Conhecida mundialmente como Dama do Crime (Lady of Crime, em inglês), Agatha Christie sempre foi intensa e complexa em suas obras. Quem já teve a oportunidade de ler alguns de seus romances, sabe que é inevitável não se envolver com as tramas profundas e cheias de quebra-cabeças. Embora façam mais de quarenta anos de sua morte, seus livros e obras (até mesmo os mais antigos) ainda permanecem vivos na memória de leitores ávidos. Mas isso não é surpresa. Christie é a romancista mais bem-sucedida da história da literatura popular mundial em número total de livros vendidos – suas obras, juntas, venderam cerca de quatro bilhões de cópias ao longo dos séculos XX e XXI, cujos números totais só ficam atrás do poeta William Shakespeare e da Bíblia.

Entre os setenta e dois romances que ela escreveu, trinta viraram filmes. Uma filmografia extensa, revelando seu papel valioso para contar histórias dentro do cinema. Sua obra de 1934, o Assassinato no Expresso do Oriente, foi mais uma vez adaptado para os cinemas esse ano, revivendo o detetive Hercule Poirot em mais uma aventura cheia de mistério quando um passageiro é encontrado morto no trem, fazendo com que Poirot tenha que peneirar um grupo excêntrico de suspeitos para encontrar o assassino.

O filme, dirigido por Kenneth Branagh (que também atua como o protagonista) é um remake da versão de Sidney Lumet, lançado em 1974. Uma obra clássica do cinema, que rendeu a Ingrid Bergman o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por interpretar Greta. O filme de Lumet é um saboroso exemplo de puro entretenimento escapista feito com um mínimo de estilo, inteligência e elegância, suntuosamente montado, criativo e artisticamente dirigido e maravilhosamente fotografado. O novo parece inferior e totalmente desnecessário para 2017. Um remake tecnicamente bom, mas que não chega a suntuosidade do filme de 74.

Falar de remakes é sempre um assunto complicado e, que de certa maneira, acabam se tornando tabu dentro do cinema. Isso porque há (e sempre haverá) discussões sobre a qualidade e a justificativa de refazer clássicos já consagrados na indústria cinematográfica. O que nos leva à reflexão sobre o porquê de reviver o que já foi explorado de maneira brilhante e tentar refazê-lo apenas pelo hype da tecnologia em favor do cinema. O assunto é complexo e fica para outro texto. Por ora, vamos deixar os remakes para os filmes de heróis, que só parecem querer lucrar com os títulos repetidos até a exaustão.

Embora, o filme de Kenneth Branagh possa parecer desnecessário, ele é correto em todas as características que possam construir um filme contemporâneo, inclusive em seu conteúdo emocional. O Assassinato no Expresso Oriente resgata o mesmo sentimento de ler os livros de Christie, criando envolvimento do público com a trama – faz parecer que o espectador está numa viagem através da história. É como imaginar as palavras saindo das páginas do livro e ganhando forma em imagem e som. Isso, em parte, é um triunfo da tecnologia, possibilitando uma criação maior de conteúdos que outrora não foi possível.

Isso se destaca na fotografia do filme, que foi gravado em parte na película de formato 65 milímetros, o que oferece um tipo particular de resolução, dando a impressão que o filme é maior, mais cheio e com planos maiores. Isso foi uma técnica inteligente para um filme que se passa quase inteiramente em um trem. A fotografia realizada pelo Haris Zambarloukos dá poder aos detalhes e as ornamentações, que também se aproveita do C.G.I. (efeitos especiais), fazendo um casamento do digital com o analógico. Toda essa mágica na fotografia dar riqueza e cria imagens opulentas de paisagens de tirar o fôlego.

Como na adaptação do Lumet, o trem também está cheio de estrelas. Michelle Pfeiffer, Judi Dench, Willem Dafoe, Penélope Cruz, Derek Jacobi e rostos mais novos como Daisy Ridley e Leslie Odom Jr., preenchem a lista. Johnny Depp, que é conhecido por fazer algumas escolhas excêntricas na elaboração de seus personagens, não decepciona (necessariamente) no papel da vítima do assassinato, Edward Ratchett. Imbuindo aquele personagem desagradável com os mais delicados maneirismos gângster, Depp lembra um ator ruim tentando tirar o máximo de sua primeira grande chance nos filmes.

Além disso tudo, o filme cria uma energia animadora. Um sentimento de excitação sobre o que deve acontecer até o final da trama e faz lembrar sobre a infância. Os famosos jogos de tabuleiro de detetive onde nada parece fazer sentido – quando cada pessoa tem que adivinhar quem é quem dentro das mais variadas personalidades pré-determinadas. O papel do detetive tem bastante relevância na infância e filmes como esses revelam um ar de esperança, em que o bem sempre vence o mal. São reflexões que testam o imaginário e fazem levar os detetives aos limites da simbologia.