Atenção: Esse texto possui spoilers.

Seguindo os passos de Black Mirror e 3%, Altered Carbon, mais uma série original da Netlfix, apresenta um universo distópico repleto de discussões sociais pertinentes. Entretanto, diferente das outras produções, a nova série não apresenta inovação para o gênero de ficção científica, se tornando mais uma a se arrastar durante temporadas a fio.

Altered Carbon se passa em um universo futurista onde a sociedade consegue armazenar a consciência de uma pessoa substituindo seu corpo, podendo viver diversas vidas. Acompanhamos então a trajetória de Takeshi Kovacs (Joel Kinnaman), um mercenário que é acordado após 250 em novo corpo, para manter sua liberdade, ele deve solucionar o assassinato de uma grande figura da elite, Laurens Bancroft (James Purefoy).

A partir desta premissa, outras histórias e personagens se cruzam com Kovacs, tanto novos quanto partes de sua outra vida. Dentre estas interações, destaca-se a policial com descendência mexicana, Kristin Ortega (Martha Higareda), que insiste em cruzar o caminho do protagonista, assumindo sua posição como interesse amoroso. Visto desta ótica, a personagem é bem sucedida ao brilhar sozinha em cenas que compartilha com seu núcleo familiar, e claro, nas cenas de ação.

A série apresenta uma grande quantidade de sequências de luta e direciona muitos efeitos visuais para tais momentos, sendo estes dois recursos inseridos de forma positiva na história. Mesmo com o excesso de ação é possível considerar que os personagens envolvidos foram treinados para este tipo de abordagem. Os efeitos visuais também compõem o destaque crucial para a produção, surpreendendo ao criar universos virtuais, explosões e armas hi-tech, além de ajudar a formar muitos cenários.

Apesar de todas inovações apresentadas, quando se trata de narrativa, a showrunner Laeta Kalogridis opta por escolhas bem comuns. O universo criado é uma grande mistura de filmes como Blade Runner (1982) e Matrix (1999), portanto sua complexidade não é totalmente nova para os fãs do gênero científico, assim é esperada uma trama que permeie estas questões e consiga interagir com as “regras” estabelecidas neste cenário.

Entretanto, os pontos de virada e justificativas utilizadas acabam sendo comuns e relacionáveis a séries de qualquer gênero. Este fator poderia ser positivo para Altered Carbon caso não ficasse restrita à relações pouco exploradas que ignoram o histórico apresentado, como o conflito entre Kovacs e sua irmã Reileen (Dichen Lachman) que acaba permeando a solução da trama, reafirmando o individualismo da menina porém ignorando a cumplicidade entre irmãos de “nunca enfrentar monstros sozinhos”.

Para não esquecer que se trata de uma ficção científica, a série rascunha questões sobre religião versus ciência. Porém, a abordagem para este debate é superficial e se restringe à mesmice de que a ciência defende os avanços tecnológicos e sociais ao passo que a religião é contra.

Acredito eu que este embate esteve presente apenas para cumprir tabela e apresentar uma sociedade cada vez mais fragmentada. Por outro lado, a série consegue mostrar relevância em um discurso além do usual. Devido a utilização de diferentes corpos, ou “capas” como descrito na trama, os indivíduos passam a valorizar muito menos sua estrutura física, assim como a de outras pessoas, o que possibilitou falar sobre prostituição, exploração sexual infantil e violência psicológica, tudo de forma muito superficial.

A regra capitalista atual também vale em Altered Carbon, assim, a parcela mais rica consegue deter serviços exclusivos que prolonguem sua vida enquanto o resto da população depende do governo para conseguir novas capas. Tudo indica que este tipo crítica deve permear também suas próximas temporadas, esperançosamente, de forma mais presente.

Mesmo com um desfecho bem morno, o gancho para a próxima temporada da série ainda consegue ser relevante, prometendo apresentar o protagonista Kovacs em busca de uma personagem de seu passado. O que eu particularmente espero é que a série consiga um desenvolvimento melhor das especificidades que propõe, se apoderando do discurso utilizado e das qualidades vistas até então, porém se essa primeira temporada voltar a se repetir nos próximos anos, a produção não terá marcado minimamente seu espaço como não feito até então.


NOTAS

Efeitos Visuais – 8
Roteiro – 7,5
Elenco – 6


NOTA DO FILME – 6