“Antes do Amanhecer” seria o idealismo romântico juvenil: dois belos jovens se encontram ao acaso em um trem e decidem passar um dia inteiro em Viena, se conhecendo e expondo seus desejos, sonhos, angústias e, acima de tudo, vivendo o amor puro. Nove anos depois, temos “Antes do Por-do-Sol” que pode ser definido como a esperança para um recomeço sonhado. Tudo a partir de um reencontro inesperado, porém, necessário de duas pessoas relativamente frustadas com o caminho que seguiram.

Agora, o trio Ethan Hawke, Julie Delpy e Richard Linklater traz novamente Jesse e Celine em “Antes da Meia-Noite”, obra menos condescendente com a ideia de amor eterno vista anteriormente. O filme mostra a dureza da vida de casados, como os detalhes da rotina de um casal podem ser armas ou motivos para tomadas de decisões definitivas, o desgaste natural de um relacionamento, a entrega do homem e da mulher em uma relação e como, apesar de tudo, fazer com que o amor sobreviva.

Desta vez, Jesse vive a consequência da escolha de viver com Celine na Europa: a distância do filho Hank, pré-adolescente que vive com a mãe nos Estados Unidos. Durante o último dia de férias na Grécia, o casal debate o rumo da relação, como lidar com essa distância, a criação das duas filhas gêmeas e as perspectivas para o trabalho de cada um.

Sem dúvida, “Antes da Meia-Noite” é o mais duro da trilogia iniciada em 1995. Isso porque, em vez dos jovens que se entendiam mesmo quando pensavam de maneira oposta, aqui a dupla carrega o peso da convivência de uma união perto de completar uma década. Como acontece com tantos casais na vida real, no filme, Jesse e Celine levam consigo uma pequena irritação pelos hábitos ou decisões tomadas pelo companheiro. Seja pela forma de como o personagem de Hawke age quando passa uma mulher, as devorando a cada segundo, ou como Celine brinca com o ódio que a mãe de Hank possui por ela, há uma espécie de desgaste no ar. Detalhes que consomem qualquer tipo de relacionamento, independente do amor que une ambos (e acredite, existe muito ali!).

Tudo culmina na espetacular sequência da discussão entre Jesse e Celine no quarto de hotel. O cuidado do roteiro no desenvolvimento desse momento, com uma naturalidade de puxar os assuntos acumulados ao longo de todo o relacionamento e que, vez ou outra, haviam passado pela tela durante a projeção, impressiona pela dinâmica da conversa. Mesmo com Hawke bem em cena, é Delpy que brilha como em nenhum outro momento da trilogia. Ela consegue misturar racionalidade, raiva, sensualidade, inquietude e até humor (o que são as constantes saídas dela do quarto?), transmitindo toda a tensão daquela cena. Para completar, a fotografia mais escura e a escolha do local são perfeitas, já que contrastam com todos os ambientes mostrados nas obras anteriores e, até mesmo, em “Antes da Meia-Noite”, trazendo um cenário sufocante e fechado, lembrando o drama “Namorados Para Sempre”.

Nós, como público, por termos torcido tanto para que ambos ficassem juntos, não queremos que as coisas desandem. Porém, pela realidade dos diálogos e da inteligência que os dois filmes anteriores sempre trataram o público, como pedir diferente? Os questionamentos sobre amor eterno pairam no filme e a discussão do assunto envolvendo outros personagens que vão além dos protagonistas (fato inédito na trilogia, até então) traz um pouco desse debate tão presente em todos. O belo depoimento da personagem de Xenia Kalogeropoulou sobre como, aos poucos, vai esquecendo detalhes do marido falecido levantam isso.

Novamente apostando em um final ambíguo que deixa você entre ser cínico ou esperançoso, “Antes da Meia-Noite” é uma daquelas obras eternas, clássicas. Com uma história composta apenas por diálogos, humanos e inteligentes, e acreditar na sensibilidade do público, este filme e seus irmãos se transformaram em inesquecíveis, já que ganharam sentido muito maior para todos os que admiram a trama: Jesse e Celine tem um pouco de todos nós e quem viveu/vive um relacionamento amoroso sabe. Da paixão incontrolada aos desejos sufocados até que possíveis e, finalmente, aos desgastes naturais de um casal e a eterna dúvida se o amor será realmente para sempre.

Enquanto Superman, Homem de Ferro e zumbis dominas as telas com correria desenfreada e sem pensamento, temos Linklater, Delpy e Hawke para compensar. O mundo do cinema os agradece!

NOTA: 9,0