Assistir a Um Limite Entre Nós equivale a testemunhar cenas da vida de algumas pessoas. Esta é a maior qualidade do filme dirigido por Denzel Washington baseado na peça de August Wilson, um projeto antigo do ator e diretor: tudo parece verdadeiro e honesto. Washington e a sua co-estrela Viola Davis já haviam encenado a peça nos palcos, e a naturalidade de ambos com o material é levada às telas num filme sólido e mais complexo do que parece ser à primeira vista.

Essa complexidade está presente dentro da própria caracterização da família da história. Um Limite Entre Nós é focado em Troy Maxson (vivido por Washington), o patriarca de uma família afro-americana vivendo na década de 1950. Troy começa o filme contando piadas e causos para seu amigo Bono (Stephen Henderson) e sua esposa Rose (Davis), mas não demora muito a percebermos os conflitos presentes dentro daquele núcleo familiar. Ele tem problemas com seus dois filhos: o primeiro, mais velho (Russell Hornsby), é músico e vive com problemas financeiros; e o mais novo (Jovan Adepo) quer ser jogador de baseball, mas não recebe o menor encorajamento do pai, ele próprio um ex-jogador. Fica subentendido que o racismo daquela sociedade fez com que Troy deixasse o esporte. Ele é um homem endurecido pela vida: em dado momento, quando um dos seus filhos lhe pergunta por que Troy não gosta dele, o sujeito responde: “Não tenho que gostar, é minha responsabilidade cuidar de você”.

Troy também passa o filme tentando construir um cerca no quintal de casa, e ao mesmo tempo em que progride o trabalho na cerca, o personagem aos poucos se isola cada vez mais dos outros. Washington, o diretor, retrata esse processo com inteligência e um foco preciso. O filme tem poucos personagens e as interações entre eles ditam o desenvolvimento da história. Não há desvios supérfluos e muito pouco da noção de “teatro filmado” em Um Limite Entre Nós.

De fato, as únicas coisas que revelam as origens teatrais do projeto são a abundância de diálogos – este é um daqueles filmes onde as pessoas falam muito, e também rápido – e a forma como eles são usados para transmitir informação. Fora isso, Washington e sua diretora de fotografia Charlotte Bruus Christensen criam enquadramentos inteligentes e também sutis que ajudam a contar a história e a estabelecer os personagens. Como exemplos, podemos citar uma conversa particularmente forte filmada através de uma cerca; o fato de Rose ser frequentemente mostrada “emoldurada”, presa, olhando para fora de uma janela; e o isolamento de Troy representado de forma visual, com o personagem sendo filmado sozinho ou empurrado para os cantos do quadro à medida que a história progride. Às vezes a câmera circula os personagens, às vezes se aproxima bastante deles. Além disso, a montagem de Hughes Winsborne investe em planos geralmente curtos que mantém um ritmo nas cenas de conversas. Um Limite Entre Nós pode até ser um filme “tagarela”, mas não se pode reclamar de falta de fluidez nas cenas de diálogo.

Porém, é na condução do elenco, claro, que Washington se sobressai. Todos os atores se mostram muito bem em seus papéis, desde a simpatia de Henderson até a força que Adepo encontra para se destacar em meio a Davis e Washington. Já este apresenta aqui uma das melhores atuações da sua carreira, o que não quer dizer pouco. O Troy vivido por Washington é uma figura trágica que constrói não apenas a cerca literal da história, mas várias outras metafóricas ao seu redor, impedindo-o de se relacionar com os demais personagens. Mesmo assim, é também uma figura carismática e forte. E enquanto o astro/diretor é todo intensidade, Davis é contenção, o esteio da vida para aquele grupo familiar. Porém, ela também tem seu momento de explosão, no qual a atriz aproveita para explorar ao máximo o rancor de uma mulher que também viveu presa dentro da sua própria cerca.

Juntos, Viola Davis e Denzel Washington criam um retrato crível e muito humano de um relacionamento no qual ambas as partes fizeram bem e mal um ao outro. Um Limite Entre Nós abraça as complexidades entre as pessoas e também trabalha de forma sutil um tema forte como racismo, especialmente o preço que ele cobra das pessoas que o sofrem. Nada no universo do filme é simples ou raso, há sempre um conflito subjacente pronto para eclodir. Não à toa, como um dos personagens diz em dado momento, “uma cerca pode impedir pessoas de entrar ou manter presas as que estão dentro”. Ao fazer isso, o filme consegue realmente se parecer com um pedaço da vida de algumas pessoas, e conta seus dramas com honestidade e sensibilidade. Dramas de pessoas que podem ser ao mesmo tempo boas e más.