Quem cresceu na década de 80 e era amante do cinema de ação americano, tinha Sylvester Stallone e Arnold Schwarzenegger como ídolos. Se este teve uma carreira mais consistente, Stallone oscilou entre bons filmes e vários outros ruins. Mesmo longe de ser um grande ator, “Sly”, sempre quando exigido, atua bem. Por isso, foi uma pena a Academia, na premiação do Oscar deste ano, deixar passar a oportunidade de premiá-lo pela sua atuação sensível em Creed.

Seria uma espécie de agradecimento um tanto quanto merecido, não apenas pela ótima atuação do ator, como também um reconhecimento referente à contribuição (e importância) que Stallone teve na construção da imagem do cinema blockbuster americano, principalmente a grana que ele proporcionou aos cofres de Hollywood. Em homenagem aos 70 anos do ator completados nesta quarta-feira, o Cine Set faz uma breve análise sobre os principais trabalhos deste carismático intérprete, que tem no seu currículo mais de 70 trabalhos estrelados.


As
 masterpieces

Não tem como fugir do óbvio neste quesito: tanto o primeiro Rocky quanto Rambo são seus maiores legados ao cinema. Rocky, um Lutador deu a projeção ao ator no cinema, abocanhou três Oscars e gerou uma franquia de sucesso que levou o astro a investir atrás das câmeras. E, diga-se de passagem, é um belo filme, de pura emoção. O roteiro, escrito pelo próprio Stallone, respira humanidade e concilia o drama do seus personagens – todos eles demasiadamente humanos, com qualidades e defeitos – a uma história pessoal de superação e autodescoberta. Por isso, é um filme que acerta diretamente no coração do espectador.

Por sua vez, Rambo – Programado para Matar ficou marginalizado pelas suas continuações, que transformaram seu personagem no cinema reacionário e brucutu da década de 80. Mas o primeiro título da série pouco apresenta essa visão. É um ótimo exercício de drama e crítica social voltada à Guerra do Vietnã, dirigido com esmero pelo subestimado Ted Kotcheff. Longe do panfletismo que o astro faria nesta década ao governo Reagan (tanto na franquia Rambo quanto em Rocky), este original apresenta um texto denso sobre os efeitos da Guerra do Vietnã no processo de reinserção do combatente na sociedade, com ótimas metáforas sobre o papel do Estado e da Lei. Sem contar o potente discurso final proferido por Rambo que faz deste exemplar, um dos melhores do cinema de ação da década de 80.


Os subestimados

Pouca gente lembra, mas logo depois de Rocky e antes de Rambo, Stallone estrelou este subestimado e eletrizante policial, Falcões da Noite, que foge dos clichês exagerados de ação de outros trabalhos do ator. O roteiro realista que respira a cinema setentista, principalmente no enredo intimista, faz uma mistura interessante entre policial urbano e terrorismo. Nele, o ator é um policial novaiorquino que, juntamente com o parceiro (Billy Dee Willliams, o Lando de Star Wars), precisa enfrentar um terrorista alemão (Rutger Hauer, genial como psicopata) que vem aterrorizando a Big Apple. Falcões da Noite é uma espécie de Operação França (1971) de Stallone.

Outra obra subestimada do ator na mesma temática é Copland, que emula o thriller cerebral focado na corrupção policial. O filme acabou caindo no esquecimento em razão de Los Angeles – Cidade Proibida (1997), lançado no mesmo ano, que acabou por ofuscar o trabalho em razão da temática semelhante. Isso não faz jus à qualidade de Copland, cuja inspiração maior são as obras do mestre Sidney Lumet. O jovem diretor James Mangold nos envolve no realismo e crueldade da classe policial, oferecendo um enredo inteligente e surpreendente na medida certa. Outra ótima atuação dramática de Stallone, que engordou consideravelmente para viver o delegado de uma cidade pequena dos EUA.


