Quem teve a oportunidade de assistir a Battleship (2012) viu o que um roteiro ruim, aliado a uma série de outros fatores, pode acarretar em um filme. O longa de Peter Berg reinava quase absoluto no quesito neste ano, porém ganhou uma forte concorrência com a chegada de A Sombra do Inimigo.

É claro que o fato do roteiro ser bastante ruim é completamente prejudicial ao filme, e é o principal responsável pelo longa ser tão desastroso, porém não me atrevo a dizer que há muitos “inocentes” no trabalho, visto que há uma nítida fragilidade em todos os outros elementos que formam o filme.

Mas estou me adiantando. Vamos do início.

A Sombra do Inimigo conta a história do detetive Alex Cross (Tyler Perry), um policial talentoso, com domínio sobre psicologia, e com uma forte capacidade de percepção das coisas ao redor, desde os crimes que investiga, até na relação com a sua esposa e filhos. Certo dia ele recebe um chamado para investigar um homicídio quádruplo, e constata que o crime foi praticado por apenas um homem, extremamente perigoso, e também violento e inteligente, que por deixar um desenho de sua autoria no local do crime, recebe o nome de Picasso (Matthew Fox). Após assumir o caso, Cross consegue antecipar os passos do assassino, e descobre que ele tem um plano de matar, dentre outras pessoas, o milionário Leon Mercier (Jean Reno). Com isso o policial, auxiliado pela sua equipe, quer atrapalhar os planos de Picasso, mesmo que com isso se coloque na mira do assassino.

Não há como começar a falar do filme, a não ser que seja pelo seu roteiro, que é realmente desastroso. E o fato dos roteiristas, Marc Moss e Kerry Williamsom, serem quase dois estreantes em longas metragens [o primeiro fez um filme antes, Na Teia da Aranha (2001)] fica bastante claro durante o filme. As situações são desenvolvidas de maneira fácil, óbvia demais, utilizando-se sempre das soluções mais pobres dramaturgicamente falando. E quando se trata de um filme de ação, que tem elementos de suspense, e uma investigação policial que vai atrás de um psicopata inteligente e cruel, elementos como esses são imperdoáveis. A cena que se passa dentro do prédio é um exemplo claro disso, com soluções que subestimam a inteligência do público, e situações mal elaboradas, mal desenvolvidas e extremamente previsíveis. E o fato de o assassino estar baleado, em um prédio de muitos andares, cercado por policiais, e na cena seguinte já estar fora dali, saindo pela rede de esgoto, é um exemplo claro da preguiça com que as situações foram pensadas.

Confesso que o tempo inteiro fiquei me lembrando de Seven (1995), imaginando que com certeza os roteiristas não devem ter assistido a esse filme, ou se viram, fizeram questão de esquecer. Uma pena, pois acho que eles poderiam se inspirar nele para imaginar situações mais bem elaboradas para o filme.

Sem contar o fato de que o roteiro, quando quer desenvolver os seus personagens faz isso de maneira precária, pouco acrescentando elementos a trama. Quando quer mostrar que Cross é um homem esperto, e com uma percepção aguçada, apenas lança umas frases em que ele já sabe tudo o que aconteceu, como quando, apenas ao ver a cena do crime, já tem certeza absoluta de que foi apenas um homem que fez aquilo. Como? Isso mais parece uma forçada de barra para mostrar que ele tem boa percepção, do que uma forma de criar isso organicamente. Cross também possui domínio sobre psicologia, mas com o decorrer do filme vemos que ele tem tudo, menos isso. Quando Picasso se irrita com ele alegando que o policial utiliza uma psicologia barata, ele está corretíssimo, pois chega a ser patética aquela situação. Em um momento, ele tranquiliza o seu colega dizendo que o assassino não vai atrás da equipe de policiais, por ele ser focado em um objetivo, mas acontece o extremo oposto. Somando essas a outras situações, a impressão que fica, é que não houve nenhum cuidado, de quem estava escrevendo, em estudar elementos da psicologia, e como ela é utilizada em casos assim, trazendo uma superficialidade ainda maior ao roteiro e, consequentemente, ao filme.

Outro momento em que a tentativa de desenvolver os personagens fica apenas na intenção e é brecada pela falta de habilidade dos roteiristas, é a cena em que Mercier chama Cross para uma conversa em outro local de sua casa. Ele basicamente chama o detetive para uma varanda, se sentam em suas cadeiras, e lá o personagem de Reno afirma que não tem informações e que não vai conversar com ele. Ou seja, uma cena é criada para que absolutamente nada aconteça. Um momento quase inacreditável.

Tudo isso sem contar com outro problema gravíssimo: o filme possui diálogos muito mal feitos e desenvolvidos. É nítido que há, em todo o longa,  intenção de que seus personagens falem frases de efeito sem parar, criando conversas completamente inverossímeis, que só conseguem ser constrangedoras. Neste ponto, o filme lembra bastante Battleship, e acho que isso já ilustra suficientemente bem no que eu quero dizer.

E se o roteiro não ajuda, a direção também não faz nada para tentar salvar o filme, pelo contrário. O trabalho de Rob Cohen é extremamente precário. Isso está claro desde a direção de atores que, com a exceção do trabalho de Fox, é frágil e agrega poucos elementos a trama; é totalmente sem criatividade e possui dificuldades em conduzir a história com fluidez sem apelar para obviedades, como quando mostra um flashback do momento em que Picasso faz a sua primeira vítima enquanto os policiais vão narrando o que está acontecendo, causando uma explicação repetitiva e desnecessária; ou ainda quando quer criar um clima de suspense através de uma câmera tremida cansativa e exagerada, que vai desde uns tremidos forçados dentro do carro ou na base policial, a espécies de semicírculos que vão e voltam ao redor dos atores, mostrando que o diretor não sabe o que fazer com a câmera. Sem contar o fato da bastante duvidosa escolha de utilizar câmera lenta em determinados momentos de uma briga, no exato momento do golpe, um recurso que parece mais adequado a ser utilizado em filmes b de ação, do que em um trabalho desse estilo.

Até mesmo um elemento que comumente é bem realizado em filmes do tipo, aqui deixa muito a desejar: os efeitos visuais. Em determinada cena do filme, ocorre uma grande explosão causada por uma bazuca, que tem efeitos que parecem feitos por amadores, tamanha é a sua inverossimilhança. Um ponto que também agrega valores negativos ao filme.

Talvez os menos culpados de toda a história sejam os atores, que são sabotados por todos os lados. Tyler Perry, pode-se dizer, é apenas esforçado e bem intencionado, embora fique evidente uma falta de habilidade em desenvolver momentos dramáticos importantes do seu personagem, como após a morte de uma pessoa importante, em que fica explícito que o ator não conseguiu se desvencilhar do roteiro que lhe foi dado.

Ao contrário do talentoso Matthew Fox, talvez o único que se salve em todo o filme. Criando um personagem interessante e bastante desafiador, o ator mostra que tem capacidade de desenvolver vários tipos diferentes de pessoas, com uma construção profunda e cheia de detalhes. Só espero que Fox saiba escolher melhor os seus próximos trabalhos.

E o que mais me frustra ao ver um filme como esse, é não apenas o fato de ter visto um trabalho ruim, mas sim que este filme ruim ocupa a vaga de filmes bons que poderiam/deveriam estar disponíveis para o público. E com isso, tudo mundo sai perdendo.

NOTA: 2,5