Começa como geralmente começa: uma câmera liga e nós vemos algo ou alguém. Para quem acompanha a filmografia do já saudoso Eduardo Coutinho, no entanto, esse início não poderia ser mais heterodoxo: quem aparece na tela é o próprio diretor, narrando suas inseguranças de maneira não muito diferente do que seus entrevistados. Apesar da imagem do cineasta, morto pelo próprio filho em 2014, ser rara em seus filmes, sua presença não o é, então o senso de ineditismo se vai tão rápido quanto veio, o que, de certa maneira, se aplica ao resto do longa.

“Últimas Conversas” acompanha entrevistas com jovens de 16 a 18 anos sobre seus anseios e angústias. A dura verdade é que Coutinho já filmou melhores conversas e já abordou temas mais contundentes. Parte da razão da empreitada parecer não funcionar vem do desinteresse do próprio realizador em falar com adolescentes, o que chega a ficar explícito durante certos momentos. “Eles vêm todos moldados”, diz ele, na sequência inicial em que discursa sobre o projeto.

Apesar da aparição do cineasta, o que o filme realmente parece estar interessado em expor, além dos jovens, é o processo do documentarista. Ele questiona muito sobre as filmagens, vemos o “boom” (aquele microfone que fica acima do que é filmado pela câmera) várias vezes, dá direcionamentos sobre como os jovens devem se portar, confabula sobre qual cena deve entrar ou não na edição final, discute com seus assistentes e fuma cigarros constantemente.

Como toda revelação dessa natureza, é uma faca de dois gumes: ao mesmo tempo em que isso pode ser fascinante e esclarecedor enquanto estudo cinematográfico, também pode, num efeito meio Mágico de Oz, nos mostrar em demasia os bastidores de alguém que ficou conhecido por desnudar seus personagens de maneira tão natural que parecia sem esforço.

coutAinda que inadvertidamente, o filme é bem-sucedido em representar toda a inconformidade e (por que não?) constrangimento que é a adolescência. Nesse intuito, rola um pouco de tudo: silêncios envergonhados, poesias grandiloquentes, senso de superioridade e a sensação de que tudo o que acontece é definitivo e insuperável. Todos nós já estivemos aí e, em certos momentos, se torna difícil assistir, porque poucas coisas assustam tanto quanto espelhos.

Além disso, é curioso que esses jovens conciliem os conflitos mais banais de adolescente (paixonites, desejo de se enturmar, necessidade de se autoafirmar, etc) com dramas bem barra pesada: separação familiar e bullying são de praxe entre os entrevistados e a cena em que uma estudante relata uma situação de abuso sexual é particularmente devastadora.

Apesar desses momentos, o longa parece chegar e partir sem estabelecer um propósito, algo que Coutinho alegava estar com dificuldades de encontrar enquanto filmava. Em seu presente estado, completado por colaboradores após a sua morte, “Últimas Conversas” não possui o acabamento argumentativo de seus grandes filmes e tem um quê de incompleto. Esse aspecto, ainda que não seja incongruente com a obra de um artista que fez fama com histórias abertas (e, por natureza, incompletas), deixa bastante a desejar.

Num final inspirado, que serve como contraponto a tudo o que veio antes, ele entrevista uma menina de seis anos, Luiza, e sua cabeça cheia de alegria e certeza mexe tanto com o diretor que a conversa segue um rumo totalmente diferente e empolgante. Quando ela sai de cena, o documentarista exclama: “Tá vendo? Era para ter feito o filme todo com criança!”. Pela firmeza em sua voz, talvez fosse melhor mesmo. Infelizmente, o mundo apertou “stop” nessa câmera.