O canal de humor do YouTube Porta dos Fundos tem como característica o humor ácido e muitas vezes non-sense. Sensação da Internet, seus membros já receberam uma proposta para irem para a TV aberta. Gente do “Porta” como Fábio Porchat e Gregório Duvivier tem experiência na telinha. Eles sabem que, nela, para atingir uma grande audiência, concessões se fazem necessárias. Piadas mais pesadas ou intelectualizadas costumeiramente são deixadas de lado. Em seu lugar, entram textos de humor rasteiro e sem incômodos a ninguém.

Da mesma maneira, os dois sabem as benesses e as desvantagens de se fazer uma produção com a Globo Filmes. Guardando as devidas proporções, ela concede aos realizadores uma realidade parecida com a da TV aberta, o que é alvo de críticas. Por isso, em Vai Que Dá Certo, Duvivier e Porchat, que coassina o roteiro da comédia, deixaram de lado a verve que marca o Porta dos Fundos para apostarem numa história que guarda semelhanças com Se Beber, Não Case.

Para o leitor cinéfilo aproveitar a obra, é recomendável muita boa vontade. Pede-se que ele desconsidere os problemas na construção dos personagens, a identidade visual baseada nos games que tem apenas efeito coméstico e a fotografia baseada na linguagem da TV, que está mais do que pausterizada nas produções nacionais.

“Vai Que…” passa a primeira impressão de que é protagonizado por um dos caras do Porta dos Fundos, já que a presença deles é o maior chamariz do filme. Quem o protagoniza, de fato, é Danton Mello. Seu personagem, o músico paulistano Rodrigo, está quebrado, assim como os seus amigos Vaguinho (Duvivier), Amaral (Porchat) e Tonico (Felipe Abib). Para sair da pindaíba e montar um estúdio, ele aceita o plano do primo, o vigilante Danilo (Lúcio Mauro Filho), de roubar dinheiro de um carro-forte. Rodrigo chama os amigos, que, igualmente lascados e sem perspectivas, topam o esquema. Com o teatro armado, a turminha do barulho começa a entrar em altas confusões. Até um político como Paulo (Bruno Mazzeo) entra nas jogadas.

“Se Beber, Não Case” baseia o seu humor em situações que unem vergonha alheia com práticas ilegais. O filme nacional pega essa proposta e a adapta ao contexto braseiro. Dessa forma, a malandragem, a impontualidade e a improvisação viram forças motrizes da história e das piadas. “Vai Que…” também copia algumas construções de personagem do filme americano. Vaguinho, o “ladrão” mais engraçado de todos, exemplifica bem isso.

Com ele, Gregório Duvivier assume uma função parecida com a de Zach Galifianakis no enlatado hollywoodiano. Tal como Alan (Galifianankis), Vaguinho causa transtornos ao grupo com sua inocência sem noção. A maior diferença entre os dois é que o brasileiro é um nerd paulistanaço, enquanto que o americano é um gordinho afeminado. Duviver, assim como Marcelo Adnet e Felipe Torres, do Hermes e Renato, satiriza com competência o sotaque caracterísitco da capital paulista. O ator emulou também expressões faciais e corporais típicas de moradores de São Paulo. O exagero cômico da atuação de Duvivier é engraçado por si só. Quando sabemos que o ator é carioca e lembramos da rivalidade entre RJ e SP, o trabalho dele ganha uma graça a mais.

Outro que se destaca é Lúcio Mauro. O veterano rouba a cena como o velinho gagá que lutou na Segunda Guerra e não consegue articular uma frase lógica até o fim.

Quanto aos outros atores, as críticas, infelizmente, superam os elogios.

O personagem de Porchat é paulistano. O sotaque do ator, cheio de vogais expandidas, típicas da fala “cariuóóca”, e o uso constante do pronome “teu”, mais comum no Rio de Janeiro, incomodam. Esse detalhe parece ter passado batido para ele e, principalmente, para o diretor, Maurício Farias, o mesmo de A Grande Família – O Filme e O Coronel e O Lobisomem.

