Julgue-me, sociedade: eu gosto de Alien: A Ressurreição. O quarto filme da franquia de terror e ficção-científica é quase que universalmente malhado e poucos saem em sua defesa, talvez por medo de serem ridicularizados. Eu não: sempre gostei do filme desde que o vi pela primeira vez nos cinemas em 1997 e, embora reconheça que ele tem problemas, o considero um filme divertido, interessante e um eficiente complemento temático e narrativo à franquia como um todo. Se você detesta o filme, talvez eu não consiga mudar sua opinião. Mas como essa é a seção do Advogado de Defesa do Cine Set, então leia minha argumentação – e fique à vontade para gritar “Protesto!” a qualquer momento. Ah, e por questão de educação, fique ciente de que haverá spoilers dos filmes a seguir…
Primeiro é necessário fazer uma revisão da franquia. A série Alien é especial porque os quatro filmes são diferentes uns dos outros e a cada novo exemplar, uma nova equipe de cineastas reinventava o conceito básico: um grupo de pessoas fica preso num lugar escuro e feio com um monstro que quer matá-los. Ninguém discute que os dois primeiros filmes, Alien: O Oitavo Passageiro (1979) e Aliens: O Resgate (1986), são clássicos que revolucionaram o cinema fantástico e mudaram Hollywood para sempre. Todas as heroínas do cinema devem algo à Tenente Ellen Ripley, a protagonista da série vivida pela icônica e extraordinária Sigourney Weaver. E os temas e imagens dos filmes, perturbadoras e sexualizadas, entraram para o imaginário popular.
Alien foi dirigido por Ridley Scott – foi o seu segundo longa-metragem – e apresentou Ripley e seu inimigo ao mundo. O monstro do filme era sensacional por si só: uma criatura meio inseto, meio humanoide, com uma cauda pontiaguda, uma cabeça fálica, muitos dentes, sangue ácido e disposição assassina, a incrível criação do artista suíço H. R. Giger. Já Aliens, como o próprio nome diz, tem muito mais desses monstros e adiciona ao suspense e ao terror do primeiro um clima de filme de guerra. Foi um dos primeiros projetos da carreira de um cara que viria a se tornar conhecido como o “Rei do Mundo”, o diretor James Cameron. Ele fez de Ripley a definitiva heroína do cinema e injetou na história uma temática feminina. Pelo seu trabalho na continuação, Sigourney Weaver virou a primeira atriz a ser indicada ao Oscar por um filme de ficção-científica.
Já os outros dois filmes da série ficaram bem abaixo: Alien 3 (1992) foi o primeiro longa de David Fincher e Alien: A Ressurreição (1997) foi comandado pelo francês Jean-Pierre Jeunet, contratado pelo estilo visual dos seus filmes Delicatessen (1991) e Ladrão de Sonhos (1995). Embora todo mundo prefira os dois primeiros longas da franquia, vejo muita gente defendendo o terceiro e colocando o quarto na lata do lixo, e simplesmente não consigo entender isso. Para mim, Ressurreição é superior a Alien 3 em quase todos os aspectos.
A produção de Alien 3 foi tumultuada, pois começaram a filmar sem um roteiro pronto e o estúdio pressionou para manter uma data de estreia apertada… Fincher, que na época tinha experiência apenas como diretor de videoclipes e comerciais, sofreu para trazer um pouco de ordem ao caos. Apesar de todas as confusões de bastidores, é graças a ele e a Weaver que temos um filme pelo menos coerente e razoável. Porém, uma coisa Alien 3 não consegue ser, e nenhum dos seus defensores me convence disso: não é, de jeito nenhum, um desfecho satisfatório para a saga da Tenente Ripley.
O filme já começa estranho ao matar todos os personagens a quem o público se afeiçoou no final do anterior, exceto Ripley. E no fim ela se mata para evitar que um novo monstro caia nas mãos da terrível companhia que controla as viagens espaciais no universo da série. É o equivalente cinematográfico de um velório, e o visual monótono do planeta-prisão onde se passa a história torna tudo mais opressivo ainda – algum gênio teve a ideia de fazer do terceiro Alien um filme de ficção sem a ficção, e embora o resultado seja um filme ousado, é também profundamente sério e sombrio. Não há luz. Não há a ação e a adrenalina do segundo. Não há nem a atmosfera despretensiosa e o visual inigualável do primeiro. Há apenas um bando de carecas correndo pelos corredores com o Alien atrás deles, em efeitos que não envelheceram bem. E no final, vale repetir, a heroína morre.
