Defendendo o indefensável é o argumento que serve para abrir esta crítica para a coluna Advogado de Defesa do Cine Set, que hoje está mais para advogado do diabo. Incumbido pelo espírito solidário natalino e após ler a notícia no próprio Cine Set dos motivos nobres que levaram o ator Tim Roth a interpretar Joseph Blatter em United Passions, fiquei ainda mais estimulado a realizar a defesa do execrado Superman III (1983), dirigido por Richard Lester.

O terceiro filme do Homem de Aço geralmente é visto como ruim, bizarro e até mesmo com certa perplexidade por parte dos fãs, muito em razão de uma abordagem diferente do personagem – pouco tradicional seria a palavra exata –, abusando do estilo comédia pastelão em relação ao herói. Isso com certeza incomodou 90% das pessoas que esperavam um tom de aventura mais sério, semelhante aos dois filmes anteriores (um dirigido por Richard Donner e outro pelo próprio Lester), o que talvez explique o índice baixo de aprovação de apenas 20% no site Rotten Tomattoes.

Por isso, ele é considerado como maldito por grande parte do público, sobrando apenas meia dúzia de gatos pingados (e na qual me incluo) que veem pequenas qualidades no filme. E antes que alguém me crucifique, não nego que Superman III é realmente cheio de falhas, que sofre de problemas no seu ritmo com situações absurdas e atuações caricatas. Mas é preciso elogiar a coragem por parte de Lester, que desde a cena de abertura, abraça o seu estilo trash, de comédia intencionalmente voluntária, sem jamais largá-la.

Por isso, a primeira grande defesa que faço do filme: ele nunca esconde o que realmente é, um kitsch oitentista ordinário com diversas auto-referências à cultura da década de 80, que reflete uma época preguiçosa, cínica e oportunista conhecida como white trash. Foi o primeiro filme de herói que assisti na finada Sessão das Dez do SBT, antes mesmo do clássico dirigido por Richard Donner. O carinho nostálgico pela obra talvez influencie no meu senso crítico em relação a sua qualidade, mas, mesmo após a revisão, continuo a vê-lo da mesma maneira que o assisti da primeira vez, mesmo enxergando hoje melhor seus diversos defeitos.

Logo, mesmo com todos os seus problemas, o segundo ponto de defesa em relação a Superman III é que ele precisa ser visto sob outra perspectiva pelo público. Apresenta um herói bem diferente, enfrentando questões pessoais novas, de forma isolada, longe das situações comuns que habitavam as outras obras. Quando você compra a ideia que esta terceira parte em nenhum momento se leva a sério e cuja principal essência é seguir uma veia humorística próxima ao seriado do Batman da década de 70, você com certeza poderá enxergá-lo como um guilty pleasure adorável.

A própria história principal é uma colcha de retalhos que mostra um sujeito chamado Gus Gorman (Richard Pryor), um gênio em computação, que juntamente com o chefe Ross Webster (Robert Vaughn canastrão), pretende usar os computadores para controlar o mundo dos negócios. O problema é que o Superman (Christopher Reeve) interfere, obrigando os vilões a criar uma kryptonita sintética que causa um efeito diferente ao herói, tornando-o um bad boy. Paralelamente, acompanhamos seu alter ego Clark Kent reencontrando seu amor de adolescência Lana Lang (a bela Annette O’Toole).

É dentro dessa salada mista que se constrói as principais particularidades deste terceiro capítulo, uma “quebra” na estrutura narrativa em comparação aos outros filmes. Seu formato excêntrico é responsável pelas suas principais qualidades, mas também pelos principais defeitos, até porque Lester exagera em alguns argumentos. Por isso para fechar o terceiro ponto da minha defesa, irei discriminar três características que me fazem apreciar este capítulo:

1. O formato de comédia pastelão

Richard Donner dirigiu 70% de Superman II até ser despedido pelos produtores por diferenças criativas. Lester assumiu a bronca e reeditou quase todas as cenas, sendo responsável pela maioria dos momentos e diálogos de humor. Já no terceiro capítulo, o cineasta teve total liberdade de impor, desde o início, o seu olhar mais autoral. Antes, ele era conhecido por ter realizado os filmes dos Beatles, Os Reis do Iê-Iê-Iê e Help, ambos revolucionários pela narrativa frenética, em formato aventuresco. Fã confesso de Buster Keaton, Lester imprimiu em Superman III um humor pastelão desde o início. A longa sequência durante os créditos de abertura envolvendo Kent e uma loira em uma comédia de erros em torno de desastres no tráfego é homenagem pura a Jacques Tati. Você enxerga muito neste capítulo a essência das comédias screwball dos anos 30 e 40, o que lhe dá um charme delicioso de paródia.

