Se tem uma coisa que sempre me irrita é ver alguém diminuir novela e dizer que “atrofia o cérebro”, ou que “vale mais ler um livro” e aquele discurso batido que sempre é copiado e colado a cada vez que estreia uma edição do BBB.

Como uma criança dos anos 1990, cresci assistindo telenovelas e delas vieram muitas coisas que estão comigo até hoje: gosto musical (vocês já ouviram a trilha de ‘O Rei do Gado’?), expressões (‘minha Eduarda está a cada dia lutando ferozmente pela sua dignidade’, como já diria Regina Duarte em ‘Por Amor’) e até um pouquinho de cinema, com o espevitado mordomo Eugênio de “Vale Tudo” sempre pronto para despejar alguma referência da sétima arte no meio de algum barraco entre Odete Roitman e seus desafetos.

Confesso que hoje em dia não consigo mais acompanhar as telenovelas, mas, volta e meia, o canal Viva e o YouTube (novelas mexicanas têm seu valor, ou vocês acham que o Gael Garcia Bernal começou fazendo filme do Cuarón?) conseguem me fazer relembrar de ícones como Maria de Fátima Acioli, Helenas do Manoel Carlos ou a Vagabanda.

Mas por que esse textão com tom confessional em um site de cinema, linguagem tão distinta daquela das telenovelas brasileiras e seus mais de 200 capítulos? Porque eu quero provar que no meio de tanto barraco, cenas tristes ao som de Roupa Nova e Marcos Pasquins correndo sem camisa, tem muita trama interessante e que vale a pena assistir de novo.

Esplendor

Um ícone injustiçado. “Cidade dos Sonhos” encontra Noviça Rebelde. Uma novela que provavelmente só eu e o Gabriel assistimos e que merecia ser apreciada na tela grande, com direito a Oscar de melhor maquiagem para o artista responsável pela cicatriz do Floriano Peixoto.


Vale Tudo

A novela foi feita em 1988 (ano em que euzinha nasci) mas continua tão, mas tão, mas tão atual que chega a ser assustador. O texto afiado do Gilberto Braga, as atuações ímpares de todos os atores (e passa no teste de Bechdel com louvor) me fazem pensar que esse é O Mecanismo que a gente realmente merece assistir. Ver também: “Que Rei Sou Eu”, novela medieval feita beeeeeeeeeem antes de “Deus Salve o Rei” e carregada de subtexto político e que mais gente da minha geração merece conhecer.

O Dono do Mundo

Sei que tô roubando ao colocar duas novelas do Gilberto Braga aqui, mas o que eu posso fazer SE O TEXTO DO HOMEM É MUITO BOM? Além do mais, não dá para ignorar uma novela que teve como abertura a cena de Chaplin brincando com o globo terrestre em “O Grande Ditador”. E, em tempos de #MeToo, seria bem legal ver a tradução para os dias de hoje da história da jovem que resolve se vingar do perverso Felipe Barreto após uma aposta muito da sua ridícula (criminosa, até) terminar de forma trágica.

Avenida Brasil

OI OI OI! A novela fez uma releitura de “O Conde de Monte Cristo” com muita personalidade. Se tirarmos o núcleo cômico e algumas tramas paralelas esquecíveis, o que se tem é um novelão à moda antiga e um texto cheio de possibilidades. E, né, assistir Adriana Esteves e Débora Falabella nunca é ruim.

Renascer

Vou dar os créditos: faz muito e muito tempo que o Jovem Nerd (ou foi o Azaghal) que cantou essa bola em um podcast deles. “Renascer” é quase que um “Poderoso Chefão” tupiniquim. A saga de José Inocêncio trouxe imagens emblemáticas para a televisão brasileira, cortesia de Luís Fernando Carvalho, responsável pelo lindo “Lavoura Arcaica” e por outros momentos icônicos da nossa teledramaturgia, como a cena do Senador Caxias discursando para um Senado vazio em “O Rei do Gado” (cuja primeira fase é cinema puro vibes ‘Poderoso Chefão 2’ + neorrealismo italiano, inclusive). Dinastia familiar: gostamos, queremos, curtimos.



A Próxima Vítima

Falando na saga da família Corleone, a família Ferretto dessa novela do Sílvio de Abreu tem uma clara influência da obra de Mario Puzo/Francis Ford Coppola. Quer ingrediente mais irresistível que um assassino maluco a bordo de um carro preto pronto para matar? Tudo isso sob a voz elegante de Rita Lee entoando um fantasmagórico “Vítimaaaaaa…”.

Anjo Mau

Cito mais uma vez o Gabriel, porque foi dele a sugestão deste hino de novela (a versão de 1997, porque nunca assisti a original com Susanita Vieira) com uma linha meio “Garota Exemplar”, meio suspense dirigido pelo Paul Verhoeven/Adrian Lyne e pronto para ser exibido no SuperCine. Ah, e queremos o mesmo final creepy da novela de 1997, com Susanita aparecendo como a babá do filho de Nice em uma ode à personagem bem mais malvada da primeira versão.


Aguinaldo Silva cinematic universe: Roque Santeiro + Pedra Sobre Pedra + A Indomada + Fera Ferida + Porto dos Milagres

A fase “realismo fantástico” da obra de Aguinaldo é muito divertida e rendeu bons momentos à nossa teledramaturgia. O valor camp dessa trinca de novelas (o Cadeirudo, Altiva nos céus, o anel mortal de Adma, os looks de Flamel, Fábio Jr. e a flor do Jorge Tadeu, Sinhozinho Malta aos pés de Viúva Porcina) com o toque de um Guel Arraes da vida? Já estou na fila do cinema.


Combo Maneco: Laços de Família + Por Amor

Uma mistura de filme ensemble tipo Robert Altman com o dramalhão do Almodóvar e umas pitadas de choro dignas daqueles filmes de doença tipo ‘Love Story’ e ‘Um Amor Para Recordar’. Vou mentir? Adoro.


A Usurpadora

Claro, o melhor pro final. Gêmeas separadas no nascimento, um diário que aparece e desaparece de acordo com a conveniência para a trama, uma trilha sonora instrumental recheada de saxofones e um julgamento cheio de emoções. Não dá para não amar essa novela, sabe. Mais um Oscar de direção pro México, tenho certeza!