Filmes que retratam o sistema educacional de um país – seus métodos, suas vicissitudes, comportamento de alunos e professores, relacionamentos sociais – existem aos montes. Portanto, não chega a ser uma novidade ou um tema inédito na cinematografia mundial. Porém, invariavelmente, o que a maioria nos apresenta é uma certa rebeldia dos alunos quanto à valorização do próprio processo educacional, ou aquele momento da juventude em que pretensamente se dá o grande contato com o conhecimento científico. Principalmente na escola pública. Talvez os métodos sejam efetivamente inapropriados, os superados. Talvez o descompasso entre o mundo real e o mundo da escola esteja assincrônico, exatamente porque nossa sociedade está seduzida pela ideia da comunicação instantânea da televisão e da internet. O certo, porém, é que vivemos momentos de descompasso de interesses na juventude mundial, onde o chamado conhecimento formal acadêmico não parece ser mais atrativo e necessário. Para muitos, é a expressão do caos.


Alguns cineastas se preocupam com o tema da educação exatamente por acreditarem que a formação escolar é fundamental na construção da cidadania das pessoas. Foram produzidos documentários e obras de ficção que pretendem levantar aspectos gerais ou específicos desse processo, do qual também partilho neste artigo. Posso citar aqui algum desses trabalhos como exemplo de uma ou de outra abordagem do tema, dos mais antigos aos mais atuais: Ao Mestre, com Carinho (1967), de James Clavell, O Preço do Desafio (1988), de Ramón Menéndez, Sociedade dos Poetas Mortos (1989), de Peter Weir, Madadayo (1993), de Akira Korosawa, Mentes Perigosas (1995), de John N. Smith, Nenhum a Menos (1999), de Zhang Yimou, Quando Tudo Começa (1999), de Bertrand Tavernier, Pro Dia Nascer Feliz (2006), de João Jardim, Escritores da Liberdade (2007), de Richard LaGravanese, A Onda (2008), de Dennis Gansel, Entre os Muros da Escola (2008), de Laurent Cantet, Quarta B (2008), de Marcelo Galvão, Waiting for “Superman” (2010), de Davis Guggenheim, Quanto Sinto Que Já Sei (2014), de Antonio Sagrado…

Este é um tema que me atrai pela minha condição de educador. Não incluído no elenco dos filmes acima porque quero dar destaque neste artigo está o filme do britânico Tony Kaye, O Substituto, treze anos depois do desafiador A Outra História Americana. Não é o melhor e nem o pior deles. O filme, contudo, passou completamente despercebido do público tanto nos EUA como no Brasil (aqui só em DVD) numa espécie de boicote por tocar em feridas sociais. E uma das razões do destaque é porque o filme reúne em sua trama essa combinação perfeita da denúncia sem ser panfletário, de dramático sem ser melodramático, de objetivo sem deixar de provocar a reflexão.

Produção de 2011, O Substituto discute exatamente o papel do professor substituto em escolas públicas norte-americanas de ensino médio. Tal qual a condição dos precarizados docentes brasileiros nessa situação, o personagem vivido por Adrien Brody (excelente) é Henry Barthes, um professor de ensino médio da escola pública americana que dá aulas como substituto, para não criar vínculos com ninguém. Quando é chamado para lecionar numa escola encontra um quadro já conhecido: professores desmotivados e adolescentes violentos e desencantados com a vida. Muitas dessas desilusões dos alunos vêm exatamente da desestruturação familiar, com pais ausentes ou negligentes. No tempo que passará na escola, Barthes terá a proximidade de três mulheres em sua já conturbada vida, onde terá oportunidade de participar fazendo a diferença, mesmo que isto possa lhe custar alto.

Já no início do filme vemos Barthes balbuciando algumas palavras como a nos incluir em sua angustiante vida ao mesmo tempo em que Kaye entrecorta as cenas de Brody com depoimentos reais (e amargos) de professores. Essa inicial mistura de ficção e “documentário” já tenta dirigir o espectador para o tom que o diretor deseja imprimir à trama. O que veremos a seguir é a história particular de um professor “diferente” inserida numa realidade “real” do ensino público. Apesar da soberba interpretação de Brody, a personagem Bhartes é carente de verossimilhança, pois que sua condição de substituto não o afeta profissionalmente e sua personalidade – se extremamente valorativa de um caráter humano e cidadão – não corresponde ao conjunto da maioria dos professores.