2. O filme mais inusitado e diferente da franquia do Homem de Aço

Entre momentos bizarros e trashs, Superman III brinca com a imagem fantasiosa do personagem. Lester desconstrói os estereótipos em relação ao mito do herói, dentro de uma aventura satírica. Coloca o Homem de Aço diante de situações inusitadas, como desentortando a Torre de Pisa, apagando a tocha olímpica e uma cena nonsense – absurdamente bizarra – do personagem de Richard Pryor caindo do alto de um prédio com uma capa rosa e esquis. Outra cena impagável é a namorada do criminoso, que faz um estereótipo de loira burra, mas, na verdade, lê e debate filosofia de Kant, fingindo ler revista de fofocas para não ser descoberta. A cena em si já vale o filme. Além disso, é o único da série que apresenta novos vilões, sem a presença de General Zod ou Lex Luthor e oferece um novo amor (Lana Lang) ao herói.

3. Um Superman mais humano e atual na sua essência

Superman sempre foi um personagem nos quadrinhos certinho. Nessa terceira parte, graças a um tipo de kryptonita, podemos vê-lo corrompido, alguém mais “humano”, dotado de desejo e indiferença. Essa ousadia de Lester é um dos pontos altos do filme, pois oferece uma dimensão mais psicológica ao personagem – além dos vilões, ele precisa enfrentar a si mesmo. Uma das minhas cenas favoritas desse terceiro capítulo é a briga do Superman com Clark Kent em um ferro-velho, local que funciona como uma interessante metáfora para o jeito iconoclasta dessa sequência, que mistura elementos trashs com clássicos, como é o caso de Dr. Jekyll e Sr. Hyde. Essa mesma situação Sam Raimi tentou reproduzir em Homem-Aranha 3, em um formato emo, mas de resultado inferior. A parte atual do filme é que ele antecipa as ameaças virtuais dos hackers, a briga pelo petróleo e as mudanças climáticas, elementos que o transformam em uma obra atual, apesar dos efeitos especiais terem envelhecido não muito bem.

Comentários finais de encerramento da defesa do acusado

Caros membros do júri, Superman III é um filme realmente cheio de defeitos e isso não tem como negar, Mas quando comparamos com o que veio em seguida, asseguro que ele é superior: Superman IV – Em Busca da Paz é horroroso, Superman – O Retorno é um ótimo soporífero, enquanto O Homem de Aço é cheio de pavulagem. O filme de Lester nunca esconde a sua verdadeira faceta de se assumir como uma aventura descompromissada. Sem contar o fato que até produções mais robustas, como Homem Aranha 3 e Hancock, tentaram copiar descaradamente o formato de herói politicamente incorreto do filme de Lester nas suas tramas.

Pessoalmente, acredito no meu cliente e acho que há um bom filme perdido em algum lugar de Superman III. Lester nunca levou o personagem a sério, isso é verdade, mas ele é que fez o Homem de Aço trabalhar bastante, diferente das produções atuais, em que os heróis jamais enfrentam diretamente seus inimigos. Aqui Superman sempre tem algo para fazer. Para os fãs que cobram fidelidade aos quadrinhos, é só substituir aquele supercomputador pelo Brainiac, o Superman bad boy pelo Bizarro e a kryptonita sintética pela vermelha.

É um filme que falha no contexto geral, mas brilha em pequenos detalhes. Ele faz parte de um contexto, o do ano de 1983, período marcado por filmes mais “leves” como O Retorno de Jedi, 007 Contra Octopussy e Tubarão 3. Pelos exageros, Lester perdeu o controle da obra e deixou o resultado final uma mistura irregular e estranha. Mas é um bom filme para reunir os amigos, tomar umas cervejas e se divertir. Fico imaginando como seria a versão cinematográfica de Batman, caso Lester seguisse como base o seriado clássico do morcegão na década de 70. Encerro minha defesa e peço encarecidamente um voto de confiança em relação a este cínico capítulo do herói de cueca vermelha.