Quais as chances de se fazer um filme-catástrofe absolutamente desinteressante – em que nem mesmo a atávica e deliciosa compulsão de ver prédios desmoronando, explosões monumentais e massas humanas tragadas como formigas aquece o coração e acelera o pulso? É uma questão que teve a sua resposta mais contundente até agora com este Tempestade: Planeta em Fúria, mais uma realização certeira da grife Gerard Butler de cinema ruim.

O nome do ator já faz soar o alerta, mas a presença de Jerry Bruckheimer nos bastidores – o homem que abriu as portas para Michael Bay e é seu co-conspirador na construção da saga Transformers, o maior emblema de imbecilidade hollywoodiana do cinema – me deixou com a garganta seca e o estômago contrito durante todo o filme. E quer saber? Tempestade é tudo o que se poderia esperar dessa união – diálogos toscos, atuações canhestras, racismo (as buchas-de-canhão do filme vêm principalmente do Oriente Médio, mas há uma sequência de destaque que mostra o Rio de Janeiro sendo engolido por um tsunami) e uma lógica elusiva guiando os rumos da trama. Há, porém, um agravante: a parte que deveria ser o ponto forte de qualquer filme-catástrofe – a catástrofe em si – é uma decepção: rápida demais, demora muito pra acontecer, e os efeitos do filme passam longe da qualidade e volúpia destrutiva de, digamos, O Dia Depois de Amanhã (2004) e Terremoto: A Falha de San Andreas (2015).

O trailer até que prometia: um hacker se apossava de um sistema de controle de clima desenvolvido por uma coalizão de países para atenuar os desastres ambientais causados pela intervenção humana. Parecia que essa seria a premissa – o hacker semearia o caos e os heróis tentariam destruir ou recuperar o controle da geringonça. O que o filme de fato entrega é uma chatíssima trama de rivalidade entre irmãos – Butler (mais famoso como o comandante espartano Leônidas em 300) como o rebelde e indômito Jake Lawson, idealizador da estação Dutch Boy, que salvou o planeta de ondas letais de calor e tempestades, e Jim Sturgess (de filmes como Across the Universe e Quebrando a Banca) como Max, assessor do presidente americano que trabalha principalmente aliviando os atritos do irmão com a classe política –, quebrada pela busca desesperada por impedir a tal Geotempestade do título original: a formação de uma série de tempestades fortíssimas por todo o globo, que varreria boa parte da humanidade para o oblívio.

Do jeito que ficou – o filme foi rodado em 2014, mas Bruckheimer considerou o corte original ruim (sim!!!) e ordenou a refilmagem de boa parte da obra no ano passado –, Tempestade claramente tenta atualizar a estrutura de thriller e o esforço para construir personagens carismáticos de filmes como Armageddon (1998) e Independence Day (1996) – este, aliás, um dos frutos dourados da parceria entre Dean Devlin, diretor de Tempestade, e Roland Emmerich, da época em que o primeiro era apenas roteirista – mas o resultado é apenas a triste constatação de que até Jerry Bruckheimer & Cia. já foram bem mais interessantes, ou, pelo menos, divertidos. Aliás, como todos andam envelhecendo mal: o script de Devlin para Independence Day 2: O Ressurgimento, do ano passado, é constrangedor, mas a direção de Emmerich alcança níveis paroxísticos de vergonha alheia. Da mesma forma, Bruckheimer está cada vez mais parecido com uma caricatura de si mesmo, produzindo reedições cansadas de seus grandes sucessos (a saber, a série Piratas do Caribe e as parcerias com Michael Bay).

Como nos filmes citados, Devlin e Bruckheimer apostam num elenco de rostos razoavelmente conhecidos para alavancar o apelo: além de Butler e Sturgess, temos Abbie Cornish (de Sucker Punch: Mundo Surreal), como uma agente da segurança presidencial que é também par romântico de Sturgess; Alexandra Maria Lara, atriz alemã que é mais conhecida por viver a esposa de Daniel Brühl em Rush: No Limite da Emoção (2013), como o par de Butler; Andy García (da série Onze Homens e um Segredo) como o presidente americano; Talitha Bateman, de Annabelle 2: A Criação do Mal, como a filha de Jake, Hannah; e o fabuloso Ed Harris como o Secretário de Estado e vilão do filme, Leonard Dekkom: é dele, talvez, a participação mais constrangedora de todo o lote, com várias falas incrivelmente estúpidas, e uma motivação ridícula para os atos de vilania.

Tirando a segura e contida Cornish, estão todos micados neste grande abacaxi a várias mãos que é Tempestade: Planeta em Fúria. O filme ainda tenta esboçar uma mensagem politicamente correta, de união humanitária e preservação ambiental, mas, diante de um resultado tão risível como entretenimento, ela soa apenas constrangedora. Como todo o resto.