Mesmo após sete anos desde o término da saga “Harry Potter”, a escritora e roteirista JK Rowling ainda é responsável por levar milhares de fãs a prestigiar o mundo bruxo nas telonas. O segundo filme da franquia “Animais Fantásticos” não apenas confirma este feito como também nos faz questionar quais os limites entre a função comercial do cinema e sua capacidade artística, já que o longa definitivamente possui uma mensagem para seu público e uma estética consistente, porém, é incapaz de dissimular a grande pretensão que a trama possui em agradar seus espectadores. Dentre o objetivo de fazer-se interessante e estabelecer uma narrativa para a continuação da saga, “Animais Fantásticos – Os Crimes de Grindelwald” deixa de lado o segundo propósito e apresenta uma história exorbitante e confusa.

O papel de apresentar novos personagens no universo estabelecido pela escritora foi realizado com sucesso no primeiro filme. Assim, Newt Scamander (Eddie Redmayne) e seu dom para lidar com animais peculiares volta para centro da trama juntamente das irmãs Tina (Katherine Waterston) e Queenie Goldstein (Alison Sudol), além do não-bruxo Jacob Kowalski (Dan Fogler). Desta vez, eles tentam manter o órfão Credence Barebone (Ezra Miller) vivo e longe do foragido Grindelwald (Johnny Depp). O vilão possui planos para defender a supremacia dos bruxos sobre humanos comuns, utilizando o poder de Credence contra Alvo Dumbledore (Jude Law), que representa um grande impasse para o objetivo.

Ao colocar o nome do vilão no título, o longa dá indícios de uma constante na história: Grindelwald é um dos destaques realizado de forma competente (como será abordado mais a frente deste texto). Porém, se por um lado, o antagonista ganha espaço, por outro, Newt detém aparições reduzidas: um indicativo disto é a pequena presença dos animais. As figuras não apenas diferenciam a franquia daquilo que foi visto anteriormente em Harry Potter, como também ajudam na construção pessoal do protagonista e suas motivações. Assim, as criaturas mágicas são constantemente utilizadas em soluções fáceis para o roteiro como fugas e roubos, mostrando uma importância que não foi dada em nenhum outro momento do longa.

Além dos animais, os personagens apresentados no primeiro filme ficam ofuscados pela enxurrada de rostos novos trazidos pela trama. Neste caso, o casal Queenie e Kowalski é um dos principais prejudicados: mesmo reduzidos ao alívio cômico, ambos conseguiam dialogar com outras pessoas, porém, desta vez, os dois se envolvem intrinsecamente com o conflito central sem motivações consistentes, deixando questionamentos sobre o relacionamento pelo caminho. Tina também é deixada de lado na maior parte da história e mesmo sua relação com Newt demora para aproveitar os arranjos realizados anteriormente. Já Credence, um dos pontos centrais, ganha a presença de Nagini (Claudia Kim) para auxiliar na busca por sua identidade. Com desempenhos medianos, ambos passam despercebidos por algumas cenas do longa e a personagem é quem sai perdendo, pois sua relevância para a trajetória de Credence não é justificada em nenhuma de suas pequenas aparições, tornando sua presença totalmente descartável neste filme.

Além de Nagini, outros nomes familiares aos fãs de HP também são apresentados com dificuldade a partir de novos personagens. Um deles, Leta Lestrange (Zoë Kravitz), ainda ganha flashbacks para auxiliar na sua construção, porém questões como o envolvimento com Theseus Scamander (Callum Turner) – outra figura inserida de forma superficial – simplesmente ficam sem respostas ou sequer são levantadas durante o filme. Ao final do longa, quando uma dúvida enorme é colocada na cabeça do espectador, percebe-se que apenas Grindelwald possui uma presença conveniente conforme a história avança e o restante cria um acumulado de questionamentos que, esperançosamente, serão respondidos futuramente.


Limitados, porém presentes: pontos positivos

Mesmo com as divergências narrativas, visualmente, o longa consegue criar cenas com a capacidade de impressionar o público e realizar uma imersão no mundo bruxo. Assim como o antecessor, “Os Crimes de Grindelwald” apresenta novos cenários como o Ministério da Magia Francês, que é aproveitado por Stuart Craig, responsável pelo design de produção de outras nove adaptações das história de JK Rowling. A estética do filme destaca-se positivamente ao dar maior imensidão aos cenários propostos e o surgimento de novas cenografias também rende caracterizações que revelam detalhes importantes sobre seus personagens.

De maneira geral, a direção de David Yates consegue criar aspectos que conduzam a história mesmo com as perguntas sem resposta deixadas. Além de reforçar este feito na estética adotada, o diretor também consegue incluir uma montagem inteligente, que prepara bons plots twists mesmo para quem não leu os livros da saga, criando pistas óbvias, porém, funcionais. O ritmo da trama falha apenas na consolidação do terceiro ato e de seu ápice, ofuscado pelas cenas finais reveladoras.

Além do visual, o elenco escolhido também faz atribui boas características para o longa. Redmayne, mesmo disputando espaço com grandes atores, continua como um bom protagonista, sua facilidade em dialogar com diferentes núcleos do filme é um fator muito importante para que exista uma ligação entre cenários adversos. Com o objetivo de mostrar os indícios de poder e autoridade, mas, ao mesmo tempo, rejuvenescer o personagem, Jude Law é uma grata surpresa ao desempenhar o papel de uma figura tão importante para o mundo bruxo como Dumbledore. Da mesma forma, Depp se entrega totalmente como vilão, o que levou muitos espectadores a questionar uma possível…


Redenção de Johnny Depp?

É impossível falar sobre a estreia do filme e deixar de lado a grande repercussão negativa que ocorreu em tornou de Depp como um vilão grandioso para o universo HP. Em 2016, mesmo ano que “Animais Fantásticos e Onde Habitam” revelou nos minutos finais a presença do ator como antagonista, o astro foi acusado de agressão pela ex-mulher Amber Heard. Desde então, a repercussão do ocorrido ganhou diversos capítulos e um deles foi a negação dos fãs ao ator pedindo sua substituição, ação agravada principalmente após o título de destaque ao personagem ser divulgado no final de 2017. Além da recusa contra a figura pessoal, muitos fãs questionaram se Depp estaria apto a entregar uma boa atuação após tantas controvérsias na carreira profissional.

Mesmo com a torta de climão, Depp, ao que tudo indica, está disposto a comprometer-se com a franquia, executando uma parte muito importante para o filme. Apesar de deter um objetivo parecido com o de Voldemort, o modo operante dos dois é bem diferente, exigindo um trabalho redobrado sobre o discurso de Grindelwald, interpretado de forma satisfatória pelo ator. Se esta boa relação com o personagem continuará sendo um dos acertos da saga é difícil prever, porém, é certo sua presença continuará amplamente presente na trama.

Como segundo filme da franquia, “Animais Fantásticos – Os Crimes de Grindelwald” fica longe de ser autossuficiente. Mesmo com a possibilidade de futuras histórias, é preciso que o longa consiga ser bem apresentado individualmente e consolide elementos para as próximas obras. Devido ao roteiro megalomaníaco, a trama incorporou grandes pretensões antes mesmo de aproveitar aquilo que já havia sido construído anteriormente. A esperança é que o extenso número de obras da saga (cinco no total) pode compensar estes erros e até mesmo responder os questionamentos deixados. Considerando ou não os fatos apresentados pelos livros da saga, a produção apresenta diversas falhas narrativas, tornando possível questionar sua qualidade.