Diferente de cineastas como Alfred Hithcock e M. Night Shymalan, Alain Resnais nunca apareceu em nenhum de seus 28 longas-metragens. Mesmo sem aparecer em um único take, o mestre francês, entretanto, reservou ser o protagonista para seu último filme: manipulando cada personagem a partir de suas decisões ou fatos sofridos por ele, George mexe com os sentimentos dessas pessoas para colocá-las em conflito com seus dramas internos acalmados pela rotina de casamentos enfadonhos. Um personagem-diretor e diretor-personagem.

Adaptado da peça do dramaturgo Alan Ayckbourn, o filme se passa em um pequeno vilarejo da Inglaterra e começa com a notícia da piora do estado de saúde de George, o qual terá apenas seis meses de vida devido a um câncer. A situação comove um grupo de quatro amigos envolvidos nos ensaios de uma peça de teatro amador e que tentam ajudá-lo de alguma forma. Nisso, os dois casais passam a reviver o passado e começam a enfrentar as crises dos matrimônios. Para piorar, George convida cada mulher dos amigos para passar férias em Tenerife ao lado de Monica, ex-mulher dele que se encontra com um novo amor.

Hábil diretor de atores, Resnais explora a potencialidade do jogo criado por George para dar a seus astros trechos em que possam desfrutar tanto da comédia como do drama. Sabine Azéma, por exemplo, aproveita vários momentos para brincar com o lado mais impulsivo de Kathryn em frases marcantes (“Como dizem nos faroestes, faz tempo que a caravana não passa por aqui” ao se referir à falta de sexo no casamento). Por outro lado, Caroline Sihol busca na introspecção trazer uma mulher infeliz pelas costumeiras escapadas do marido. Isso não impede que ambas transitem entre os dois gêneros, o que permite maior envolvimento do público no universo das personagens através da densidade criada em muitos momentos da trama pelas revelações do passado e inquietações do presente. Diga-se de passagem, o mesmo vale para Michel Vuillermoz com o quase depressivo médico Colin e Hippolyte Girardot no divertido papel de Jack.

A escolha pela teatralidade dos cenários acaba sendo uma reverência de Resnais ao talento de seus atores para que representem da forma mais natural possível, sendo os quintais coloridos e iluminados verdadeiros palcos para as revelações sobre o que acontece dentro das casas escuras e sombrias. Quase sempre posicionada em um ponto estratégico para capturar todos os intérpretes e os jogos de luzes relativos à passagem do dia como se estivesse em um teatro, a câmera se movimenta somente quando necessário de forma cirúrgica. Porém, o diretor não se esquece do cinema e ao usar o close, elemento fundamentalmente da sétima arte, opta-se por um fundo digital quadriculado, como se dissesse a “Amar, Beber e Cantar” a sua verdadeira identidade artística.

Se a história simples e com clichês a cada instante deixa uma má impressão, Resnais, assim como George, vira o jogo pelo controle do universo da trama e de seus personagens. O formato teatral aliada à liberdade com que permite ao elenco explorar as facetas dos personagens seja no drama ou na comédia tornam “Amar, Beber e Cantar” uma das experiências mais deliciosas de 2014 nos cinemas.

NOTA: 8,0