Quando se trata de resgatar a memória LGBTQ no mundo, qualquer experimentação é válida. Principalmente, ao levar em consideração que são baixos os números de produções responsáveis por tentar fazer esse levante histórico e dar importância para nomes desconhecidos pela história. Essas produções, que geralmente são biográficas, se tornam peças artísticas em um emaranhado de filmes comerciais, criando uma obra de caráter histórico importante para várias outras gerações que virão. Esse é o grande valor de Tom of Finland, filme que faz um retrato da vida de Touko Laaksonen e traz à tona a forma como esse desenhista da Finlândia inspirou gerações e criou uma tendência no mundo inteiro.

Dirigido por Dome Karukoski, a biografia explora o universo subversivo e perigoso de Touko, que num dia era diretor de arte sênior da agência de publicidade McCann Erickson e no outro se transformava em Tom, um desenhista que desencadeava suas maiores fantasias sexuais – mecânicos lenhadores e policiais em calças apertadas, com os sorrisos em seus rostos quase tão grandes quanto seus pênis enormemente provocativos e exagerados.

Embora, esses trabalhos tenham criado o esboço de uma figura homossexual hipermusculosa e estereotipada, com um guarda-roupa carregado de couro e jeans, que viria a ser uma tendência nos anos 70 e tenham influenciado os estilos de artistas como Freddie Mercury e Village People, essa se tornou a única forma de Touko escapar da repressão sexual em uma Finlândia que ainda sofria com reflexos da segunda guerra mundial. Transformando o filme em uma verdadeira mensagem sobre liberdade e expressão.

É quase impossível desvincular esse valor do filme, que reflete principalmente a maneira como a arte, na maioria das vezes, se torna uma forma de escape e expressão de sentimentos, valores e identidade. O que faz dela um meio de visibilidade e representatividade.

O roteirista, Aleksi Bardy, consegue repassar essa ideia e reflexão quando coloca na fala do personagem essa mensagem. “Façam com que todos saibam que existimos”, pede em forma de súplica um dos personagens. É um filme que conta relatos do passado, mas traz à tona questões muito recentes sobre preconceito e igualdade. É uma carta aberta para as novas gerações refletirem que a vida é permeada de lutas diárias e que ainda é preciso mantê-las.

Embora seja possível refletir sobre esses pontos no filme, principalmente pela questão da representatividade e forma de dar voz e espaço a nomes que influenciaram e criaram tendências dentro do mundo LGBTQ, ele deixa a desejar uma trama e narrativa mais energética. Por mais que toda experiência da obra seja válida, ela não é tão ousada quanto a história de seu personagem. São quase duas horas de filme que parecem não dar conta da imensidade e riqueza que Laaksonen tem para nos contar, criando um ritmo lento que dá foco para situações não provocativas.

A história de Tom é revoltante, inspiradora e ultrajante, mas não chega a ser contemplada de forma satisfatória pelo filme. Não tem conexão entre o personagem e o apelo emocional na trama. Criando uma história que poucos heterossexuais possam realmente se conectar e passar a olhar o filme de forma mais humana.

O que ganha destaque no filme é a brilhante atuação de Pekka Strang como Tom, que parece estar confortável em suas cenas como um homem gay na Finlândia conservadora. A atuação passa a verdadeira expressão de um homem enfrentando a pressão constante de sua irmã mais nova para nunca expressar sua identidade –  uma vez que ela acreditava que isso deixaria vergonha para a família.

A fotografia também tem destaque ao retratar uma Finlândia obscura e repressiva. Os tons de azul em combinação com as sombras dão um aspecto sombrio à vida de Tom, que parecia de certa forma infeliz naquela terra onde a repressão era enorme. É só quando ele se muda para a América, que as coisas iluminam-se sob a influência do sol da Califórnia e as atitudes igualmente ensolaradas de seus clientes americanos.

É a era permissiva e, de alguma forma, ele pousou no lugar perfeito para aproveitar as suas glórias. O tom alegre de desafio incorporado nos desenhos de Laaksonen agora pode ser lido como uma resposta eloquente à reação puritana que vem na sequência da epidemia da AIDS. Isso assume todo o calor, inteligência e energia que ficaram conspicuamente ausentes no resto do filme.