Nem Baz Luhrmann, nem Rob Marshall, ou muito menos Kenny Ortega. O único diretor que pode realmente reivindicar o título de mestre dos filmes musicais contemporâneos é o irlandês John Carney. Ele já havia encantado o mundo em 2007 com o pequeno sucesso indie Apenas Uma Vez, e novamente voltou a entregar um belo trabalho no mesmo gênero em 2013, com Mesmo Se Nada Der Certo. Mas agora, demonstrando que o seu sucesso não é acidental, ele lança talvez o seu melhor filme, que saiu ovacionado com algumas das melhores críticas do Festival de Sundance em janeiro: Sing Street.

Em seus filmes anteriores, o diretor já havia demonstrado uma sensibilidade única ao retratar na tela o processo de composição de músicas e como o mesmo é diretamente influenciado pelas experiências de vida dos próprios artistas e das pessoas ao seu redor. Seja através de um cantor de rua com esperança por dias melhores ou através de uma jovem compositora que, após ser largada pelo namorado, descobre o seu próprio potencial reprimido, o diretor sempre soube nos aproximar dos dilemas dos seus personagens e fazer com que as músicas se revelassem verdadeiros hinos sobre os seus sentimentos.

Mas ouso dizer que em Sing Street o diretor atingiu o seu ápice. Ao contar a jornada de um adolescente que, em meio à efervescência cultural dos anos 80 no Reino Unido, decide montar sua própria banda para conquistar o amor de uma garota, Carney nos apresenta uma história que, na sua simplicidade, se revela a mais universal que ele já contou até agora, uma com a qual absolutamente todo mundo consegue se identificar.

Com uma trilha sonora que bebe diretamente dos sucessos musicais da década onde se passa, o filme faz uma bela reconstituição de época, cujos detalhes e referências são sempre hábeis em resgatar as nossas memórias afetivas daquele período. Ao mesmo tempo, o filme empolga ao apresentar diversas canções originais que são igualmente contagiantes. Assistir ao “amadurecimento artístico” da banda recém-formada, que experimenta diversos visuais inspirados nos artistas da época, além da criatividade amadora com que eles filmam os videoclipes para cada uma das suas músicas, é diversão pura. E claro, mais uma vez, o processo de composição das canções ganha grande destaque na projeção, sendo simplesmente delicioso ver como os diversos incidentes do dia-a-dia da escola e as desilusões amorosas do protagonista são filtrados e transformados em melodias e letras.

Aliás, é quase inacreditável que o protagonista Cosmo, vivido de forma carismática por Ferdia Walsh-Peelo, seja na verdade o primeiro trabalho do ator. O garoto nos conquista de imediato com seu jeito desajeitado e ingênuo, mas exibe também uma mente aguçada e atitude determinada, capaz de apanhar do valentão da escola num momento e, logo em seguida, ainda com os olhos roxos, tentar conquistar a garota dos seus sonhos. E que garota! Lucy Boynton como Raphina está deslumbrante e nos faz entender perfeitamente porque Cosmo se apaixona instantaneamente por ela. Raphina é a típica garota mais velha que sonha em ser modelo e só namora com os universitários, mas o brilho que emana dos seus olhos ao ouvir as músicas que Cosmo escreveu especialmente pra ela deixa claro como essa talvez seja a primeira vez que alguém a trata com tanto carinho e admiração.

O elenco inteiro está brilhante e todos se destacam, até mesmo nos menores papéis, como a mãe de um dos amigos de Cosmo, em cuja casa a nova banda realiza os seus ensaios. Inicialmente indiferente à empreitada musical do filho, ela logo se vê preparando lanches para os meninos e dançando ao som das músicas que vêm da sua sala de estar.

O filme ainda se destaca por conseguir equilibrar muito bem a leveza da descoberta e conquista do primeiro amor com o peso das dificuldades trazidas pela crise econômica que a Irlanda enfrentava na época e as desilusões daqueles que foram forçados a abandonar suas carreiras e aspirações. Essa faceta é representada principalmente pelo irmão mais velho de Cosmo, interpretado por Jack Reynor, que serve de mentor na jornada musical do caçula mas, ao mesmo tempo, se ressente por vê-lo realizar os sonhos que ele próprio deixou pra trás.

Em uma entrevista durante o lançamento do longa, o diretor disse que, ao escrever o roteiro, ele se baseou em experiências da sua adolescência e que Cosmo, ao longo do filme, realiza tudo o que ele próprio gostaria de ter feito, mas nunca teve coragem. No final das contas, talvez seja este mesmo o grande trunfo do filme. Afinal, é muito fácil torcer e até enxergar a si próprio na figura de Cosmo, ainda mais porque as dificuldades da sua jornada nunca são diminuídas, o que torna suas vitórias sempre relevantes.

Assim, em meio a músicas contagiantes e sequências criativas e cheias de sensibilidade, Sing Street nos lembra de uma das grandes qualidades do cinema: a sua capacidade de nos fazer sonhar e enxergar na tela todo o potencial que um dia nós mesmos gostaríamos de alcançar. Quando os créditos finais finalmente chegam e um medley das principais músicas do longa começa a tocar, não nos resta outra opção a não ser tentar (em vão) disfarçar o enorme sorriso no rosto e enxugar algumas lágrimas que sabe-se-lá-como surgiram no canto dos olhos, tudo isso enquanto ainda estamos cantando e dançando em cima da poltrona.