O quanto deixamos as experiências vividas influenciar no nosso atual estado de letargia? Até que ponto permitimos abandonar o passado e imergimos num presente cercado por lembranças sem importância?

Eu sou noveleira desde que me entendo por gente. As tramas sempre me chamaram atenção, como todos os personagens se conectam e formam uma grande teia. Isso sempre pareceu atrativo.  O cinema consegue usar isto em menor proporção. Quando me apaixonei por ele, tive a sensação que viraria aquelas pessoas Cult chatas que colocam a teledramaturgia em um degrau inferior aos outros produtos audiovisuais, mas então conheci José Luiz Villamarim.

Suas direções nos últimos seis anos – que incluem Avenida Brasil, O Rebu, Amores Roubados e Justiça – deixam nítido o quanto a estética da sétima arte influência o trabalho do diretor. Era de se esperar que sua estréia na direção cinematográfica pudesse continuar efervescendo o cinema brasileiro, principalmente as produções da Vitrine Filmes que abrilhantaram 2016 como Aquarius, Cinema Novo, Mãe Só Há Uma e O Silêncio do Céu. Entretanto, o que se vê distancia-se da experimentação visual que Villamarim costuma empregar, e, aproxima-se de algo mais engessado, programado para ser bom, apenas.

A trama se passa em Cataguases, na noite de véspera de natal, quando dois amigos de infância se reencontram, Gildo (Julio Andrade) e Luzimar (Irandhir Santos), e entre passagens do trem pela cidade, curiosidades sobre o atual estado dos amigos de pebol e uma visita pelos lugares mais significativos da infância e adolescência dos dois, o clima de tensão vai se formando. Tangendo a relação dos dois em presente, passado e futuro, está a mãe de Gildo (Cássia Kiss), a esposa (Dira Paes) e a irmã (Cyria Coentro) de Luzimar.  O longa foi inspirado na obra Inferno Provisório de Luiz Ruffato, escritor mineiro que, assim como Luzimar, trabalhou como torneiro mecânico e operário têxtil em Cataguases, antes de adentrar no mercado literário.

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Villamarim consegue traduzir uma poética para o discurso do filme que nos leva a indagar o que levou os dois personagens a chegar até aquele patamar ao mesmo tempo em que nos perguntamos quem se deu melhor. Em um mundo de esquecimento do passado sem pertencimento, qual parte saiu em vantagem: aquela que foi embora e se estabeleceu na cidade grande ou quem fincou suas raízes ao solo e tentou sobreviver mesmo em meio a tempestade? É difícil responder quando todos os lados possuem segredos e infortúnios. E este talvez seja um dos infortúnios de Redemoinho.

A construção da narrativa é paulatina e procura mostrar como o passado está presente na vida de qualquer pessoa. Simultaneamente tenta criar um suspense do porquê toda tensão envolvendo os dois amigos. O incomodo de Luzimar é evidente, enquanto o desleixo e a ousadia cruel de Gildo criam uma espécie de inquietação não apenas nos seus parceiros de cena, mas no público, também.

Parte desta inquietação se deve a ausência de trilha sonora rebuscada. Não há canções ou músicas orquestradas na película. A passagem do trem, o movimento nas fábricas preenchem a crueza explícita por meio da sonoridade. E alimentam o vazio que pertence aos cidadãos de Cataguases em tela. A ideia que transparece é que os ruídos do local impedem qualquer tipo de diálogo além do essencial.  Isto transparece no olhar da mãe de Gildo e da esposa de Luzimar, mesmo que elas tentem gritar socorro ou precisem de um carinho a mais, suas vozes parecem esquecidas, apagadas, inexistentes.

Não entrando no mérito da questão, mas as personagens femininas possuem um arco dramático maior que os dois amigos, envolvendo também a linearidade temporal. E suas histórias parecem trampolins para alimentar o diálogo dos dois personagens centrais, seus segredos, suas tensões, suas escolhas dariam material para compor o filme a partir do olhar delas e de uma forma mais densa e regulamentar que o proposto pela obra. A verdade é que apesar de conseguir criar certa tensão, a relação de Gildo e Luzimar não consegue segurar a obra. A relação entre os dois beira a teatralidade excessiva e crua, afastando de uma realidade singela, mas que não perde seu ar de crueldade. Parte disso se deve ao fato do diretor não conseguir transpor para o cinema as estéticas que tão bem atuava por completo na teledramaturgia.

O que mais chama a atenção em Redemoinho, são os enquadramentos de Cataguases, longe da habitual visão de Minas Gerais barroca, há uma cidade oriunda das fábricas e suas conseqüências. Com planos que criam uma situação poética, ao mesmo tempo que incômoda, a fotografia de Walter Carvalho dá a cidade e seus transeuntes um ar claustrofóbico e pequeno, amedrontado e reflexivo sobre as nuances temporais da própria existência humana.

Redemoinho 3

Redemoinho é uma obra que visa reativar a memória reprimida e suscitar os velhos questionamentos que amedrontam a humanidade desde sempre: partir ou permanecer? Qual das suas opções vai sempre prevalecer sobre a racionalidade de agir certo sobre o passado? São algumas das indagações que Villlamarim, infelizmente, não conseguiu alcançar o status em sua divagação poética. A sensação que fica é que havia muito mais a ser explorado e abordado no longa-metragem, se este não quisesse se encaixar nos moldes de uma realidade cruel e engessada, o que não tira o brilho e nem a vontade de ver qual será o próximo passo do diretor.