Que fique claro: não me oponho a finais infelizes ou à morte dos heróis do cinema. Mas no segundo filme, de certa forma a evolução de Ripley já havia chegado ao fim. A experiência do primeiro deixou-a isolada dos seus semelhantes, uma alienígena entre os humanos. O segundo a traz de volta, dando-lhe a oportunidade de uma família e de um retorno à humanidade. Já o terceiro nega isso, tirando tudo dela – fora da tela, ainda por cima – para torturá-la mais um pouco. Para mim, a personagem mereceu uma chance de felicidade ao fim do segundo filme e sua morte no terceiro não traz sentido algum. É clichê falar da jornada do herói, mas vamos lá: ela, ao final, dita que o protagonista deve retornar ao seu mundo e, com seu esforço, fazer dele um lugar melhor, porém isso não ocorre na série Alien. Basicamente, Ripley morre porque a vida é uma droga e o universo é indiferente. Então pergunto aos defensores de Alien 3: é realmente assim que vocês querem que a história termine?
O quarto filme, meio que aos trancos e barrancos, conserta isso. O primeiro longa é definido pelo nascimento – não à toa, a cena mais famosa é a do nascimento do monstro. O segundo, então, é a vida e o terceiro, a morte. Então, só resta ao quarto ser sobre a ressurreição. Ripley, junto com os Aliens, é trazida de volta à vida por clonagem. A companhia finalmente conseguiu pôr as mãos nas criaturas e, com o auxílio de um grupo de mercenários, está fazendo experiências com os novos monstros. Claro, as coisas saem do controle novamente, e Ripley passa a liderar os mercenários numa tentativa de fuga.
Ressurreição é um filme de impacto visual graças à sensibilidade incomum de Jeunet. Sombrio, como todo filme da série, mas com variedade de ambientes e de criaturas, e muito mais interessante visualmente que o terceiro filme. Outra qualidade do filme é o elenco, que, na sua maioria, está ótimo – cheio de atores cult como Brad Dourif, Michael Wincott, Ron Perlman e o parceiro recorrente de Jeunet, Dominique Piñon. Esses atores vivem figuras mais reconhecíveis e carismáticas do que os prisioneiros do terceiro longa. Além disso, Ressurreição também tem efeitos incríveis e duas sequências que podem se situar tranquilamente entre as melhores da franquia: a evacuação da nave Auriga após a fuga dos Aliens, e a cena em que os heróis precisam atravessar um cenário submerso e são surpreendidos pelas criaturas, que se revelam exímios nadadores.
São momentos de ação e suspense excepcionais, nos quais Jeunet ousa mostrar os Aliens em toda a sua glória. Diferentemente dos anteriores, que mantinham os bichos na penumbra, aqui o cineasta segue por um caminho novo, e esse é mais um dos diferenciais deste em relação aos anteriores. O filme também tem humor – em minha opinião, bem-vindo, depois da depressão do terceiro – e não tem medo de mostrar sangue. Isso leva a alguns momentos bizarros e, claro, outras coisas no filme são meio difíceis de defender, como as atuações de Dan Hedaya (caricato, atuando com as sobrancelhas) e de Winona Ryder (apática), ou a estranha criatura do final, o “Recém-Nascido”, meio mulher meio Alien. Mas de certa forma esse clima insano faz com que Ressurreição seja agradavelmente despretensioso: como os dois primeiros, é um filme de monstro empolgante e visualmente impressionante, carregado de subtextos.
