Aviso: Este artigo conterá SPOILERS.

O terror/suspense O Homem nas Trevas apresentou uma das cenas mais comentadas deste ano. Foi a cena na qual a personagem Rocky, vivida pela atriz Jane Levy, aparece amarrada e o Homem Cego (Stephen Lang) revela o que pretende fazer com ela: mantê-la prisioneira e introduzir nela seu próprio sêmen congelado, para que ela lhe dê um filho. Ele tem até uma ferramenta para a tarefa, uma seringa de borracha para a inseminação artificial caseira, e por alguns agoniantes minutos o espectador acha que o filme poderia mesmo mostrar isso.

Alguns espectadores e críticos acharam a cena ofensiva e desnecessária. Afinal, um contexto preparatório para ela não foi realmente oferecido. Até analisaram a cena pelo ponto de vista feminista – e Levy acaba dando o troco no vilão de forma exemplar, é preciso dizer. Mas é possível encará-la como parte de uma tradição de cenas perturbadoras com teor sexual em filmes de terror, momentos que costumavam até serem mais comuns.

Essa cena vinha perto do final do filme, quando o público já havia presenciado atos violentos e já tinha sido exposto ao grau de perturbação mental do Homem Cego. Realmente, essa inseminação – e ele deixa bem claro, de forma irônica, que “não é um estuprador” – não faz sentido algum do ponto de vista lógico. Mas, do ponto de vista distorcido do personagem, é apenas mais um ato para prosseguir com a vingança contra aqueles que mataram sua filha.

E o que realmente nos perturba nesse momento é o nosso desconforto com o teor sexual da cena. Ao longo da história do gênero terror, cineastas usaram cenas como essa para aumentar a tensão das suas narrativas. Afinal, sexo ainda é tabu mesmo em 2016, e os grandes artistas do terror sabem mexer com a nossa resposta emocional ao tabu. Sendo assim, vamos rever outros momentos clássicos nos quais filmes usaram o sexo para criar medo…


A Morte do Demônio (1981)

Fede Alvarez, diretor de O Homem nas Trevas e do remake de A Morte do Demônio, lançado em 2013, parece ter se inspirado no trabalho de Sam Raimi, produtor em ambos os filmes, para criar o seu momento perturbador. Afinal, na sua estreia no cinema com o A Morte do Demônio original, Raimi nos deu uma das mais lembradas e terríveis cenas de terror sexual do cinema, o momento no qual a jovem Cheryl, vivida por Ellen Sandweiss, é estuprada por uma árvore no meio da floresta mal assombrada. Aquela cena, ainda no primeiro ato do filme, já avisa para o espectador que a partir dali, vale tudo e é melhor se preparar…


O Exorcista (1973)

Quando começou a trabalhar na adaptação do livro de William Peter Blatty para o cinema, o diretor William Friedkin tinha praticamente certeza de que o estúdio Warner Bros. iria pedir a ele que cortasse a cena da masturbação com crucifixo. Mas, para sua surpresa, o estúdio não fez esse pedido, e Friedkin acabou realizando a cena que deixou (e ainda deixa) espectadores de boca aberta. Na verdade, a construção para aquele momento é sensacional, com um longo e tenso diálogo entre Chris (Ellen Burstyn), mãe da garotinha possuída Regan (Linda Blair), e o detetive Kinderman (Lee J. Cobb). São minutos com a câmera se aproximando e se afastando dos atores, e a tensão é palpável. Então, há um breve alívio cômico antes de ele ir embora, e depois o inferno explode dentro do quarto da menina, culminando com um ato ofensivo para ela e para o público. Será que, hoje, essa cena seria gravada? Para reflexão…


A Maldição dos Mortos Vivos (1988)

Uma lista como essa poderia conter outros momentos da carreira do cineasta Wes Craven, mas escolhi este por se tratar de um terror masculino. Muito levemente inspirado pela história real de um pesquisador que foi ao Haiti investigar o fenômeno dos zumbis, o filme coloca o doutor Dennis Allen (Bill Pullman) contra os Tonton-macoute, milícia haitiana que provocava o terror real no país. Numa cena em especial, o protagonista é preso numa cadeira, completamente nu, e o vilão o tortura com um prego introduzido num lugar sensível… Não há homem que não sinta um desconforto ao ver essa cena.


Possessão (1981)

O cultuado filme do polonês Andrzej Zulawski é, entre outras coisas, sobre o fim de um casamento. O marido, Mark, vivido por Sam Neill, demora a entender porque sua esposa Anna (Isabelle Adjani, “pegando o santo” numa atuação antológica) está tão diferente. Quando ele finalmente descobre, a verdade é chocante: ela está fazendo sexo regularmente com um monstro, uma criatura que pouco a pouco vai se transformando numa nova versão dele mesmo. O trauma para ele é quase tão grande quanto para o espectador.


Coração Satânico (1987)

Em dado momento de Coração Satânico, neo-noir de terror do diretor Alan Parker, o detetive Harry Angel (Mickey Rourke) e a jovem Epiphany (Lisa Bonet) fazem sexo. E então sangue começa a chover dentro do quarto, um riacho vermelho se avoluma pelo chão e ambos se molham enquanto gritam de prazer. Mais à frente, na história, descobrimos porque Angel viu as coisas desse jeito, e o momento serve para arrematar a sua viagem ao inferno. Esta cena quase rendeu ao filme uma classificação “X” da MPAA, o órgão regulador da classificação etária nos Estados Unidos – São os filmes pornográficos que geralmente recebem o “X”. Depois de uma apelação e alguns cortes, a MPAA a baixou para “R”, restrito para menores de 17 anos. Mesmo assim, ela continua impressionante… e de forma perturbadora, também continua sexy.


Audição (1999)

A maioria dos filmes apresenta cenas de teor sexual para nos chocar. Mas e quando todo o filme é construído em cima da ideia do desconforto sexual? Audição do japonês Takashi Miike começa como uma comédia romântica, com um homem fazendo uso de subterfúgio para encontrar uma possível candidata a esposa. Porém, um subtexto perturbador logo se instala ao presenciarmos algumas atitudes dele, e também da sua escolhida – a inesquecível atriz Eihi Shiina. É um filme sobre os temores masculinos em relação às mulheres? É uma história feminista sobre a vingança das mulheres contra homens opressores? E afinal, o que há dentro do saco, no primeiro momento de terror propriamente dito da trama? Bem, o debate sobre Audição continua… A única coisa que podemos concordar é que a cena da tortura no final é muito, muito forte.


Anticristo (2009)

Para fazer o seu filme de terror, Lars von Trier assistiu a muitos exemplares do gênero e pesquisou bastante, temperando tudo com ideias adquiridas num período de forte depressão. Talvez por isso, tenha reduzido sua história ao básico: um homem (Willem Dafoe) e uma mulher (Charlotte Gainsbourg) numa cabana no mato, com muitos traumas e coisas não resolvidas entre eles. O homem atormenta a mulher, ela se vinga fazendo coisas com o corpo e o órgão sexual dele, e depois com o seu próprio. Talvez o filme de teor sexual mais perturbador desta lista, Anticristo não é para os fracos de coração.