Que os últimos anos tem sido marcados por um discurso de maior igualdade entre as remunerações de atores e atrizes de Hollywood, não é nenhuma novidade. Enquanto a ala feminina exige melhores oportunidades de trabalho e remuneração, não se dá tanta atenção a como é a situação por trás das câmeras.

O irônico nisso tudo é que durante o chamado Primeiro Cinema (época pós-1885 até meados dos anos 1920-1930, quando a linguagem cinematográfica ainda estava em desenvolvimento), as mulheres eram uma força de trabalho significativa no que viria a se tornar a indústria cinematográfica: elas eram diretoras, roteiristas, editoras, e não apenas beldades e/ou heroínas à frente das câmeras. Alice Guy-Blaché, Germaine Dullac, Lois Weber e Mary Pickford são tão ou eventualmente mais significativas que vários homens cujos nomes encontramos com facilidade na literatura da área.

Pensando nisso, o Cine Set traz uma lista de mulheres que, por trás das câmeras, vem honrando as pioneiras do cinema na atualidade:

Geena Davis

Como atriz, Geena Davis tem uma carreira discreta há um bom tempo. Porém, isso pouco parece incomoda-la quando se passa o tempo produzindo episódios de “Commander in Chief (série na qual ela também atuou), competindo como arqueira nas Olimpíadas de Verão em Sydney, Australia (ela iniciou no esporte no final dos anos 1990) ou liderando um instituto de pesquisas de gênero e mídia, o Geena Davis Institute on Gender in Media (crido em 2007).

Nos anos 1980-1990, ela ganhou fama graças a filmes como Tootsie (1982), A mosca (1986), O Turista Acidental (1988, que lhe rendeu um Oscar) e Thelma & Louise (1991), mas hoje se coloca como influenciadora principalmente por conta de seu instituto, que trabalha em parceria com a indústria cinematográfica americana para incentivar um maior equilíbrio de oportunidades às mulheres na área. Atualmente, ela está produzindo um documentário justamente com essa temática, a ser lançado em 2018.


Anna Muylaert

A diretora brasileira Anna Muylaert entrou para a classe de 2016 do Oscar, num ano em que os clamores por maior representatividade de mulheres e minorias na popular premiação levou a um aumento significativo de votantes do evento. Na prática, ela terá poder de escolha sobre quem concorre ao prêmio, isso após ter tido o seu “Que horas ela volta?” concorrendo na categoria de Melhor Filme Estrangeiro em 2015, além de ter ganhado prêmios nos Festivais de Sundance e Berlim no mesmo ano.

Para além da indicação ao Oscar, Muylaert se apresenta hoje como uma das diretoras mais conhecidas do cinema brasileiro. A mescla entre uma pegada mais popular e sua capacidade de aprofundar temas sem envolvê-los em roupagens de difícil digestão ao público garante tal patamar. Exemplo disso é seu filme mais recente, “Mãe só há uma”, que flerta com certo experimentalismo na forma, mas traz o tema da identidade de gênero de maneira instigante ao espectador. O posicionamento ideológico da diretora também é marcante, como bem pudemos ver quando ela decidiu retirar seu filme mais novo da avaliação da comissão que viria a escolher “Pequeno Segredo” como representante brasileiro a uma vaga no Oscar 2017.


Alison Bechdel

A cartunista Alison Bechdel teve seu nome alçado à fama (e ao cinema) de maneira inusitada. Um teste, batizado em sua homenagem, passou a ser aplicado por vários críticos de cinema preocupados com a representação das mulheres em filmes a partir dos anos 2000. Assim nasceu o Teste de Bechdel, que traz, em linhas gerais, 3 perguntas: (1) O filme tem pelo menos duas mulheres nele?; (2) Se sim, elas falam uma com a outra?; (3) Se sim, elas falam sobre algum assunto que não seja homem? O que parece um questionário simples gerou espanto quando vários críticos constataram a quantidade de filmes que não cumprem os pressupostos.

Com o passar do tempo, outros testes passaram a contemplar perguntas de maior complexidade acerca da representação de mulheres (O Mako Mori Test é um deles), mas a inspiração que o Teste de Bechdel deu é comumente reconhecida. Nada mal para quem propôs os questionamentos tão informalmente, em um quadrinho alternativo sobre lésbicas, o “Dykes to Watch Out For”, de 1985. Para quem curtiu a proposta, o site http://bechdeltest.com/ é alimentado por usuários que aplicam o teste em várias produções, incluindo lançamentos atuais.


