visceralidade é a alma desta contravenção em forma de filme, um verdadeiro marco do cinema. O que não se podia esperar é que De Niro fosse permanecer tão grandioso por tantos anos, como fez em O Franco Atirador (1978), Touro Indomável (1980), O Rei da Comédia (1982), Era Uma Vez Na América (1984), Os Bons Companheiros (1990), Tempo de Despertar (1990), Cabo do Medo (1991), Fogo contra fogo (1995)… se for citar de um por um não termino hoje.
Al Pacino – Michael Corleone, de Trilogia O Poderoso Chefão
Serpico (1973), Um dia de cão (1975), Parceiros da Noite (1980), Scarface (1983), Perfume de Mulher (1992), O Pagamento Final (1993), Fogo contra fogo (1995), O Informante (1999). Precisa dizer mais alguma coisa?
Robert Pattinson – Edward Cullen, de Saga Crepúsculo
Putz. Pararam de me levar a sério agora. Até que tava indo ok, uma incongruência aqui, outra acolá, tudo bem, mas defender o Robert Pattinson? O vampirinho adolescente da Stephanie Meyer, das revistas Capricho, Todateen, que divide capa com o One Direction? Sim, isso mesmo! Robert Pattinson mostra-se cada vez mais interessado em se distanciar da fama alcançada pelo fenômeno adolescente. Cosmópolis (2012) e o recente The Rover – A Caçada (2014), mostram que ele é um ator corajoso, que escolhe bons papéis e os realiza com entrega e talento. Bom ficar de olho em Maps to the stars.
Os que não conseguiram
Johnny Depp – Jack Sparrow, da Tetralogia Piratas do Caribe
Olha como as coisas são curiosas. Poderíamos muito bem dizer que até o surgimento de Jack Sparrow, Johnny Depp era um nome certo na lista de cima, pois havia alcançado a glória em Edward Mãos de Tesoura (1990), e após isso permaneceu em ótima forma em Ed Wood (1994), Homem Morto (1995) e A Lenda do cavaleiro sem cabeça (1999). Massss, veio Piratas do Caribe, e as coisas mudaram um pouco de lugar. É claro que nem tudo o que o ator fez depois foi ruim, mas quanto mais o tempo passa, mais fica claro que Depp está cada vez mais confortável com o seu momento, e longe de querer investir em uma nova reinvenção.
Robert Downey Jr. – Tony Stark, da Trilogia O Homem de Ferro
Ver Robert Downey Jr. de volta aos cinemas, aos grandes papéis, em Homem de Ferro (2008), e no mesmo ano em Trovão Tropical, foi um alívio, era a esperança de que este ator carismático iria retornar com força à indústria depois de períodos tão turbulentos. Mas aí vem Sherlock Holmes (2009), e o que vemos é um Tony Stark detetive no século XIX, com os mesmos trejeitos, olhares, e tempo de comédia. Downey ficou milionário com Stark, e talvez isso tenha interferido na fome do ator, talvez esteja satisfeito, não quer outro prato.
R. Lee Ermey – Sgt. Hartman, de Nascido Para Matar
Um furacão, um surto da pororoca, um ciclone, uma tempestade de areia com abelhas africanas giratórias. Enfim, entenderam, né? R. Lee Ermey pode até não ser considerado um grande ator, uma estrela do cinema, coisa do tipo, mas tem uma atuação fenomenal, inesquecível, histórica em Nascido Para Matar (1987). Ficou marcado pra sempre para fazer papeis de militares, policiais, etc, o que o impossibilitou de seguir uma carreira mais abrangente. Preço que se paga por ser tão marcante em um filme tão poderoso.
Quando Jamie Foxx ganhou o seu primeiro (e único) Oscar de Melhor Ator por Ray (2004), parecia que ele caminharia a passos largos para ser um dos maiores atores de Hollywood, um novo Denzel Washington, quem sabe? Mas inexplicavelmente não foi assim que as coisas aconteceram, Foxx meteu-se em projetos muito fracos, de pouco impacto (pra não dizer impacto negativo), e hoje em dia parece distante do sucesso de outrora. Espero que o bom trabalho em Django Livre (2013), e a promessa de interpretar Mike Tyson, o recoloquem no bom caminho.
Anthony Hopkins – Hannibal Lecter, de O Silêncio dos Inocentes
Que trabalho fenomenal esse do Anthony Hopkins, hein? E o curioso é que acredito que o ator se diferencia dos demais dessa lista, por continuar fazendo um trabalho de boa qualidade, em filmes dos mais variados gêneros, passando por diferentes tipos de personagens. Mas é que… nenhum se compara a Hannibal Lecter. Pois é, ser responsável por uma das figuras mais icônicas do cinema tem dessas coisas.
Heath Ledger – Coringa, de O Cavaleiro das Trevas
Não sei se concordam comigo, mas tudo indicava que Heath Ledger tinha tudo para ser o número 1 de Hollywood, após o seu trabalho fora de série em O Cavaleiro das Trevas (2008). Mas a sua morte prematura, acompanhada da sua performance assustadora neste longa, faz com que o seu nome para sempre seja associado ao vilão, mesmo que ele tenha realizado trabalhos marcantes em 10 Coisas que eu odeio em você (1999), A Última Ceia (2001) e O Segredo de Brokeback Mountain (2005).
Malcolm McDowell – Alex de Large, de Laranja Mecânica
Se você der uma passada no IMDB e pesquisar o nome de Malcolm McDowell vai constatar que ele é creditado como ator em 237 trabalhos. 237! Sério, com honestidade: consegue lembrar de cabeça cinco filmes que este ator fez? Bom, eu pelo menos lembro muito bem de um, Laranja Mecânica (1971). Imortalizado como o garoto rebelde sem causa, McDowell certamente não ficará para a história do cinema por ter feito tantos filmes, mas por ter protagonizado apenas um desses.
Daniel Radcliffe – Harry Potter, da Saga Harry Potter
Desta lista, acredito que Daniel Radcliffe seja aquele que, digamos, tenha demonstrado menos talento até agora. O seu rosto é o símbolo de uma das séries de filmes de maior sucesso da história, e isso certamente é um grande obstáculo para que um ator siga adiante em sua carreira. Creio que é cedo para dizer se ele conseguirá se desvencilhar dessa figura, mas certamente ele não alcançará isso em filmes como A Mulher de Preto (2012). Acho que ele pode pegar uns conselhos com o Robert Pattinson.
Christoph Waltz – Hanz Landa, de Bastardos Inglórios
É impressão minha ou há um quê de Hanz Landa no Dr. Schultz, em Django Livre (2012)? Indo mais além, isso também não acontece nos seus trabalhos em Água Para Elefantes (2011) e Deus da Carnificina (2012)? Pois é, Landa é um daqueles personagens extremamente abrangentes, criados por Tarantino, que possui várias faces, nuances, contradições, como se fossem várias pessoas numa só, com um glacê de um delicioso cinismo. Mas nem que Waltz tenha que ir num bom pai de santo é preciso que ele busque se distanciar desse papel, e o seu trabalho com Terry Gilliam é um bom sinal.
Elijah Wood – Frodo, da Trilogia O Senhor dos Anéis
Será que depois que foi lançado O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei (2003), Elijah Wood não foi requisitado por bons diretores, para encabeçar bons longas? Digo isso porque é muito estranho que um ator que tenha tido papel de destaque em filmes de tamanho reconhecimento de público e crítica, tenha optado por projetos obscuros, ou de pouquíssima visibilidade, sendo hoje uma figura que é lembrada única e exclusivamente por Frodo. Ou vai me dizer que conhece algum outro trabalho marcante deste ator?