Não sei quando você lerá esse texto, mas 22 de Julho é um filme lapidado para o momento pelo qual o Brasil passa neste segundo semestre de 2018.

A violência em detrimento do processo eleitoral alcançou, e ultrapassa diariamente, níveis alarmantes. Há um receio velado – e por vezes bastante explícito – em grupos mais frágeis quanto à resposta que as urnas darão no fim do mês. Mais do que isso, há um temor gerado pela tensão da última semana e dos próximos dias que alimenta a resistência, mas a faz recuar na mesma proporção devido às intensas notícias de reações agressivas por parte de eleitores mais acalorados. O que essa eleição fará com o país? Torcemos para que não seja o pior e vivemos na esperança de que nenhuma conduta áspera recorra às mesmas ações que marcaram o dia 22 de Julho de 2011 na Noruega.

Nesta data, Anders Behring Breivik invadiu um acampamento de verão para adolescentes e jovens promovido pelo Partido Trabalhista Norueguês, atirou à queima-roupa nos participantes e matou 68 deles. Algumas horas antes, um atentado em edifícios do governo na capital Oslo também foi creditado a ele. Os ataques foram premeditados e, apesar dos alertas da segurança interna norueguesa para esse tipo de terrorismo, em momento algum eles consideraram a probabilidade de que a ação partisse de alguém da extrema-direita, segundo relatório oficial elaborado no início de 2011. O terrorista justificou a ação dos seus atos por ser contra o multiculturalismo e a política migratória norueguesa.

Escrito e dirigido por Paul Greengrass, “22 de Julho” traz estes eventos em uma obra visceral, impactante e capaz de arrancar lágrimas involuntárias mesmo antes de se ter noção dos próximos passos da trama. Se uma das maiores contribuições do cinema é o diálogo que ele realiza com a sociedade, este original Netflix é um soco no estômago para o atual momento brasileiro, um sacudir de ombros para tirar o público da letargia e mostrar sem floreios os perigos reais e comprovados do extremismo, preconceito com minorias e do desrespeito à opinião do próximo.

Greengrass constrói gradativamente a narrativa, semelhante ao que se constata em obras de sua assinatura como “Capitão Phillips”, “Voo United 93” e os dois últimos filmes da trilogia Bourne. Primeiro ele introduz os personagens e suas atividades corriqueiras, utilizando, com maestria, a trilha sonora como um prenúncio do que está por vir. Assim, o clima de tensão mantém-se constantemente presente e prepara o público para a explosão de horror e pânico que se acompanha a cada quebra de bloco.  Ponto positivo para a edição de som e a montagem, que bem executadas ofertam duas das melhores sequências do filme: o atentado e o julgamento.

Essas duas cenas são primordiais para se observar a competência do diretor a frente da obra. Se por um lado, o momento do atentado impacta pelas movimentações de câmera alternadas entre o rápido e tremido da fuga dos adolescentes e a câmera parada e em plano conjunto do agressor e sua arma de caça, por outro, a sequência do julgamento comove pela direção de atores e a atuação do elenco, que consegue rememorar, mesmo sem uso de flashbacks, a situação agonizante que se deu no início da trama. Provando que se o trabalho do diretor é semelhante a de um maestro a frente de uma orquestra, Greengrass rege com destreza os aspectos que formam uma obra audiovisual.

Entretanto, o que mais chama a atenção em “22 de Julho” é seu viés político. Em nenhum momento as motivações ideológicas e políticas de Breivik são postas de maneira didática. As conversas que ele estabelece com seu advogado deixam resquícios de interrogação e reflexão, especialmente quando em uma barganha, ele exige do Primeiro-Ministro mudanças na política de imigração e o encerramento do multiculturalismo. O que cria diálogo com momentos políticos contemporâneos, ao pensar nessas mesmas mudanças efetuadas nos Estados Unidos, quando o governo deportou mais de 400 imigrantes, deixando seus filhos americanos no país, e até mesmo na imigração dos venezuelanos para o Brasil, ponderando não apenas sobre a potência do pedido do extremista, mas também as conseqüências, que tanto a manutenção dessas medidas quanto suas eventuais alterações, causam econômico e socialmente numa nação.  Porém, no meio de todo esse processo, a fala de Breivik e seus anseios quanto a forma que o país deva ser governado indicam seu lugar de fala.

O roteiro é eficaz em colocar a política presente e seus variados locais de fala. Ele demonstra isso ao pautar não apenas política de imigração, multiculturalismo, mas também eleições, racismo e ideias de renovação política e como os cidadãos se organizam para defender seu ponto de vista. Esse artifício é visto quando Viljar (Jonas Strand Gravli) apresenta suas ideias de administração pública no acampamento de verão e alguém na platéia coloca um contraponto a suas ideologias, ou quando uma vítima do atentado, de origem árabe, questiona o que ela e a irmã fizeram para suscitar o ódio de Breivik. A narrativa propõe tais pontos de discussões e os situa inserindo lugares de fala distintos, seja no acampamento de verão, na escola ou nas colocações do Primeiro-Ministro, do Departamento de Segurança e Comunicação e da mãe de Breivik.

Deste modo, Greengrass debate mais uma vez questões sociais e políticas em uma obra forte, violenta, polêmica que cria reverberações com a atual situação política mundial. O diretor confirma seu olhar atento para traduzir e guiar histórias reais com as ferramentas do cinema de ação sem esquecer os conceitos que há intrínsecos às situações que o inspiraram.