O dia 5 de novembro não é uma data qualquer. Ao menos para os amantes da cultura – e, entre eles, os cinéfilos. No Brasil, a data marca o nascimento do jurista Rui Barbosa (1849-1923), figura fundamental na libertação dos escravos e redator da primeira Constituição da República. Em sua homenagem, 5 de novembro tornou-se o Dia Nacional da Cultura. Para quem gosta de cinema, porém, 5 de novembro marca uma outra ocasião, um momento histórico da nossa filmografia: a conquista da primeira (e única) Palma de Ouro já obtida por um filme nacional: O Pagador de Promessas (1962), de Anselmo Duarte.

Adaptado de uma peça de Dias Gomes, o filme relata o périplo de Zé do Burro (Leonardo Villar), um fazendeiro do interior da Bahia, para pagar uma promessa feita em um terreiro de candomblé. Tentando levar uma cruz até a igreja de Santa Bárbara, em Salvador, Zé conhece toda a sordidez e injustiça da cidade grande, até o final trágico.

O Pagador foi o segundo filme dirigido por Anselmo, num momento em que o cinema brasileiro despontava para o mundo. Além de Duarte, jovens rebeldes e ambiciosos como Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos e Cacá Diegues ajudavam a semear uma nova etapa da nossa filmografia, com filmes mais sérios e engajados na discussãodos problemas do país. O diretor Aníbal Massaini (O Cangaceiro, Pelé Eterno), filho do produtor do longa, Oswaldo Massaini, convidado pelo Amazonas Film Festival a receber uma homenagem pela conquista da Palma, falou ao Cine SET sobre o filme.

Cine SET – Como foi a indicação e a vitória de O Pagador de Promessas ao Festival de Cannes?

Aníbal Massaini – Desde a estreia o filme teve uma repercussão forte com o público e a imprensa. Quando foi decidido que ele seria o representante brasileiro em Cannes, nós fomos ao festival acompanhar, participar do processo todo. Hoje, você olha, os filmes na disputa eram produções fortíssimas, muitas consideradas clássicos do cinema: tinha o Antonioni (O Eclipse), Otto Preminger (Tempestade sobre Washington), Buñuel (O Anjo Exterminador), o júri tinha o Truffaut,etc. E nós estávamos lá, concorrendo junto com eles. Quando teve a primeira exibição do Pagador…, à tarde, a sala estava cheia, havia uma expectativa. E, quando o filme acabou, houve uma ovação, um aplauso forte, pela sala inteira. Quando foi a vez da segunda sessão, à noite, já tinha gente se acomodando no chão. E a recepção foi melhor ainda. A gente olhava um pro outro e pensava: “É, podemos ganhar”. E foi o que aconteceu.

Uma coisa engraçada daquele momento é que uma ligação telefônica, ainda mais para outro país, levava às vezes seis, sete horas, para ser completada. E, por conta dessa expectativa, você pode imaginar a ansiedade que havia aqui no Brasil. Lembro que foi um ano cheio de conquistas, teve a Copa do Mundo, o mundial de basquete, tênis e outras coisas. E o cinema também representava uma vitória importante para o país. Então, quando chegamos, houve um desfile pelas ruas do Rio de Janeiro no carro dos bombeiros, nós carregando a Palma de Ouro como se ela fosse uma taça de campeonato (risos). E era mesmo. Detalhe é que o meu pai e o Anselmo não gostavam de avião e preferiram voltar para o Rio de navio, então foram 40 dias de espera para ver o prêmio!

Cine SET – Tendo acompanhado (e participado da) produção cinematográfica por décadas, o senhor consegue traçar um paralelo entre o cinema nacional de então e o de agora?

Aníbal –Não vejo um paralelo. São situações completamente distintas. Cinema, naquela época, era uma coisa muito artesanal, quase clandestina. O processo era longo, as equipes eram pequenas, tínhamos que nos desdobrar em mil tarefas, a coisa toda era uma dificuldade. Hoje não, os meios de produção, filmagem, edição, essa coisa do digital, do computador, está mais do que difundida. E as cadeias de produção também estão estabelecidas: tem as distribuidoras, tem a internet, tem os festivais, então está muito mais fácil fazer e divulgar os filmes. E é melhor que seja assim.

Cine SET – Qual é o próximo projeto do senhor?

Aníbal – Estou trabalhando numa biografia do meu pai. Vai se chamar Oswaldo Massaini – Uma paixão pelo cinema, e vai falar de toda a trajetória dele, como produtor, como distribuidor, como figura presente e fundamental em diversos momentos do cinema brasileiro. Só que é um trabalho do coração, feito sem nenhuma pressa, então ainda deve demorar pra sair. Aliás, está ficando tão grande que acho que vai virar uma minissérie (risos). Esperem pra ver!