Barthes travará encontros memoráveis com outros personagens que representam fielmente o mundo da educação: Mr. Wiatt (Tim Blake Nelson), professor cansado do dia-a-dia angustiante, que se agarra diariamente ao portão da escola em silêncio ou gritando para o céu, mas ignorado por todos; a conselheira pedagógica Doris (Lucy Liu), quando um dia tem um ataque de nervos e explode ao perceber que seu trabalho não surte efeito junto aos alunos, que eles não percebem o fracasso que podem ter na vida futura por não estudarem; a professora Madison (Chistina Hendricks), que acredita ainda no programa estudantil, mas revela-se extremamente preconceituosa e conservadora quando vê Barthes abraçando uma aluna reprimida pelos pais. Ela e parte da sociedade moralmente corrompida não conseguem ver outro sentido na imagem que não seja maldade; jamais um gesto de empatia e apoio. Barthes e seus companheiros são figuras invisíveis na sociedade.

Fora do âmbito da escola, acompanhamos os dilemas particulares de Barthes: uma relação estreita e frágil com o avô moribundo, que deixa transparecer um trauma de infância com sua mãe, e a aproximação dedicada com a jovem prostituta Erica (Sami Gayle), capaz de criar fortes laços paternais. O diretor Kaye constrói uma personagem em Barthes capaz de refletir o misto de sentimentos que atravessa o conjunto da sociedade atual – utiliza um discurso de defesa da escola e de apoio à juventude, mas que se encontra limitado e doloroso para com o fracasso. No caso da sociedade, o fracasso do ensino é intencional e faz parte de uma determinada perspectiva de mundo.

Para viver esta personagem, Adrien Brody está perfeito. Nos momentos em que nos fala como que refletindo seu pensamento, está melancólico e triste; sorri, apesar das duras palavras que dirige aos espantados alunos; mostra-se delicado e amoroso quando a situação da pobreza e da ausência familiar parece ser extenuante; frágil e debilitado quando enfrenta a vida pessoal. Na escola, para chamar a atenção dos alunos, usa do próprio “remédio” deles: aparenta ignorar se eles querem ou não aprender algo, no entanto, um simples olhar, uma careta ou um gesto, demonstra ao espectador sua intenção contrária. Seu “professor” revela-se uma pessoa frágil, alguém que deve se esconder sob uma aparência dura e agressiva para não prejudicar ele próprio e muito menos aos demais. E Brody realiza isto magistralmente.


Há ainda uma possível análise no filme de Kaye: O Substituto não só fala da vida dos professores, mas também da juventude e sua falta de perspectiva. É essa fase a mais importante na vida de qualquer pessoa, quando se dá a transição física, mental e social. É nesse momento que podem ocorrer as maiores influências, pois estamos prontos para absorver todo tipo de informação e comportamento. A importância da família e da escola passa a ser fundamental no acompanhamento cognitivo e social do jovem. Daí que o papel atribuído à escola é imprescindível na formação cidadã dos indivíduos.

No filme, como na realidade brasileira, o mundo do adolescente é caótico, constantemente marcado por diferenças sociais que teimam em se aprofundar a cada dia. Vemos famílias cujos pais não se preocupam com a educação dos filhos, não há valores a defender, não existe disciplina no comportamento social, há desajustes provocados pelo uso de drogas pesadas, o jovem trafega sem rumo e sem garantia de emprego. Por outro lado, a escola pública revela-se mais propositalmente desestruturada do que despreparada. Ela não consegue romper com esse sistema de dependência e criar as condições para que os adolescentes se desenvolvam como cidadãos e os integrem à sociedade na perspectiva de transformá-la.

Em síntese, se se pode dizer que O Substituto não é, no conjunto, uma obra-prima da cinematografia, ele é, sem dúvida, um filme-referência para a reflexão do tema da educação. Certo, em alguns momentos ele carrega no tom dramático, beirando às lágrimas, mas a situação da educação pública em diversas partes do mundo capitalista é de chorar mesmo. Imprescindível para aqueles que acreditam que o cinema é muito mais que simples entretenimento.