Segundo os registros do IMDb, Tommy Wiseau tinha quatro anos quando Ed Wood lançou aquela que seria a obra que o consagraria como o pior diretor de todos os tempos. Foram muitos filmes ruins lançados em Hollywood desde que a indústria do cinema norte-americano começou a produzir em massa. Poxa, já é difícil juntar apenas dez títulos ruins como os piores do ano nas listas que fazemos pro Cine Set! Mas raro de verdade é criar uma obra tão, mas tão, mas tão, mas tão equivocada que consegue transbordar uma beleza tortíssima e digna de fazer os cinéfilos deixarem as exigências de lado e apenas apreciarem o show de horrores.

Isso aconteceu com “Plano 9 do Espaço Sideral” e com toda a carreira de Ed Wood, mas também foi uma realidade surpreendente na vida de Tommy Wiseau, protagonista, diretor, roteirista e faz-tudo de “The Room”, dos poucos filmes péssimos que possuem muito mais apaixonados do que detratores.

O sci-fi de horror ou o drama de relacionamentos? Qual merece de fato ocupar o pódio e ganhar a Framboesa de Ouro de conjunto da obra? Aqui no Cine SET nós amamos os dois, mas também não resistimos a uma chance de promover um duelo entre esses dois exemplares bizarros da sétima arte. Bora?



PIOR CONTINUIDADE

Filme ruim que se preze tem que ter um desfile de erros de continuidade e “Plano 9…” teve uma intempérie em sua produção que acabou virando uma de suas fontes de infâmia. Falo da morte de Bela Lugosi logo no início das filmagens. Ed Wood até teve sorte de conseguir um ícone do cinema de monstros para seu projeto bizarro. Pena que essa sorte não durou muito e o diretor precisou improvisar para suprir a ausência do ator, e o que tivemos foi uma substituição tão sutil quanto um acidente de trem: um quiroprata mais alto que Lugosi surgiu como o personagem, como se nada tivesse acontecido.

O detalhe ficou por conta de que, de repente, paramos de ver o rosto do coronel Edwards, sem explicação aparente. Por mais que “The Room” tenha plot points que não vão a lugar nenhum (a briga no telhado? O câncer? A suposta agressão física? Os personagens que surgem do nada na casa de Johhny?), uma das coisas que tornaram “Plano 9”  um filme conhecido foi justamente essa substituição super bem feita, só que não.


CINCO MARJORIES ESTIANOS SUBSTITUINDO DRICA MORAES DO NADA PARA “PLANO 9”



PIORES DIÁLOGOS

Fica difícil competir com “The Room”, detentor do título não oficial de filme mais citável de todos os tempos. As falas proferidas por Tommy Wiseau e companhia foram basicamente o que tornaram do filme um clássico das sessões de meia-noite, com o público gritando, a plenos pulmões, junto com o personagem: “You’re TEARING me apart!”. Tem lição de vida (‘Se todas as pessoas se amassem, o mundo seria um lugar melhor’), tem romance (‘Ela é linda. Ela ficou ótima no vestido vermelho. Acho que estou apaixonado por ela’), tem drama (‘Todo mundo me traiu! Estou farto desse mundo!’), tem trocas bruscas de assunto (‘Como anda a sua vida sexual?’). Não somos dignos de tanto brilhantismo.

Quando isso se junta à trilha sonora cheia de canções dignas de tradução simultânea com voz sussurrada nas rádios brasileiras – obra de Kitra Williams, que só perde em menções nos créditos para o próprio Wiseau -, o resultado é um ícone que não pode ser ignorado.



CINCO DISCURSOS DE ANAKIN SKYWALKER SOBRE AREIA PARA “THE ROOM”


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PIORES ATUAÇÕES

Um roteiro cagado é meio caminho andado para atores sem talento algum mostrarem a que vieram. E, sejamos justos, “Plano 9” tinha Bela Lugosi e a figura camp da Vampira, que, por mais que não grite “talento!”, ainda é interessante o suficiente para estar inserida naquele universo.

Agora “The Room”… Tudo é equivocado. Do protagonista com dicção e sotaques cujas origens são desconhecidas até hoje (Tommy Wiseau fala desse jeito na vida real e uma das “lendas” que ele faz questão de cultivar é sobre o mistério de suas origens), passando pela falta de química com Lisa (vocês querem falta de química, Dakota Johnson e Jamie Dornan?), a coisa é tão ruim e sem propósito que acaba sendo maravilhosa. Prova disso é a diva Claudette e suas frases ditas com o mesmo entusiasmo que tenho ao acordar todos os dias.

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CINCO SOFIAS COPPOLAS MORRENDO NA ESCADARIA PARA “THE ROOM”



O CAMINHO MAIS IMPROVÁVEL AO OSCAR

Os dois filmes entraram para o rol dos “melhores piores de todos os tempos” e, como a sétima arte ama contar histórias sobre si mesma, logo esses dois títulos saíram da chacota para os elogios da crítica. E se a vida e obra (?) de Ed Wood virou um dos melhores filmes da carreira de Tim Burton, com direito a Oscar de melhor coadjuvante para Martin Landau e seu Bela Lugosi, “The Room” não fica atrás.

Isso porque há grandes chances de vermos Tommy Wiseau na premiação como um personagem oscarizado, graças ao elogiado trabalho de James Franco em “O Artista do Desastre”, filme sobre os bastidores de “The Room”. Se por um lado Tim Burton + Ed Wood era uma combinação que tinha tudo para dar certo no papel – e deu -, a combinação James Franco e Seth Rogen + The Room parecia ser mais um experimento sem graça dessa trupe. Por isso, não dá para não escolher a trajetória improvável de Johnny, Mark e companhia do limbo à consagração. E cinemas, tragam logo “O Artista do Desastre” pra cá.


CINCO JARED LETOS EM ‘ESQUADRÃO SUICIDA’ PARA ‘THE ROOM’


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VENCEDOR

É, os discos voadores, a montagem completamente amadora e o roteiro nonsense (no mau sentido) do filme de “Ed Wood” merecem seu “destaque” no panteão dos grandes piores filmes da história. Só que é difícil ignorar a trajetória de “The Room”, um filme que veio do nada e que, pela pura força de vontade de seu realizador – que pagou de seu próprio bolso um outdoor que anunciou o filme POR ANOS, até que foi substituído por “The Disaster Artist”, num marketing espertíssimo -, se tornou um sucesso das sessões de meia-noite e a epítome do “filme ruim que todos amamos adorar”.