Em várias entrevistas antes do lançamento da segunda temporada de Stranger Things, os criadores da série, os irmãos Duffer, disseram que abordaram esse retorno como uma “continuação”, como se o primeiro ano fosse um filme e agora veríamos a “Parte 2”. Chegaram até a colocar um enorme número 2 no título da série durante a sequência de abertura. Pois, aparentemente, eles levaram tão a sério essa ideia de continuação que seguiram à risca o mandamento não-escrito delas, aquele senso comum conhecido por todos os espectadores de cinema: as continuações quase nunca superam os originais.

Iniciando-se um ano depois dos acontecimentos da primeira, a segunda temporada de Stranger Things se passa em 1984. Logo reencontramos a gangue, um ano depois, no colégio: Will (Noah Schnapp) parece recuperado, mas ainda é chamado de “garoto zumbi” pelos colegas de escola e conta com os amigos para retomar a vida normal. Porém, pelo que vimos no final da temporada, alguma coisa das criaturas do Mundo Invertido permanece dentro dele, e quando novos eventos estranhos começam a ocorrer na cidade de Hawkins, os garotos e seus aliados se veem envolvidos numa nova luta contra os seres da dimensão paralela. E ao mesmo tempo em que o grupo começa a se aproximar de Max (Sadie Sink), uma aluna nova da escola, descobrimos o verdadeiro destino de Eleven (Millie Bobby Brown) e a sua relação com o xerife Hopper (David Harbour).

Na teoria, os irmãos Duffer e seus roteiristas aproveitam essa nova temporada para expandir um pouco o escopo da série – há um episódio inteiro ambientado fora de Hawkins – e para tentar ampliar e redefinir as relações entre os personagens. Porém, na prática, o resultado fica aquém do esperado porque, acima de tudo, eles não conseguem dar o passo seguinte na evolução dos personagens e parecem mais concentrados em pontos da trama – a qual, no fim das contas, é bem rasa, basicamente humanos contra monstros de novo, e sem o gancho dos mistérios da temporada inicial – e no seu inventário de clichês e referências. Sério, todo mundo praticamente começa e termina igual a como estava no primeiro ano, especialmente as crianças.

Isso decepciona porque torna questionáveis alguns pontos de trama. Ora, para que serviu o fato de Nancy (Natalia Dyer) ter terminado a temporada anterior com Steve (Joe Kerry), se quase nada de drama foi extraído disso na segunda? Basta uma conversinha e ela volta a andar com Jonathan (Charlie Heaton)… E, tendo em vista tudo que aconteceu ano passado, faz sentido o Dustin (Gaten Matarazzo, agora praticamente o astro da série) levar para casa uma criatura estranha? Podemos perdoar o personagem por não ter visto Prometheus (2012) e não conhecer o ridículo de se tratar um bicho claramente estranho como animal de estimação; mas não podemos perdoar os roteiristas. Talvez fazer referência a Gremlins (1984) tenha sido irresistível demais para eles…

Mas, claro, há outras referências para os criadores explorarem: Mad Max (1979), Contatos Imediatos de Terceiro Grau (1977), Os Caça-Fantasmas (1984), o arco da Eleven a certa altura dentro da temporada lembra o de Luke em Star Wars: O Império Contra-Ataca (1980) – ela chega a treinar com uma “mestra Jedi” num episódio… E as presenças do sempre ótimo Paul Reiser como um cientista e de Sean Astin como o divertido Bob, novo namorado de Joyce (Winona Ryder), são referencias em si. Reiser participou de Aliens: O Resgate (1986), um dos filmes de cabeceira dos Duffer durante esta temporada; e antes de ter vivido o Sam de O Senhor dos Anéis, Astin interpretou o Mikey de Os Goonies (1985), uma das obras com o DNA da série. Aliás, Bob é uma das melhores coisas da temporada e o personagem ajuda a introduzir algumas surpresas dentro da visão dos roteiristas.

Do ponto de vista técnico, a série continua um produto diferenciado. A atmosfera oitentista é reconstruída com carinho e precisão, dos ambientes aos penteados e cenários, à cinematografia e visual levemente esmaecidos que se percebe em várias cenas, como se estivéssemos assistindo a um produto audiovisual produzido há muito tempo atrás. E a trilha sonora, claro, continua uma das melhores da TV, com as composições eletrônicas da dupla Michael Stein e Kyle Dixon servindo como empolgante complemento às cenas. Os efeitos visuais também impressionam, embora em alguns momentos o artificialismo das criaturas em computação gráfica fique um pouco evidente – mais um motivo para a maioria das cenas com elas serem noturnas.

Para quem reclamou da sopa de referências da temporada passada, os irmãos Duffer até incluem uma brincadeira divertida: Quando Lucas (Caleb McLaughlin) reconta os eventos do primeiro ano para Max, esta reclama que a história não teve “originalidade”. Se você achou que a primeira temporada era apenas uma lista de referências a clássicos de Spielberg, Carpenter e King, e não viu nada além disso, esta segunda temporada não lhe fará mudar de ideia. Mas se, além das referências, você (como eu) gostou do elenco simpático e dos personagens, e sentiu que a visão dos irmãos Duffer era, no mínimo, intrigante e divertida… Bem, então será difícil não gostar deste novo ano. É até difícil odiar a série, tão assumidamente otimista: Neste ano até os cientistas do laboratório misterioso parecem gente boa, e só as criaturas do Mundo Invertido são irremediavelmente más. Num cenário como o de hoje, um pouco desses valores positivos são até um refresco no cenário do entretenimento.

Porém, mesmo assim, é notório que alguma coisa se perdeu de uma temporada para a outra. Os criadores agora se contentam em repetir alguns pontos de trama e situações anteriores, e em nos fornecer mais daquilo que nos agradou – Matarazzo é fofo, no entanto “Mais Dustin” não é necessariamente uma coisa boa. Em resumo, fizeram a típica “continuação” hollywoodiana, e tivemos muitas delas nos anos 1980. Se era este o real objetivo deles, então o alcançaram com perfeição.