O maior desafio para os super-heróis de quadrinhos que migram para o cinema não é salvar o mundo: o desafio é emplacar nas telas e junto à consciência do público frequentador da sala escura. Os personagens da DC Comics vêm sentindo isso na pele desde que os executivos e cineastas da Warner Bros., o estúdio de cinema dono desses heróis, começaram a querer construir nas telas um universo cinematográfico bem estruturado e coeso como o do Marvel Studios, a concorrência.

Ainda não conseguiram: O Homem de Aço (2013), Batman vs. Superman: A Origem da Justiça (2016), Esquadrão Suicida (2016), Mulher-Maravilha (2017) e Liga da Justiça (2017) foram os resultados dessa iniciativa até o momento, mas apenas Mulher-Maravilha foi aceito incondicionalmente pelo público, além de ser o melhor deles, claro. Os demais, embora tenham arrecadado bem nas bilheterias, foram recebidos em meio a muitas críticas, polêmicas e problemas de bastidores.

Agora, chega aos cinemas Aquaman e a redação do Cine Set me perguntou: “Este é o filme que pode mudar o destino da DC Comics no cinema?”. Bem… Tendo visto o filme, percebo que há mais de uma maneira de responder a essa questão: a primeira analisando a obra em si; e a segunda pensando-a dentro de um contexto maior, o do universo do qual ele se propõe a fazer parte. Então, vamos lá…

Em primeiro lugar: a rotina da jornada do herói

Como filme, Aquaman é até uma boa diversão: é bem produzido, com ótimos efeitos visuais – na maior parte do tempo – e bem conduzido pelo talentoso diretor James Wan. O maior desafio da produção – convencer o espectador a não dar risada do mundo subaquático e tudo ao redor do personagem Aquaman –  é superado, de maneira geral, embora alguns momentos bregas e bobos ainda apareçam aqui e ali. E o elenco é absurdamente super-qualificado para a história: Nicole Kidman, Willem Dafoe e Patrick Wilson são todos ótimos atores e tiram de letra o trabalho no filme, enquanto Jason Momoa convence e se mostra carismático interpretando a si mesmo.

O maior problema de Aquaman, o que me impediu de abraçar o filme de fato, é a sensação de que ele é o “peixe da semana”, para ficar em uma metáfora aquática. É uma história que já vimos antes, feita com colchas de retalhos de outras histórias – tem um momento Star Wars, outro Caçadores da Arca Perdida, uma cena vem das lendas arturianas, outra é repeteco de Thor (2011), outra é igual à do Pantera Negra (2018), ambos da Marvel… A essa altura da vida em Hollywood, a jornada do herói já caiu na rotina: depois de meia hora de filme, consegui adivinhar tudo que iria acontecer na história e os roteiristas não fazem nenhum esforço para fugir dos clichês.

Assistir a Aquaman representou um exercício mental fascinante porque consegui adivinhar certeiramente a hora em que o casal protagonista – que se odeia no início! – iria se beijar, ou que uma personagem sumida no começo da trama iria retornar mais à frente. É a escrita padrão de Hollywood, roteiro raso que até uma criança de 6 anos entende, sem nenhuma surpresa. E isso é triste.

Isso abre toda uma possibilidade de reflexão sobre o quanto de vezes Hollywood nos empurra as mesmas histórias e continuamos pagando para ver o que já vimos antes, e como essas produções grandiosas andam previsíveis e enfadonhas. Mas isso não vem ao caso aqui…

Em meio a esses problemas, que são graves, e às qualidades do filme, que existem, chego à conclusão de que Aquaman acaba representando um acerto – mediano – da Warner/DC no cinema. Ainda acho Mulher-Maravilha um filme, como um todo, superior, mesmo com aquele ato final bagunçado. Mas, Aquaman, pelo menos, não envergonha como os outros filmes do universo até agora. Pelo menos, não representou um passo para trás.


Em segundo lugar: Um universo com a luz do sol, enfim

Aquaman é o último filme do Universo DC do cinema ainda a contar com o nome de Zack Snyder nos créditos como produtor-executivo. Dispensado (ou demitido) durante a produção de Liga da Justiça, a Warner/DC, finalmente, se livrou dele e isso tem repercussões na concepção do universo desses heróis nas telas. Snyder, em minha opinião, é o Michael Bay que frequentou uma escola de belas-artes e leu algumas HQs na vida – e mesmo assim, não entendeu o que elas queriam passar.

Ainda sou mais capaz de defender alguns filmes do Bay do que Snyder… É um cineasta de senso estético apurado, mas, bastante incompetente na hora de contar uma história, e ainda por cima dominado por um sentimento “meninão” de querer fazer tudo “sério e sombrio”, e abraçar esta noção foi o grande erro da Warner/DC no cinema.

Tanto que já se podem sentir os ventos da mudança: tirando uma breve menção ao constrangedor vilão Lobo da Estepe, Aquaman é um verdadeiro filme solo, na tradição que sempre funcionou para a Warner /DC. Além disso, é um filme colorido e que não parece ter vergonha das suas origens nos quadrinhos. Nos projetos vindouros para 2019 e 2020, Shazam com Zachary Levin, a incógnita do Coringa com Joaquin Phoenix e a sequência de Mulher-Maravilha, também não deverá haver nenhuma menção ao tal do universo. Deverão ser filmes autocontidos e o público de cinema agradece por isso.

É notório que a Warner/DC deu uma “pisada no freio” nesse projeto de universo, e isso é bom. A pressa misturada com a incompetência narrativa levou aos desastres de Batman vs. Superman e Esquadrão Suicida e, agora, o pessoal do estúdio parece realmente preocupado em ir com calma, estabelecer alicerces e trabalhar com cineastas com visões interessantes, para só bem depois pensar em fazer, por exemplo, um Liga da Justiça 2. Por causa dessa correção de curso, provavelmente perderão Henry Cavill e Ben Affleck como os intérpretes de Superman e Batman – só falta mesmo os atores assumirem que estão fora de vez.

Mas, se esse for o preço a pagar para filmes melhores e um universo melhor estabelecido e que faça justiça, com o perdão do trocadilho, aos grandes mitos da DC, então que seja.  E nesse sentido, Aquaman já representa uma mudança: mais até do que Mulher-Maravilha, ele parece de fato livre das amarras e diretrizes “Snyderianas” e do universo compartilhado, o que abre novas e interessantes possibilidades para o futuro. Ainda não é a salvação de tudo, “o filme para mudar os rumos”. Mas, como fã, ainda dá para manter a esperança.

Só gostaria de um roteiro melhorzinho e menos “clichezento” na próxima vez, tá, Warner/DC? Porque ainda não dá para ficar sem reclamar…