Ótimas diversões

A década de 90 começou bem para o astro, com dois blockbusters que cumprem o que prometem: diversão. O primeiro é Risco Total, até hoje um dos melhores filmes sobre alpinismo realizados dentro do formato de ação. Muito da qualidade provém do diretor Renny Harlin, que tinha realizado, um ano antes, o divertido Duro de Matar 2. O encontro do astro com o diretor rendeu um empolgante e vertiginoso trabalho, que é um encontro entre Duro de Matar e Amargo Pesadelo. Belas sequências de ação e momentos de pura tensão (a sequência inicial é de roer as unhas) transformam Risco Total em uma verdadeira montanha de adrenalina, para ser conferida com um balão de oxigênio do lado.

No ano seguinte, o astro lançou O Demolidor, uma ficção científica com vários elementos do cinema B, repleto de humor cínico e ótimas cenas de ação. É o típico filme de espírito “calhorda” que Stallone busca resgatar nos seus trabalhos recentes, mas não consegue – a franquia Os Mercenários tem seus méritos, só que jamais consegue captar a mesma vibe. Destaque para Wesley Snipes, caricato ao extremo como vilão. Vi em um cinema lotado que rachava o bico para cada situação absurda apresentada pelo filme.


São toscos, mas nostálgicos

Dentro da sua vasta filmografia, há dois exemplares da década de 80 que apresentam roteiros fracos e envelheceram não muito bem, mas possuem um sentimento de nostalgia que ajuda a “mascarar” seus problemas. Cobra é a síntese dessa sensação, um filme que marcou a infância do fã do cinema de ação na década de 80. Feito em parceria com o finado George Pan Cosmatos – Sly e o diretor trabalhariam juntos novamente em Rambo 2Cobra é aquela obra fascista, violenta e inspirada claramente nos filmes de Dirty Harry. Repleto de frases de efeito, foi através dele que aprendi que o crime é uma doença e Stallone é a cura. O roteiro picareta é compensado pela boa direção de Cosmatos e o carisma brucutu do nosso astro.

Falcão – O Campeão dos Campeões tem um roteiro esdrúxulo – afinal, o que dizer de uma história em torno de um campeonato bizarro de queda de braço, um caminhoneiro que apresenta sua força quando vira para trás o seu boné e um ator juvenil irritante que é a sósia da Demi Moore quando mais nova? Só mesmo o meu espírito nostálgico ajuda a me emocionar com esse enredo vagabundo de auto-superação e reatamento de laços entre pai e filho. É meu guilty pleasure do ator, a versão trash de Rocky Balboa.


Os piores

Por mais que simpatize com Sly, não vou negar que na sua filmografia há diversos exemplares ruins que entrariam facilmente neste quesito (O Especialista e Alta Velocidade são ótimos exemplos), mas nada consegue ser tão bizarro quanto O Juiz e Pare! Senão Mamãe Atira. O primeiro destrói a essência do personagem criado por John Wagner dos quadrinhos. Atuações sofríveis (Rob Schneider como figura de comédia é de doer), cenas de ação caricatas e o roteiro vergonha alheia destruíram uma das melhores HQs.

Enquanto isso, Pare! Senão Mamãe Atira Foi mais uma tentativa do astro de tentar seguir (ou imitar) a carreira de sucesso atingida pelo seu maior rival, Arnold Schwarzenegger, nas comédias. Enquanto Arnoldão acertou com Irmãos Gêmeos e Um Tira no Jardim da Infância, Sly naufragou com Oscar – Minha Filha Quer Casar (que é menos ruim, diga-se de passagem) e este filme. O resultado é uma comédia que desperdiça a oportunidade de brincar com a fama de durão do ator na época, mesmo sendo leve e despretensioso. Se você algum dia quiser constranger Stallone em uma entrevista, pergunte como foi fazer a cena na qual ele aparece usando fralda no filme. Um dos maiores micos da carreira do ator e um verdadeiro presente de grego que ninguém merece receber de aniversário.