A lembrança de ser levado pelos pais para assistir a um filme no cinema é provavelmente uma das primeiras memórias cinéfilas que muita gente tem. Daí os anos passam, seus gostos vão se apurando cada vez mais e você começa a perceber que muitos filmes que você tem vontade de assistir já não casam muito bem com os gostos dos seus “velhos”. Pena que isso não impede que você dê derrapadas eventuais na escolha do filme para levar o DVD pra casa quando decide viver, ao mesmo tempo, um momento familiar e de cinefilia. Sim, esses vacilos são a premissa dessa lista do Cine Set. Conheça alguns títulos que você NÃO deve levar para aquele programinha de família junto com a pipoca.

“My Little Princess” (2011), de Eva Ionesco

O segundo filme dirigido por Eva Ionesco tem tudo para gerar desconforto pare se assistir ao lado da família. De forte inspiração autobiográfica, “My Little Princess” mostra a infância de Violetta (Anamaria Vartolomei) a partir do momento em que passou a ser modelo para a mãe, a fotógrafa Hannah (Isabelle Huppert). Até aí, nada de mais, não fosse o fato de que as fotos de Hannah eram carregadas de morbidez e sensualidade, ao passo que sua modelo tinha por volta de 11 anos na época. Ionesco afirma que muito do filme ela viveu nas mãos da mãe, a famosa fotógrafa Irina Ionesco, incluindo aí a frieza na relação entre as duas.


“Love” (2015), de Gaspar Noé

Sinceramente, as chances de alguém da sua família gostar de algum filme do diretor argentino Gaspar Noé são mínimas. Dentre o círculo de parentes mais próximos (pai, mãe, irmãos, avós), pior ainda. Com “Love”, o diretor extrapola todos os limites do que é suportável ver num programa audiovisual familiar tradicional: brigas incessantes do casal protagonista, ménage à trois, swing, tentativa de sexo com uma prostituta trans e, para coroar a lista, um close num pênis ejaculando (em 3D). Todo o condicionamento psicológico que um ser humano passa a juventude adquirindo para mudar de canal ou fechar a aba do computador quando os pais interrompem a apreciação de um filme pornô será colocada à prova em sua mente se tentar assistir a esse filme ao lado deles. Parece uma crítica rasa aos temas da sexualidade tratados no filme? Não se levarmos em conta que o filme está longe de ser uma obra-prima…


“Oldboy” (2003), de Park-Chan Wook

Atenção: se você ainda não assistiu a “Oldboy” (seja a versão sul-coreana, seja a americana), simplesmente passe para o próximo tópico, pois a partir de agora vem spoiler. Ainda por aqui?

Pois bem, não importa em que arranjo os espectadores se encontrem, seus pais simplesmente não vão aceitar que Oh-dae Su (Choi Min-sik) tenha mantido relações sexuais e se apaixonado por Mi-Do (Hye-jeong Kang), revelação esta que surge como a vingança do personagem que o trancafia por quinze anos sem explicar o motivo. Por mais que tenham ficado intrigados com todo o resto, a revelação final vai fazer eles simplesmente odiarem o filme.


“Cisne Negro” (2010), de Darren Aronofsky

Um filme que sofre entre os pais mais tradicionais: o pai provavelmente vai investir na manutenção da heteronormatividade e se recusar a ver um filme sobre bailarinas, e mesmo que assista, vai acabar reclamando que as bailarinas são muito magras, ao invés de “gostosas”. A mãe vai detestar a personagem da mãe da protagonista por ser extremamente controladora, sentindo que não tem com o que se identificar ali; para completar (spoilers a partir desse ponto!), a protagonista fofinha enlouquece, tem delírios com sexo lésbico e estraga toda a linda apresentação matando uma pessoa.


