Sim, a crítica não deve ter viés de “querido diário” e textos em primeira pessoa precisam ser evitados, mas hoje peço licença a vocês que leem este texto para escrever uma espécie de depoimento do orkut em forma de crítica para um dos filmes mais importantes da minha vida.

O ano era 1998 e eu era uma menina de dez anos, como muitas, encantada com as Spice Girls. Ainda não entendia bem a mensagem delas e muito menos o que fazia um filme ser bom (ou não), mas assisti a “Spice World” três ou quatro vezes nos cinemas. Ou cinco, talvez. Lembro que já me irritava com gente tirando foto – de câmera analógica, lembra? – e estragando a magia do escurinho do cinema, o Severiano Ribeiro, no Amazonas Shopping de uma Manaus que ainda tinha salas de rua.

Hoje, quase 20 anos depois (estou chegando aos 30, idade que a Baby Spice tanto temia), dá para reassistir o filme com o discernimento para entender que ele passa longe de ser uma obra-prima. Não, não dá para levar a sério aquele momento em que as garotas encontram ETs ou o heróico pulo do ônibus contra o tempo. A caricatura de personagens como o paparazzo onipresente também não seria perdoável não fosse a memória afetiva.

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Every boy and every girl, spice up your life!

Grupo pop que vendeu mais de 90 milhões de discos em uma carreira que durou apenas meia década, as Spice Girls comercializavam uma imagem que brincava com os estereótipos desse tipo de música: havia quem se identificasse com a sacarina da Baby Spice, com a acidez da Scary, com a torcida exacerbada por futebol da – adivinhe – Sporty ou com o gosto por moda da Posh. Completava o quinteto Ginger, principal emissora da mensagem do grupo: “Girl Power”, ou, em tradução livre, poder das meninas. No repertório, músicas que falavam sobre o poder da amizade (‘Wannabe’), o amor próprio (‘Too Much’), relações familiares (‘Mama’) e a fama (‘Who Do You Think You Are’).

A despeito das falhas – que são muitas -, “Spice World” acerta ao saber que é uma sátira de si mesmo. Produzido no auge das Garotas Apimentadas, o filme aposta no carisma das cinco meninas para fazer a história andar. São muitas as brincadeiras com os estereótipos que elas mesmas vestem (a pedidos de gravadora, empresários, produtores etc.) e como isso as afeta. Vemos isso quando que Emma reclama da alcunha de Baby Spice e Victoria se mostra insatisfeita com a imagem de pessoa fútil, só por gostar de moda (ela, inclusive, riu por último, já que hoje é uma estilista bem-sucedida).

Ao mesmo tempo, os conflitos da fama são abordados em vários aspectos na película: a falta de tempo para dar atenção às amizades antigas, as pressões da gravadora (representadas por um deliciosamente caricato Roger Moore, todo carregado nas referências a 007) e, principalmente, o papel da imprensa em criar e destruir ídolos. Fruto de sua época, o filme ainda usa, de forma exagerada e a já citada figura do paparazzo em uma Inglaterra pós-princesa Diana para dar a sensação de sufoco que fizeram cinco meninas de 20 e poucos “pedirem para sair”. Vale lembrar que, pouco após o lançamento do filme, a Ginger Spice Geri Halliwell anunciou que estava deixando o grupo. A auto sátira volta a aparecer quando a película apresenta dois roteiristas que fazem o pior pitch de todos os tempos, que nada mais é que o próprio filme. Nisso tudo, aparições de astros como eles mesmos ou personagens aleatórios (Elton John, Elvis Costello, Stephen Fry e o então desconhecido Hugh Laurie, para citar alguns).


Viva Forever

Inspirado em “A Hard Day’s Night”, “Spice World” fala direto com as meninas e meninos que viram em “Spice Up Your Life”, “Stop” e “Say You’ll Be There” hinos para além do emprego “giriático” da palavra hoje em dia (e digo isso como alguém que adora soltar ‘que hino’ para qualquer música). Talvez um documentário, a exemplo de “Na Cama Com Madonna” ou como o “Gaga Five Foot Two” que vem por aí, fosse mais instrutivo e cinematograficamente aceitável (e não a produção que o documentarista vivido por Alan Cumming tenta fazer). Todavia, o absurdo que este filme de Bob Spiers imprime lhe dá um valor camp inestimável. Junta-se a isso um ridículo design de produção, que transforma um simples ônibus de dois andares um verdadeiro parque de diversões, com um colorido que por vezes faz doer a vista. Por fim, o figurino já característico das Garotas Apimentadas fica ainda mais exagerado neste filme – um destaque neste sentido é a divertida sequência da sessão de fotos ao som de “Saturday Night Divas”, onde elas se fantasiam de personagens icônicos da cultura pop, como elas mesmas.

A abordagem é bastante superficial – é muita coisa para um filme de uma hora e meia -, mas o encanto que “Spice World” exerce em mim ainda é o mesmo de duas décadas atrás. Agora, com um conhecimento um pouco maior do que é esse tal “girl power” (tenho esses dizeres tatuados no braço, inclusive), vejo o quanto as Spice Girls foram importantes na minha vida. Elas ensinaram que gostar de roupas não te impede de salvar o dia ou que não é proibido uma garota ter opiniões fortes e fazê-las serem ouvidas, como Geri. E que, no fim das contas, “friendship never ends”.