Cinema e política não apenas estão ligados diretamente, como nos últimos anos, o número de filmes que abordam o tema, tem crescido consideravelmente. No Brasil, das últimas semanas, não se fala em outra coisa, senão nos escândalos de corrupção da Odebrecht. Porém, esses tempos loucos em que estamos vivendo de instabilidade política, não se restringem ao país e sim a conjuntura atual do mundo como um todo, onde os elementos politizados fazem parte das rodas de conversas, da discussão mais corriqueira à filosófica.

Nos EUA, o debate acalorado é voltado a questão armamentista, que já alguns anos, se faz presente na sociedade americana, polarizando cada vez mais, o círculo das políticas sociais do país. Armas na Mesa é o filme do momento, a tratar deste assunto polêmico. Apresenta no seu escopo narrativo, um entretenimento instrutivo que funciona como eficiente thriller político na medida certa, em desenvolver elementos relacionados a tensão, ao drama e aos questionamentos morais.

Nele, Elizabeth Sloane (Jessica Chastain, em atuação digna de “quero beliscar” uma vaga ao Oscar) ou Miss Sloane como é conhecida no meio – o nome de “guerra” é responsável pelo título original do longa –  é uma genial e ambiciosa lobista, que se envolve nos debates sobre o controle de venda de armas nos EUA. Abordada para liderar a campanha a favor do armamento por seus chefes, George Dupont (o veterano Sam Waterson) e Pat Connors (o versátil Michael Stuhlbarg), Sloane rejeita a proposta, demitindo-se da agência e migrando para o rival, chefiado por Rodolfo Schimidt (Mark Strong, discreto e eficiente como sempre) onde recebe hercúlea tarefa de defender a aprovação da nova lei. Logo, ela enfrentará o poderoso lobby político do congresso, colocando em risco a sua própria carreira.

Armas na mesa se destaca por criar um fascinante jogo entre a vida dos lobistas e seu elo de ligação com o governo americano e as multinacionais que exercem grande poder no segmento de destruir vidas humanas (armas, bebidas e cigarros). O texto escrito pelo estreante Jonathan Perera se apropria bem do thriller político para acompanhar as disputas de influências, o jogo de xadrez estratégico das relações de poder e a famosa “politicagem” onde os interesses pessoais e a troca de favores, são os caminhos necessários para atingir resultados, mesmo que para isso, você precise apoderar-se de métodos ilegais ou antiéticos.

Nota-se que nesta realidade, onde os lobistas agem como predadores e o mundo dos negócios se transforma em espionagem, chantagens e ações amorais, é semelhante as situações que presenciamos na atual realidade nacional. Entre a potência que é o EUA e um país subdesenvolvido como é o Brasil, o filme mostra que se muda apenas os atores sociais, suas funções e ações no tabuleiro, mas a essência do jogo é a mesma: o desejo pelo poder. Isso é representativo na cena que um enorme boneco de rato é utilizado para representar o político “vira-casaca” que mudou o voto em razão da chantagem sofrida. Não tem como deixar de associarmos a sequência, aos pichulecos presentes nas manifestações políticas dos últimos meses.

É nesta vibe que o filme segue uma postura funcional, ao evitar fazer uma análise sociológica da situação, preferindo ater-se aos jogos de bastidores ao invés de se posicionar a favor de um dos lados da briga. Essa postura mais neutra ajuda na construção de Sloane e sua faceta psicológica, mostrando uma mulher que mesmo empoderada profissionalmente, um exemplo de autocontrole absoluto na área lobista, revela uma faceta frágil na vida pessoal e afetiva como é vista na subtrama que ela se relaciona com um garoto de programa. A duplicidade da personagem nesta realidade predatória denota que mesmo uma pessoa manipuladora e ambiciosa como Sloane, ao conquistar o poder, se torna também refém dos abusos e artimanhas dele.

Neste aspecto, Armas na Mesa não foge de ser um produto formatado para a sempre versátil Jessica Chastain brilhar. Sem ela como protagonista, parte da intensidade e da força do filme, iria se esvaziar. A atriz traduz com perfeição, seja nos gestos corporais, nos olhares e no discurso forte da sua personagem, todas as suas nuances ambíguas. Sua Sloane é a personificação de que os fins justificam os meios e se for necessário explorar colegas do seu trabalho para alcançar as metas, isso não será problema nenhum. Muito desta forte caracterização, parte da atriz que talvez tenha sua segunda melhor atuação carreira depois de O Ano Mais Violento (2014) na qual também interpretava uma mulher manipuladora e ambiciosa em alcançar os objetivos.

Por isso, é uma pena constatar que mesmo com um roteiro sólido na construção do jogo de bastidores e na performance magistral de sua atriz, Armas na Mesa exagera nas reviravoltas do último ato, se perdendo em um drama de tribunal repleto de surpresinhas que praticamente jogam água no combustível da narrativa dinâmica. Parte da racionalidade, desaparece por completo para entregar “uma reviravolta sensacional” que soa fantasiosa demais, um artificio do roteiro em querer surpreender o público, mas que é uma ação equivocada, baseado em uma escolha aparentemente emocional, pautada em uma “lição de moral” que é contraditória com tudo com o que o longa-metragem até então mostrou. Uma manipulação barata que diminui muito o potencial de entretenimento instrutivo da obra. Curioso que em certo momento do filme, o chefe de Sloane a ironiza, questionando que os seus métodos são muito “James Bond”, brincadeira que o filme parece levar a sério nos elementos que fazem parte da sua reviravolta.

A direção de John Madden – mais conhecido pelo vencedor do Oscar de melhor filme de 1999, Shakespeare Apaixonado – é bem elegante, explorando as tensões das relações, através de ângulos e closes que valorizam os rostos de personagem, indicando que nestes momentos de confrontações, as feições e discursos deles são elementos fundamentais para compreender suas ações e sentimentos. No campo das imagens, o diretor se utiliza bem dos cenários e suas profundidades, deixando Sloane em momentos reflexivos isolada no centro ou no canto da imagem, como se a paisagem (o mundo das relações de poder) a devorasse. Vale destacar, o ótimo trabalho de montagem de Alexander Berner que oferece um ritmo dinâmico ao trabalho através de elipses que ajudam a pontuar as passagens do tempo. O uso da montagem em vários momentos, lembra o ótimo A Grande Aposta (2016).

Armas na Mesa não deixa de ser um longa interessante: em mais da metade da sua duração, é um thriller político de suspense eficiente e dinâmico, que envolve o público através dos ótimos diálogos e personagens, trazendo uma discussão relevantíssima para o cenário americano atual – ainda mais com a figura de Trump no poder – e contando com uma atriz inspiradíssima que brilha. Pena que opte por saídas narrativas óbvias e nada verossímeis, que diminuem a urgência e importância do longa, deixando-o apenas na zona mediana de filmes que poderiam ser grandes – potencial não falta, pois tem de sobra.