A força emotiva que acompanha os filmes é sempre algo que pode sustentar um espectador por horas vendo a mais frustrada das tentativas de uma produção ruim ou satisfatória. Esse é o carro-chefe de qualquer produção cinematográfica, mas é inegável que quando somado a um filme realmente bom, o resultado é explosivo. É praticamente indiscutível ainda que todos nós vamos ao cinema para nos distanciar, o máximo possível, da realidade – mas são os momentos mais reais e críveis aos nossos olhos, que nos fazem despertar a sensação de estarmos conectados com a história que passa na tela – nos fazendo lembrar que emoção e o cinema são elementos inseparáveis. Essa é a sensação que o espectador deve (ou deveria ter) ao assistir o indicado ao BAFTA de Melhor Filme Britânico de 2018, “O Reino de Deus”.

Falando logo de antemão, o filme é pura emoção. É tão emocionalmente bonito, que faz os problemas técnicos serem apenas detalhes.  Apesar de “O Reino de Deus” ser a estreia de Francis Lee na direção de um longa, o filme parece ser feito por um veterano. Das trinta e uma indicações a prêmios, já venceu 14.

O filme conta a história de Johnny Saxby que vive com a avó e o pai em uma fazenda de ovelhas. O pai enfermo confia nele para manter a propriedade, que está à beira das ruínas. Para lidar com todo esse futuro que lhe foi imposto, Johnny (Josh O’Connor) entorpece-se com copiosos pensamentos, drogas e sexo casual com homens jovens. Tudo muda quando um trabalhador migrante aparece para ajudar na fazenda – um gentil e belo romeno, Gheorghe (Alex Secareanu), que ensina Johnny a confiar, sentir e se expressar novamente.

‘O Reino de Deus’ se passa na Grã-Bretanha rural – um terreno fértil para uma geração de novos cineastas britânicos. Pennines, a cadeia de montanhas no centro-norte da Inglaterra é o lugar onde o diretor passou grande parte da infância, e foi através das memórias da fazenda da família que ele construiu grande parte do roteiro para o filme. O personagem romeno no filme é inspirado por um verdadeiro trabalhador romeno que o diretor conheceu no passado.

A vida na fazenda é o passado responsável por construir a Grã-Bretanha. Os solos que um dia foram feudais são o resultado de histórias e experiências desconhecidas. É o tipo de mundo em que o trabalho dolorido nos ossos é um modo de vida e os segredos são enterrados profundamente sob o gramado úmido. São esses segredos que perpassam o dia a dia de Johnny, tornando-o inexpressível. Pode ser que por esse motivo, o filme não conte com muitos diálogos.

A sensibilidade do enredo é a grande importância em ‘O reino de Deus’. O filme é totalmente construído na jornada romântica entre os personagens, que apenas trocam olhares e pequenos gestos – mas essa simplicidade é que faz o filme parecer muito mais importante e visualmente impactante, indo além da proposta inicial. Lee parece ter um lindo olhar para detalhes simbólicos – uma única luz na janela da fazenda que brilha através de um amanhecer enfatiza exatamente o quão sozinho é Johnny e o quanto ele precisa de alguém para suportar o mundo. A produção é um jogo de gestos e emoções sobre a vida permeada pelos segredos e desejos.

As comparações com ‘Brokeback Mountain’ de Ang Lee são inevitáveis. Mas enquanto Brokeback estava fazendo uma análise das reações homofóbicas do estado do Wyoming, o ‘Reino de Deus’ é enigmático e diz tudo em lâminas afiadas com palavras mínimas, onde um pequeno gesto – os dois dedos de Johnny esfregando a articulação calosas de seu pai – fala muito sobre o amor e a redenção.

Apesar de a fotografia não ser visualmente excelente, é inquestionável que as belezas das montanhas não sejam impactantes. A química entre os atores também a fascinante e genuína. Secareanu traz uma presença silenciosamente imponente para o que poderia ter sido facilmente um papel de galã. O’Connor retrata a maturação constante de Johnny com extraordinária delicadeza e habilidade. Ao final do filme, parece que você está olhando para uma pessoa completamente diferente, sem ter notado que ele mudou de vez.

O filme tem um poder emotivo que se espalha, mesmo quando você pensa que está acompanhando e controlando isso. “Reino de Deus” deixa muito mais que uma vaga experiência momentânea de fuga da realidade – deixa um pós-brilho, que dura por muito tempo, fazendo refletir na emoção de torcer pelos amantes que estão em meio a um mundo machista que acham que a fisicalidade do amor é mais fácil do que articulá-lo. Mas quando as palavras são finalmente faladas, é um momento para fazer o coração chorar.

 

Me desculpem os fãs de ‘Me Chame Pelo Seu Nome’, mas ‘O reino de Deus’ é muito mais sincero e fiel. Trata o relacionamento homoafetivo com naturalidade e parcimônia – é calmo e benevolente. Exala toneladas de amor com poucas palavras.