“Clube da Luta” (1999), de David Fincher

Por que eles brigam tanto? Por que tem tanta narração? Por que eles gostam de apanhar? Por que eles gostam de bater? O que tá acontecendo afinal? Como assim, o Brad Pitt e esse outro cara (também conhecido como Edward Norton) são a mesma pessoa? Se eles são a mesma pessoa, por que não tem dois Brad Pitts? São tantas as dúvidas que podem surgir na cabeça de um pai ou uma mãe que não é chegado à Sétima Arte ao assistir a “Clube da Luta” que não vale a pena convidá-los para verem o filme, já que você teria que passar boa parte dos seus 139 minutos explicando a eles o que está acontecendo. Culpa dessa geração MTV, que criou o apreço por edições vertiginosas, coisa que definitivamente seus pais não sentem afeição.


“Crô – O Filme” (2013), de Bruno Barreto

Por incrível que pareça, mesmo um filme linear, popular e estrelado por um personagem facilmente reconhecível em nossa cultura amante de telenovelas pode ser inadequado para seus pais verem com você. O desconforto que ele causa, porém, é bem diferente dos filmes anteriores: com “Crô”, você simplesmente vai ver seus pais ficando tristes ao perceberem o quão ruim o filme é. Quem teve o (des)prazer de assistir ao filme no cinema sabe a que me refiro: aquela horda de vovozinhas entrava extremamente animada na sala, e, em cerca de 10 minutos de projeção, elas simplesmente paravam de rir das piadas porque (pasmem!) só existe uma “piada” no filme: chamar o protagonista de “viado”. Se isso não apoiaria nem um filme de 1 minuto, quem dirá um longa de uma hora e meia.


“O Balconista” (1994), de Kevin Smith

O diretor Kevin Smith deu voz a toda uma geração com filmes como o clássico cult “O Balconista” e “Procura-se Amy” (1997). Porém, essa está longe de ser a voz da geração dos seus pais, que provavelmente nasceram entre 1950 e 1960. Para eles, as intermináveis conversas sobre quadrinhos, maconha, personagens de séries de TV ou sobre impropérios sexuais que parecem muito complexos aos vinte anos e nada relevantes aos 40 é simplesmente… idiota? Afinal de contas, eles têm coisas mais importantes para fazer como alimentar você, pagar contas e enfrentar a terceira idade se aproximando ou se instalando de vez. As diferenças de contexto da juventude deles nos anos 1970-1980, quando vivenciaram um Brasil pré-Real e pré-democracia, são deveras muito diferentes da vida de um jovem pós-1994, de maneira que você pode dar uma colher de chá para eles e chamá-los para ver…


Se for o seu pai: “Con-Air: A Rota da Fuga” (1997), de Simon West

Se o seu pai não é cinéfilo, para ele o Nicolas Cage não é o cara que trabalhou com o David Lynch em “Coração Selvagem” (1990) e nem o cara que ganhou um Oscar por “Despedida em Las Vegas” (1995); ele é o presidiário injustamente condenado que, às vésperas de ser libertado, pega carona em um avião que transporta os assassinos mais perigosos do mundo, juntando todos aqueles outros atores que ele também não conhece, mas que parecem muito loucos: John Malkovich, Steve Buscemi, Danny Trejo e Ving Rhames. Acredite, ele vai amar cada segundo desse filme, mesmo que já tenha visto várias vezes em todos os canais da TV aberta.


Se for a sua mãe: “Comer, Rezar e Amar” (2010), de Ryan Murphy

Sua mãe não-cinéfila vai adorar ver a “Uma Linda Mulher”, que é como ela chama muitas vezes a Julia Roberts, nesse filme com cara de livro de autoajuda. Nada mais inspirador para ela que ver uma senhora recém-divorciada numa jornada de aventuras e autodescoberta ao redor do mundo, topando eventualmente com o Javier Bardem, por exemplo, mas valorizando os pequenos prazeres da vida acima de tudo. Ou seja, tudo que você pode estar atrapalhando sua mãe de fazer porque ela ia morrer de preocupação com o seu bem-estar se viajasse para a Índia ou para a Itália. Então, por que não dar essa colher de chá para ela na hora de escolher o próximo filme da sessão?