Ava Duvernay

Duvernay é a diretora negra norte-americana mais conhecida da atualidade. De maneira similar à Muylaert, ela traz em seu cinema um ritmo de fácil fruição ao espectador, tendo como diferencial também o tratamento dos temas. No caso da americana, o foco é a representatividade racial, a qual podemos conferir no indicado ao Oscar “Selma” (2014). Histórias que apelem à comunidade negra é justamente o foco da diretora, que também não dispensa uma boa protagonista mulher (vide “I will follow, 2010, e Middle of Nowhere, 2012). Em 2016, Duvernay atacou novamente a questão negra com o provocativo documentário “A 13º emenda”, que ataca a jugular do racismo gringo em tempos de Presidente Donald Trump.

À exemplo de Alice Bechdel, Ava Duvernay ganhou seu próprio teste. O “Duvernay Test” começou a ser popularizado entre as publicações especializadas em 2016 graças a Manohla Dargis, crítica de cinema do The New York Times. Nele, a proposta é avaliar se um filme apresenta (1) afro-americanos e outras minorias; (2) que tem narrativas de vida completas; (3) ao invés de servirem de acessórios para histórias de personagens causasianos. No Twitter, a diretora se disse honrada com a homenagem.


Thelma Schoonmaker

Nas primeiras décadas do cinema, a edição dos filmes em película era um trabalho manual que exigia muita atenção aos detalhes. Esse era o motivo apontado por muitos para que a tarefa de montagem fosse então direcionada às mulheres (já que somos, aham, super cuidadosas). Com o tempo, profissionais homens foram dominando os trabalhos técnicos, quebrando tal tradição, mas Thelma Schonmaker não deu muita bola para isso, já que o início de sua carreira remonta aos anos 1960.

E o que ela fez de tão importante assim? Nada além de montar vários importantes filmes de Martin Scorsese, um dos diretores mais renomados da história do cinema. Pelas mãos de Schonmaker passaram Touro Indomável (1980), Depois de horas (1985), A cor do dinheiro (1986), A última tentação de Cristo (1988), Os bons companheiros (1990), Cabo do medo (1991), A época da inocência (1993), Cassino (1995), Vivendo no limite (1999), Gangues de Nova Yourk (2002), O aviador (2004), Os infiltrados (2006, quando Scorsese ganhou seu primeiro Oscar), A invenção de Hugo Cabret (2011), O lobo de Wall Street (2013) e Silêncio (2016), que será lançado no final do ano nos EUA. Ela ganhou 3 Oscars, 2 Baftas e outros 23 prêmios ao longo da carreira, ajudando, de quebra, a definir o conceito de violência gráfica no cinema graças à longa parceria com Scorsese.


Kathleen Kennedy

Para o bem ou para o mal (dependendo de como você encara o cinema enquanto indústria), Kathleen Kennedy é o poder. Desde os anos 1980, ela é uma das pessoas por trás do sucesso de inúmeros filmes definidores do que há de melhor no mundo dos blockbusters. Dentre os títulos que contaram com Kennedy na produção estão: Et, o Extraterreste (1982), Poltergeist: O fenômeno (1982), Indiana Jones e o Templo da Perdição (1984), a trilogia De volta para o futuro (1985; 1989; 1990), Jurassic Park (1993) e a nova trilogia Star Wars (2015; 2017; 2019).

Para não dizer que ela vive só de blockbusters, Kennedy também se dedicou, principalmente a partir da parceria com Steven Spielberg, a trazer filmes de outros estilos, mas com potencial comprovado para premiações. Dentre eles há A cor púrpura (1985), Império do sol (1987); A lista de Schindler (1993), As pontes de Madison (1995) e O sexto sentido (1999). Ela também deu uma mão para ótimos filmes estrangeiros se popularizarem a partir da distribuição nos EUA, tais como Persépolis (2007) e Ponyo: uma amizade que veio do mar (2008). Os próximos spin-offs de Star Wars e a promessa da volta de Indiana Jones em um quinto filme da franquia prometem manter Kathleen Kennedy com os bolsos cheios de dinheiro e o público com muita gana de ver mais filmão pipoca e de Oscar.