Danton fez um pastiche das atuações de atormentados com que Selton Mello ficou famoso. Ele imita até o  tom baixo de voz do irmão mais velho. O ator também não consegue impor Rodrigo como o protagonista que deveria ser. Por isso, acaba sendo engolido pelos “coadjuvantes”.

As atuações de Bruno Mazzeo e Lúcio Mauro Filho não apresentam grandes problemas. Os dois cariocas também emulam o paulistanês. Eles não conseguem ser engraçados como Duvivier, mas não têm as mesmas arestas de Porchat. O problema dos seus personagens é que eles não são pessoas, e sim peças que levam o roteiro pra frente.

Jaqueline (Natalia Lage) é a única personagem feminina relevante. Isso, no filme, não quer dizer grandes coisas. Afinal de contas, ela, que aparece no final do segundo ato, tem a mesma proposta utilitarista de Paulo e Danilo. A diferença fica só por conta da sua beleza, usada para fazer a história ir pra frente.

O mais problemático, seguramente, é o professor de inglês Tonico. Ele não consegue ter carisma e deixa a impressão de que está ali pra fazer número, já que pode ser tranquilamente descartado da história.

Talvez a inutilidade do personagem de Abib só não é maior do que a identidade visual do filme, inspirada em jogos para Atari como Pitfall e River Raid. Ela, apesar de bonita e chamativa para um certo tipo de público, não acrescenta em nada para o desenvolvimento da história. Parece que está ali apenas por ser legal e ponto.

Quanto à fotografia, também há problemas. A linguagem da TV, com seus planos fechados, lhe serviu de base, o que, por si só, não causaria problemas. Diretores como Spielberg conseguem usar bem essa proposta fotográfica. O que a prejudica é a sensação de déja-vù. Não dá para afirmar se os planos do filme vieram do Cilada.Com, do De Pernas Para o Ar 2 ou de alguma outra comédia nacional genérica com grande distribuição e publicidade.

Assim como “Se Beber”, “Vai Que” alterna momentos descartáveis, como as conversas pedantes e desnecessárias sobre cultura pop, com muitos momentos em que as gags, ah vai, funcionam. O humor rasteiro delas nos entretém durante a uma hora e meia do filme. Mesmo assim, as piadas têm um um grande potencial de serem esquecidas pelo espectador assim que ele bota os pés para fora do cinema.

Diante do exposto, ficam alguns questionamentos.

Será que fazer um filme que “funciona” basta para atores que vêm causando furor na Internet graças à qualidade dos seus textos?

Até onde há concessões de Porchat no roteiro de “Vai Que”? Nós não poderíamos estar confundindo elas com possíveis limitações do comediante na hora de escrever histórias com duração maior do que quatro minutos?

Caso o Porta dos Fundos vá para  TV aberta, diminuídas de nível, como a que aconteceu em “Vai Que”, se repetiriam com que intensidade? O Casseta e Planeta começou assim, fazendo concessões ali e acolá, e deu no que deu.

A Globo Filmes investe em comédias rasteiras por que têm grande aceitação com o público ou por que este foi educado a aceitá-las?

Poderíamos argumentar que comediantes bons se submetem a filmes de qualidade discutível, mas com grande publicidade e distribuição, porque têm contas para pagar. Assim, o trabalho deles nesse tipo de produção ganha justificativa. Mas esse argumento enfraquece quando, em entrevista recente, Gregório Duvivier afirma que a internet, um meio que lhe oferece liberdade criativa e grande visibilidade, dentre outras vantagens, lhe traz retorno financeiro. Por essas razões, não seria melhor os membros do “Porta” continuarem se focando nas esquetes para o YouTube?

Enfim, vamos conversando… 🙂

Nota: 6,5