O agente do FBI Dale Cooper é, para mim, um dos personagens mais queridos de todos os tempos. Na velha Twin Peaks, em meio a todos aqueles segredos e mistérios, ele era o cara íntegro, correto, trazia o bem para aqueles ao seu redor e, surpreendentemente, não era um personagem chato. Pelo contrário, suas idiossincrasias faziam dele o mais interessante e esquisito numa série cheia de tipos interessantes e esquisitos. E por 15 episódios nesta nova versão da série, vimos o Cooper do Mal, sombrio e de olhos escuros, representar praticamente uma blasfêmia de tudo que o verdadeiro Cooper personificava.

Na cena de abertura da Parte 16, Cooper do Mal comete mais um ato desprezível, despachando seu filho Richard sem cerimônia numa cena com pano de fundo até ligeiramente cômico. Porém, mais à frente no episódio, algo acontece. Aquilo que esperamos por vários episódios. No hospital depois do incidente do episódio anterior, Dougie remove seu respirador, levanta, se veste, começa a falar normalmente e diz que está “100% de volta”. E quando Bushnell pergunta se ele quer que chame o FBI, ele responde “Eu sou o FBI”, com aquela confiança que se tornou tão querida de espectadores de 25 anos atrás. Tudo isso ao som do clássico tema de Twin Peaks de Angelo Badalamenti, tocando com propriedade. Só faltou o joinha com o polegar. Confesso, leitor: eu abri o maior sorriso do ano aqui no meu sofá.

O retorno do herói e sua viagem para Twin Peaks graças ao avião dos irmãos Mitchum – que são sujeitos de “coração de ouro”, afinal, numa fala 100% Cooper – é o principal evento desta Parte 16, mas não o único. Além de despachar Richard, David Lynch também despacha Hutch e Chantal não nas mãos da polícia ou de algum assassino rival, mas numa cena quase cômica envolvendo um homem armado que só queria estacionar seu carro. “As pessoas andam muito estressadas”, afirma Brad Mitchum para o seu irmão, e é verdade. A nova Twin Peaks teve a paciência de nos fazer esperar muito pela resolução de algumas tramas – Claro, sempre é preciso muito cuidado com esse termo quando se aplica a um projeto de Lynch – e pela volta do próprio herói do seriado. Muitos espectadores (“estressados”), não tiveram paciência para esperar. Até compreendo, mas nunca concordei com essa visão. Acredito que muitos abordaram a nova Twin Peaks esperando um pouco de nostalgia e algo mais dentro das “regras” tradicionais da teledramaturgia. Ora, além da espera, a forma como personagens importantes foram sumariamente despachados também revela que Lynch há muito jogou fora o livro com essas “regras”.

O inesperado foi a norma em Twin Peaks desde o primeiro episódio. Prova disso é a força da cena de despedida entre o “Dougie” e sua nova família nesta Parte 16. Quando MacLachlan diz que “eles encheram o seu coração”, nós acreditamos, assim como nas atuações de Naomi Watts e Pierce Gagnon. Depois de tantas trapalhadas e cenas malucas envolvendo os três, a força emocional da separação é algo que surpreende.

Já do lado do FBI, uma mensagem do Cooper do Mal (“TODOS”) leva a uma surpresa envolvendo Diane, e Laura Dern recebe um monólogo assustador e alguns minutos só para si. Ela quase sai com o episódio no bolso, prova da grande atriz que é e da sua sintonia com Lynch. E a revelação em torno dela, além de uma boa surpresa, abre possibilidades interessantes com relação às “tulpas” que já se adicionaram à mitologia do seriado.

E, finalmente… A Parte 16 também é marcada por outro despertar além do de Cooper. Lynch e Mark Frost nos fornecem uma única pista do que afinal está acontecendo com a Audrey na cena final do episódio. O tempo passou, mas ela ainda sabe dançar…

Até ser interrompida por um momento que já nos deixa ansiosos para os próximos episódios. É assim, com tantas surpresas e algo que estávamos ansiando desde o primeiro episódio, que a nova Twin Peaks se encaminha para o final, com vários personagens convergindo para a cidade. Além disso, um conflito entre o bem e o mal está a caminho. A única coisa certa é que este conflito será diferente de tudo já visto antes. Por muito tempo o mal pôde agir pelo mundo. Porém, agora, um dos maiores heróis da TV está de volta em seu encalço. E ele sabe o que fazer.

Considerações sobre o chihuahua mexicano:

  • Sério, Kyle MacLachlan merece umas indicações a Emmy, Globo de Ouro e tais. Além de interpretar vários personagens diferentes na temporada, a facilidade com a qual ele volta a Cooper é impressionante. Um brilhante trabalho de atuação.
  • “Alguém fabricou você”. “Eu sei. Vá se ferrar”. Que eu saiba, Laura Dern é a única atriz com a distinção de ter proferido um palavrão dentro do Black Lodge. Ela pode.
  • Eddie Vedder, e depois a dança de Audrey. A programação do Roadhouse é fenomenal.
  • “Finalmente”.
  • Estamos quase no fim da estrada. O que esperar para os últimos episódios? Não faço ideia. O inesperado é a norma.