Não levou mais do que quarenta minutos.

Uma equipe pequena, com treinamento de ponta e experiência em centenas de missões, entrou pela cidade de Abbottabad (Paquistão) na madrugada de dois de maio de 2011. Chegando a uma casa elevada, num bairro afastado da cidade, os soldados, desembarcando em três helicópteros, se dividiram em grupos e cuidaram, cada um, de neutralizar uma possível dificuldade: a vigilância armada, as rotas de fuga, a reação dos vizinhos. Com precisão absoluta, o esquadrão adentrou o terceiro andar da casa, abriu caminhos e eliminou obstáculos (incluindo os humanos).

Ao fim e ao cabo, os soldados haviam descoberto centenas de arquivos referentes à atuação do grupo terrorista islâmico Al-Qaeda, bem como eliminado alguns de seus cabeças-de-chave, alguns deles perseguidos há mais de uma década. Mas havia mais: um desses eliminados era Osama bin Laden, o mentor do grupo, o homem por trás dos terríveis atentados de 11 de setembro de 2001.

A história por trás desse momento marcante, mas nebuloso, da geopolítica global é contada em detalhes quase obsessivos no filme A Hora Mais Escura, da diretora americana Kathryn Bigelow. Baseado em documentos recentes sobre a operação que vieram à tona, o filme, porém, não é uma adaptação do livro Não Há Dia Fácil, escrito pelo ex-fuzileiro Mark Owen, que participou da operação, como chegou a ser noticiado. O trabalho da diretora, apoiado pelo roteirista Mark Boal, é uma investigação paralela: uma recriação que aspira tanto à realidade dos fatos que chega quase a ser um documentário – inclusive nas cenas cruas e objetivas de tortura, utilizada em centenas de prisioneiros na busca por pistas.

A Hora Mais Escura (no original, Zero Dark Thirty, ou “Zero [noite] e trinta”, ou seja, meia-noite e meia no jargão militar, o horário em que a operação descrita acima teve início) se centra na figura de Maya (Jessica Chastain), agente que está começando o seu trabalho na CIA no auge da caçada ao terrorista, em 2003. Com um trabalho obcecado, quase paranoico, de juntar pistas esparsas e nomes obscuros, Maya começa aos poucos a delinear o possível paradeiro do homem mais procurado dos Estados Unidos. Para tanto, vale tudo: tortura, manipulação de informantes, palpites, até mesmo a espionagem convencional, com câmeras e arapongas. Maya tem o cristal da convicção: tal como os repórteres do Washington Post que desmontaram o esquema de grampos telefônicos do governo americano no caso Watergate, no filme Todos os Homens do Presidente (1976), com pouco mais do que a intuição, Maya também não tem muito sobre o que respaldar suas conclusões acerca do paradeiro de Bin Laden. Mas ela sabe; e vai convencer seus superiores disso, um por um.

Muito se criticou, de ambos os lados da política americana, o papel que o filme atribui à tortura como instrumento para se obter pistas sobre Bin Laden. Mas é a história da maneira como foi relatada à diretora. Se o filme não condena, explicitamente, a sua utilização, tampouco a sensacionaliza, demorando-se na sua exposição. É mais ou menos como foi, aqui, o caso de Tropa de Elite (2007), de José Padilha, obra que dividiu opiniões da mesma forma – e que, também da mesma forma, resultou num filme brilhante.

A Hora… é um comentário lúcido e pertinente sobre o momento atual da política americana. Não é um filme feito para emocionar: tudo nele, do roteiro à edição, é frio, objetivo e implacável, tal como a sua protagonista. No desempenho, também repleto de convicção, de Jessica Chastain (a mãe angelical de A Árvore da Vida), Maya esconde sob a aparência controlada um furor vingativo – o mesmo que anima o país na sua guerra ao terrorismo, e que já resultou num número lastimável de vítimas civis. Mas que se presta, afinal, ao bem maior da segurança da nação, o que é a conclusão lógica de qualquer país em guerra – as duas Coreias deflagradas, por exemplo, que o digam.

O filme também marca uma evolução geral na carreira de Bigelow. Abandonando o patriotismo de Guerra ao Terror, e alcançando uma fluidez admirável na condução da trama – o filme é enxutíssimo, em nada lembrando a crítica prolixa e confusa de um Syriana – A Indústria do Petróleo (2005), por exemplo -, a diretora chega à ousadia de recriar, em tempo real, a invasão ao esconderijo de Osama Bin Laden – são quarenta minutos, cravados, de puro realismo e tensão. Pode contar.

Com este A Hora Mais Escura, a ex-esposa de James Cameron (Avatar) lança uma das obras fundamentais para se entender o conflito entre os Estados Unidos e os grupos terroristas islâmicos. Triste apenas que o conteúdo polêmico da obra tenha prejudicado seu desempenho no Oscar: o filme teve míseras cinco indicações, ganhou só em uma (Edição de Som, e ainda por cima empatando com 007 – Operação Skyfall), e Bigelow sequer foi lembrada na categoria Melhor Diretor.

Ah, e o filme não chegou aos cinemas de Manaus. O jeito, portanto, é comprar, alugar, ou esperar chegar na TV a cabo. Só não perca a chance de conferir, e se informar mais sobre esse momento sombrio da história recente.

Nota: 9,0