Esses subtextos estão presentes graças à Ripley, o centro humano da franquia. Depois de tantos anos, a personagem e o monstro (e a atriz) se tornaram meio que indissociáveis, e o roteiro de Ressurreição – de autoria de Joss Whedon, hoje conhecido como diretor de Os Vingadores (2012) – torna isso literal ao fazer da Ripley clone um ser meio humano, meio alien. Mesmo assim, ela é a personagem mais humana da trama, e a cena na qual ela destrói seus outros clones, monstruosidades criadas pelos cientistas, é sensacional. Sigourney Weaver está fantástica como sempre, e percebemos que ela está se divertindo a valer com seu retorno à personagem. É assim, modificada por tudo por todas as suas experiências, que ela finalmente retorna à Terra. A sua frase final, “Sou uma estranha aqui também”, representa o encerramento perfeito para a jornada da heroína. Ao final, ela novamente salva a humanidade e recebe uma nova chance, embora também esteja condenada a nunca mais ser realmente humana de novo. É um desfecho bem mais interessante e satisfatório do que sua morte no filme anterior, a meu ver.
Recentemente foi confirmado que a série deve ganhar mais um capítulo nos próximos anos, sob a direção do sul-africano Neill Blomkamp, de Distrito 9 (2009). Será mais um cineasta jovem a deixar sua marca na franquia. Blomkamp, claro, adora os dois primeiros filmes e há indícios de que seu projeto pode ignorar o terceiro e o quarto, sendo uma continuação direta do segundo. Honestamente, não sei se gostaria de ver um novo Alien continuando a história a partir de Ressurreição, pois sinto que ela se esgotou. Talvez fosse hora de criar uma nova heroína e deixar a personagem Ripley descansar para sempre.
Mas trazer Ripley, o Alien e os sobreviventes do segundo de volta é uma ideia que recebo com esperança. Poderemos enfim ter um grande filme da franquia como não vemos desde o longa de Cameron, há quase 30 anos. E Blomkamp poderá ter a chance de nos mostrar um “Alien 3” da forma como deveria ter sido feito nos anos 1990, caso o estúdio tivesse tido mais sensibilidade. Muitos dizem que Alien: A Ressurreição acabou com a franquia. Na verdade foi o terceiro filme que fez isso e, sem dúvida, grande parte do público se sentiu enganada quando foi anunciado que Ripley voltaria à vida por clonagem após a sua morte tão dramática. Isso prejudicou e ainda prejudica a recepção do quarto longa. Mas se os espectadores e fãs olharem com a mente aberta, poderão perceber que Alien: A Ressurreição é digno o suficiente de pertencer à série, uma das mais influentes da história do cinema.
Será uma pena ignorar os filmes 3 e 4, pois mesmo com problemas eles possuem qualidades. Mas para os objetivos de franquia de Hollywood isso talvez seja necessário. Mesmo assim, mantenho meu ponto: o quarto tem muito mais qualidades do que o terceiro e é instrumental em completar a jornada da sua protagonista. Acho que pelo menos eu me lembrarei dele.
Eu não assisti Alien: A Ressurreição.
Só assisti até Alien 3, este é muito fraco na condução da história do meio pro fim.
Vou procurar baixar Ressurreição.
Se forem fazer um novo filme do Alien, é melhor produzirem com novos personagens. A saga da Tenente Ripley, como vc disse, já se esgotou.
Ivanildo, sou fã incondicional de Aliens (nao gosto tanto assim do primeiro), então claro me incluo entre aqueles decepcionados com o terceiro e quarto filmes da série.
Mas ao contrário de você, confesso que me agrada muito toda a idéia por trás de Alien 3. O problema é que ela foi muito mal executada, especialmente em relação a matar a família de Ripley fora da tela (poderiam ter feito isso ao longo do filme, alcançando um impacto dramático muito mais satisfatório) e também nos (d)efeitos digitais que tiraram toda a ameaça e realismo dos monstros (os animatronics usados no primeiro e segundo filmes até hoje parecem reais e assustadores; substituí-los foi um erro fatal).
Apesar desses erros, o desfecho trágico de Ripley me agrada. Gosto muito de como, em determinado momento, ela admite com resignação e pesar que faz tanto tempo que ela enfrenta o monstro que ele já faz parte da sua vida e ela não consegue se lembrar de mais nada antes dele. Já a sequência final é de uma beleza aterradora, em que a heroína, no exato momento em que se atira para a morte, revela o último dos Aliens, que rasga a sua barriga como se ela estivesse dando à luz. E assim, como mãe e filho, finalmente se abraçam para juntos desaparecerem em meio fogo.