A palavra ‘juventude’ encarna, dentre outros elementos, a sensação de frescor, originalidade e de se experimentar algo pela primeira vez. Partindo desse ponto, o novo filme de Paolo Sorrentino não poderia ter uma ligação semântica menos eficaz com o próprio título, já que “A juventude” retoma uma série de temas já presentes em seu predecessor, o oscarizado “A grande beleza”.

O longa retoma também todos os maneirismos vistos na direção do italiano. Inclui-se aí o gosto por experiências fantásticas a partir da visualidade e a sede por remodelar, para o bem e para o mal, os maneirismos dos filmes de Federico Fellini, em especial “8½”. Ainda que eventualmente alguns desses pontos se coloquem como uma cópia irregular do trabalho do próprio Sorrentino e de Fellini, “A juventude” se destaca pelas experiências sensórias que entrega ao espectador, salvando-o do que poderia ser um passo em falso na carreira do diretor de grande potencial.

Isso se dá principalmente graças ao elenco que Sorrentino tem em mãos: a dupla Michael Cane e Harvey Keitel encabeçam o filme como, respectivamente, Fred Ballinger, um compositor aposentado, e Mick Boyle, um diretor veterano que tenta reavivar a carreira com o projeto de um novo filme. Os dois passam uma temporada em um luxuoso hotel nos Alpes, vivendo uma vida até certo ponto alienada de tudo, como que numa ilha a parte do mundo, esbarrando em figuras como uma cópia de um Diego Maradona obeso (Roly Serrano), um casal que nunca troca palavras um com o outro (Heidi Maria Glössner e Helmut Förnbacher), uma Miss Universo nada burra (Madalina Ghenea) e um ator que se prepara para um novo papel, Jimmy Tree (Paul Dano em um papel pequeno, mas surpreendente), assim como a filha do compositor, Lena (Rachel Weisz).

O duo protagonista, que de jovem não tem nada, vive entre as reverberações de seus passados, recriando-os e, não raro, recompondo-os a partir do prisma da lembrança. É nesses momentos que mais identificamos Fellini como inspiração, seja através de imagens como a reunião involuntária das personagens femininas dos filmes do cineasta Boyle, seja nos pequenos monólogos distribuídos ao longo do filme, os quais Michael Cane traz uma naturalidade quando um ator de menor calibre poderia muito bem desvalar para o exagero.

Salvo pela empatia

Ainda que pincelado de ideias que não conseguem total desenvolvimento, a empatia que o elenco gera, componente estritamente emocional, dá vida e unidade ao filme, fazendo com que suas mais de 2h e duração estejam longe de serem penosas. É impossível, por exemplo, não simpatizar com o apático, porém sensível, compositor de Cane, que emula com facilidade a persona que Sorrentino criou a Toni Servillo em “A grande beleza” e que, por sua vez, é um retrabalho em cima das personagens de Marcello Mastroianni em “8 ½” e “A doce vida”, de Fellini.

Cane e Weisz encarnam com muita naturalidade a relação de conflito e cumplicidade entre pai e filha, o que acaba ajudando indiretamente a personagem feminina subaproveitada num conflito amoroso de pouco peso. A óbvia tentativa de dar a Lena maior estaque a partir de um possível recomeço numa relação com o alpinista Luca Moroder (Robert Seethaler) tenta gerar um paralelo com as mulheres belas e inseguras de Fellini, como a Luisa de Anouk Aimée em “8 ½”. Weisz encara o desafio com certa graça, mas a personagem é bem mais interessante nos momentos em que se aprofunda na relação com o pai, o que acaba sendo também uma sacada mais original, já que a homenagem não se dá a altura.

Não bastasse ver Michael Cane bem aproveitado como protagonista no longa, é também prazeroso ter Keitel num papel de maior destaque e diferente dos tipos violentos aos quais normalmente o público o associa por conta de filmes já nem tão novos como “Cães de aluguel”, ou como um coadjuvante menor de luxo, como em “O congresso futurista” e “O grande hotel Budapeste”. Seu Mick Boyle é leve e cativante, uma inspiração para os jovens que o rodeiam graças a sua devoção e experiência no cinema, ainda que suas obras sintam o peso da passagem do tempo e se tornem menores, como bem a ponta de Jane Fonda revela em dado momento. A sintonia entre ele e Cane também é clara e significativa, numa dinâmica em que os personagens e suas trajetórias se complementam de maneira a trabalhar o tema da passagem do tempo e o olhar para trás em suas vidas.

Sentir o filme

Elogiar a parceria de Paolo Sorrentino com o diretor de fotografia de Luca Bigazzi é um lugar comum, mas impossível não citar brevemente. A Grande Beleza (2013), Aqui é o Meu Lugar (2011) e Il divo – La spettacolare vita di Giulio Andreotti (2008) já provaram que em time que está ganhando, não se mexe, e a sintonia entre os dois é clara em “A juventude”. A edição de Cristiano Travaglioli até ameaça tirar um pouco o peso da composição de Bigazzi às imagens, especialmente no início do filme, que às vezes parece uma bricolagem sem uma cola firme que unifique as sequências em termos de sentido, mas na medida em que o longa avança, a fluidez que o filme vai adquirindo reforça a beleza das imagens.

O som também é um componente de destaque num longa que tem, dentre outras coisas, a música como uma espécie de personagem, um dos fantasmas do passado que visitam seu protagonista constantemente. A trilha composta por David Lang, também em repeteco com Sorrentino depois de trabalhar em “A grande beleza”, pode até não ser a mais inspirada, mas por estar carregada de sentimento, destaca-se no filme, principalmente pela interpretação da soprano sul-coreana Sumi Jo em uma cena crucial.

O tema principal de “A juventude” pode muito bem ser sumarizado por uma cena na qual Keitel chama a jovem roteirista para ver o cenário dos Alpes a partir dos dois extremos das lentes de uma luneta, no qual cada um pode mostrar, de forma distorcida, a paisagem extremamente perto ou extremamente longe, explicando com isso uma metáfora sobre passado e futuro. No caso do filme, algumas distorções da apenas aparente naturalidade do tratamento do tema não funcionam tão bem assim, mas ainda garante um quadro agradável de ver.