Chuck Adamson era um detetive da polícia de Chicago quando cruzou com Neil McCauley. Este era um bandido veterano, recém-saído da prisão de Alcatraz – o ano era 1964 – e estava se preparando, junto com sua quadrilha, para efetuar um grande roubo. Adamson resolveu encontrar McCauley e os dois foram até tomar um café juntos. Nessa conversa, eles falaram sobre as suas respectivas profissões, sobre a vida que cada um levava, e o policial falou ao bandido que o próximo encontro entre eles seria definitivo – armas seriam sacadas e Neil seria preso ou morto. Já o bandido respondeu que o outro lado da moeda era verdadeiro e ele não iria ter piedade também. Afinal McCauley iria fazer de tudo para não retornar à prisão.

Algumas semanas depois, Adamson e a polícia emboscaram a quadrilha de McCauley justo quando eles estavam efetuando um roubo. McCauley foi morto no tiroteio: ele tinha 50 anos e uma longa ficha criminal.

Mais de uma década depois, Chuck Adamson contou esta e outras histórias criminosas ao diretor e roteirista Michael Mann, quando o então ex-detetive atuou como consultor no primeiro filme do cineasta, o excelente Profissão: Ladrão (1981). O projeto de Fogo Contra Fogo então nasceu: o roteiro andou para lá e para cá em Hollywood, e Mann até o filmou, de forma embrionária e como um filme para TV em L.A Takedown (1989). Quando finalmente fez o longa para cinema, Mann o transformou num épico do crime, e chamou os dois melhores atores do cinema americano, na época, para os papeis principais do detetive Vincent Hanna (no qual Adamson foi baseado) e de Neil McCauley: Al Pacino e Robert De Niro, respectivamente.

O cinema tradicionalmente aumenta as histórias reais, então Mann criou toda uma trama fictícia e uma galeria de personagens ao redor do policial e do ladrão. E paradoxalmente, ambos tinham mais em comum entre eles do que com qualquer outra pessoa que conheciam. Tanto Hanna quanto McCauley são líderes e completamente absorvidos pelo que fazem. McCauley segue uma regra, a de não possuir nada em sua vida do qual não possa largar em 30 segundos, “quando sentir o calor [os tiras] na esquina”. Já Hanna está vendo seu casamento com a esposa (Diane Venora) acabar por causa da sua dedicação à caça de criminosos. Porém McCauley, contrariando seus instintos, resolve se aproximar da solitária Eady (Amy Brenneman).

Mann abre seu filme com uma eletrizante sequência de assalto a carro blindado – que supostamente, inspirou roubos semelhantes na vida real – e depois estabelece as personalidades dos seus protagonistas. McCauley só precisa da sua linguagem corporal e pequenos gestos para dar ordens à sua quadrilha, que inclui os astros dos anos 1990 Val Kilmer e Tom Sizemore. Posteriormente o vemos em casa, um lugar sem mobília e de frente para o oceano, fotografado por Dante Spinotti com um forte tom de azul na madrugada. A solidão e a vontade de fuga do personagem já são explicitadas de forma visual sem que nada precise ser dito. Já Hanna expõe seu profissionalismo ao analisar a cena do assalto, em cortes rápidos e que expõem o funcionamento da mente do policial.

Os estilos de atuação de Pacino e De Niro se complementam de forma magnífica. Conhecido por ser mais expansivo, quando não exagerado em alguns filmes, Pacino usa sua teatralidade em momentos-chave para intimidar – o ator improvisou a sua fala “Porque ela tem uma bela bunda!” e assustou o companheiro de cena Hank Azaria, cuja reação está no filme. Depois, vendo que essa tática não funcionaria com McCauley, ele se mostra contido, mas ainda intenso, quando eles enfim contracenam na clássica cena do restaurante, na qual diálogos da conversa real entre Adamson e o bandido foram usadas. Já De Niro, sempre mais contido e cerebral, tem em McCauley uma das suas últimas grandes atuações, vivendo um sujeito absolutamente cuidadoso e inteligente. É uma atuação na qual os pequenos gestos dizem muito, como na cena em que ele vê Eady dormindo e a deixa só, ou quando atravessa o iluminado túnel de carro com ela e um pequeno sorriso surge em seu rosto. Os dois grandes ícones do cinema já haviam trabalhado no mesmo filme, O Poderoso Chefão – Parte 2 (1974), mas não contracenavam juntos, e o principal gancho publicitário de Fogo Contra Fogo foi – e ainda é – ver o “duelo de titãs” entre Pacino e De Niro.

E a narrativa é tão envolvente que o espectador se vê incapaz de adivinhar qual deles sairá vitorioso do duelo, que explode na sequência do assalto ao banco e o seu posterior tiroteio, filmado para valer nas ruas de Los Angeles durante os fins de semana. Seguindo a “escola Michael Mann” de cinema, todos os atores envolvidos nesta cena tiveram de treinar com armas e o resultado está na tela: trata-se provavelmente da melhor sequência de tiroteio da história do cinema. Mann tentou repetir a dose em outros filmes sobre o crime como Miami Vice (2006) e Inimigos Públicos (2009), mas por melhores que estes filmes sejam, Fogo Contra Fogo ainda é o ápice da sua carreira, porém não apenas no quesito ação.

É, sobretudo, no aspecto emocional que o filme se destaca, e isso se deve não só aos dois atores principais, mas também ao grande elenco reunido pelo diretor: Além de Venora, Brenneman e Kilmer, também estão no filme vários character actors como Ted Levine, Dennis Fichtner, Dennis Haysbert, além de uma jovem Natalie Portman e do veterano Jon Voight, entre outros, e não há nenhuma nota dissonante em todo o elenco, com muitos causando grande impressão mesmo aparecendo em poucas cenas.

E a grande relação emocional entre os dois homens, o policial e o ladrão, é o sentimento mais poderoso que o filme estabelece ao longo das suas quase 3 horas de duração. Hanna e McCauley são os únicos capazes de compreender um ao outro, e se o cinema de Michael Mann frequentemente se volta para o tema do profissionalismo, sobre como a profissão define o homem e como seus heróis são aqueles que levam o trabalho a sério, então o policial e o ladrão de Fogo Contra Fogo são, de certa forma, irmãos, os únicos a ver sentido dentro de um universo caótico por causa dos papeis que desempenham.

Há uma cena na qual os policiais estão de tocaia na loja de ferragens na qual McCauley e seu bando estão trabalhando. A montagem corta do rosto de De Niro para o de Pacino em enquadramentos simétricos, e naquele momento os dois astros realmente parecem irmãos, e nunca tínhamos reparado como eles são mesmo parecidos, até  em suas trajetórias profissionais. A maioria dos cineastas vê essa questão à distância, já Mann tem conhecimento do assunto que aborda: a sua visão épica e ao mesmo tempo íntima nos relembra da relatividade dos conceitos de “bem” e “mal” e de quão próximas podem estar pessoas em lados opostos da lei.