Nem é mais necessário chover no molhado em relação ao cinema argentino, né?. Já se sabe que ele é referência na América Latina (e no mundo inteiro, por que não), um polo maduro de ideias, estética e linguagem,e que os seus diretores estão entre os mais interessantes do mercado.

Sabe-se também que isso se confunde com a filmografia do sempre certeiro Juan José Campanella. Entre os seus principais filmes estão importantes obras como O Filho da Noiva (2009), Clube da Lua (2004) e O Segredo dos Seus Olhos (2009), todos com a companhia do grande Ricardo Darín.

Feita essa introdução, devo dizer que Um Time Show de Bola é um daqueles projetos que chamavam a atenção desde quando estava acontecendo a pré-produção. Saber que Campanella, que havia acabado de ganhar um Oscar, iria se aventurar nos campos da animação era o tipo de notícia que deixa uma deliciosa dúvida na cabeça: seria o diretor argentino capaz de obter o mesmo sucesso alcançado em películas anteriores no ramo dos filmes infantis?

E infelizmente não foi o caso.

Um Time Show de Bola conta a história de Amadeo, um jovem craque do pebolim que sempre pratica a atividade em um velho bar de periferia. Certa vez é desafiado pelo arrogante Grosso, e em um jogo disputado, derrota-o de maneira marcante. Anos depois, a vida de Amadeo permanece a mesma, enquanto Grosso torna-se uma grande estrela do futebol, e retorna em busca de vingança tentando detruir a cidade para construir uma nova, ao mesmo tempo que leva Laura, o amor de Amadeo com ele. Para salvar a garota e a cidade, parte em uma aventura auxiliado pelos jogadores do seu time de pebolim, que neste momento de dificuldade, ganharam vida.

Nos próximos parágrafos falarei sobre os problemas do filme, mas sinto-me obrigado a tratar de um ponto que certamente prejudicou, e muito, o trabalho pra quem vai assisti-lo aqui: ele tinha que ser disponibilizado em espanhol! A dublagem, como sabemos (ou não sabemos?) prejudica os filmes, mas criou-se uma espécie de relaxamento com as animações, uma brecha, um olhar paternalista em relação a isso. E acredito que a questão não tem a menor razão de ser, ainda mais quando se diz que isso é por causa das crianças, assim subestimando-as.

Enfim, é notório que a Argentina é um país que ama o futebol e o vive de maneira única. Isso está na alma do trabalho, está intrínseco na forma que cada personagem tem de viver a trama, cada um com sua peculiaridade. Mas a dublagem pasteuriza tudo, tira o que o trabalho tem de particular, tornando-o pateticamente genérico, com cara de animação-engana-trouxa-de-final-de-semana, com gírias iradas que botam pra quebrar.

Como qualidade, o trabalho tem o charme argentino, presente no design de produção, nas transições de cena e na montagem, obviamente fruto do trabalho da direção de Campanella, sempre elegante. O filme tem ambientações primorosas, como o bar do bairro de periferia, o lixão (e os seus ratos assustadores), a mesa de pebolim (aliás, a sequência inicial, em que Amadeo derrota Grosso, é muito, muito boa), e a suntuosidade do novíssimo estádio de futebol dão ao filme uma cara diferente das demais animações, mesmo que, em contrapartida, seja possível perceber fortes semelhanças em algumas escolhas visuais em relação a outros filmes americanos.

A questão principal, porém, é que o roteiro de dez mãos escrito pelo próprio Campanella, Roberto Fontanarrosa, Gastón Gorali, Axel Kuschevatsky, e Eduardo Sacheri é muito fraco. E isso destrói tudo. Pelo fato do trabalho ter o charme que tem, fui bastante paciente com a trama, mas infelizmente depois da metade do filme fica claro que ele não vai a lugar algum. E aí, o que era charmoso torna-se bob, uma aventura banal, com personagens especialmente desinteressantes.

O trio Amadeo, Laura e Grosso é um saco. Laura não sabe o que quer, e mostra-se como o tipo de mocinha mau caráter que enrola o mocinho, e só fica com ele se o garoto mostrar coragem e bravura; Grosso, um misto de Cristiano Ronaldo com Maradona, é o típico vilão unidimensional, mimado inescrupuloso e chatopracaralho, sendo rigorosamente apenas isso; e Amadeo é o mocinho bondoso, saudosista, ultrapassado, que depois de perder o bar tenta busca-lo de volta, mas ao mesmo tempo vemos uma motivação cansada, já sem ternura.

E muito mais por conta disso, o destaque acaba se tornando o time de pebolim, que embora apresentem motivações fáceis e serem repetitivos em diversas situações, sua vitalidade e personalidade os tornam os personagens mais interessantes de assistir, e são os principais responsáveis por tornar a cena da partida de futebol, no final, a melhor cena do filme.

Mesmo que não se possa dizer que o filme é um desastre, é inegável que esse é um ponto baixo na carreira de Campanella. Mas como ele já nos entregou tanta coisa boa, ainda tem crédito. Tomara que no próximo filme o roteiro seja mais interessante.

NOTA: 5,0