Paddington é um sujeito meio atrapalhado, mas é educado e tem um bom coração. É também um urso inteligente e falante… Trata-se de um personagem criado pelo escritor Michael Bond que é astro de uma série de livros que vêm sendo publicados desde o final dos anos 1950. Paddington é adorado pelas crianças inglesas e agora chega ao cinema numa produção que mistura atores com ursos e alguns outros bichos animados por computador. É um filme simpático e muito britânico, mas prejudicado por alguns problemas.

As Aventuras de Paddington começa com um divertido prólogo em preto-e-branco, como um velho cinejornal, mostrando a viagem de um explorador inglês até as selvas do Peru (!). Lá ele conheceu um casal de ursos inteligentes e prestativos. O explorador apresentou a marmelada aos ursos e lhes prometeu que seriam bem vindos se um dia visitassem a Inglaterra. Anos depois, os ursos têm um jovem filho, e um acontecimento inesperado e trágico o coloca no caminho para o velho Reino Unido.

Quando o urso chega à estação de trem em Londres, curiosamente ninguém presta atenção nele (ah, esses ingleses…). Só depois de um tempo é que ele é notado pela família Brown, que se apieda da sua situação. Eles o batizam de “Paddington”, o nome da estação, e o levam para casa com a intenção de lhe abrigar apenas temporariamente… Mas aos poucos o urso os conquista, ao mesmo tempo em que começa a sua busca pelo velho explorador. Porém, há alguém no encalço de Paddington, a misteriosa Milicent (vivida por Nicole Kidman), uma notória taxidermista que adoraria empalhar o pobre urso peruano…

Dirigido por Paul King, As Aventuras de Paddington investe no visual para criar uma experiência interessante e encantadora para as crianças. A direção de arte do filme concebe ambientes repletos de detalhes e que dizem algo sobre os personagens do filme: por exemplo, os quartos de cada membro da família Brown refletem a personalidade de cada um deles. A menina Judy (Madeleine Harris) tem um quarto cheio de fotos, mostrando o quanto a imagem é importante para ela, enquanto o do menino Jonathan (Samuel Joslin) reflete o seu interesse pelo espaço e por ciências. O visual dos cômodos e a apresentação da família lembram os trabalhos de Wes Anderson – a movimentação de câmera, para cima e para baixo, enfocando os quartos e os andares da casa, parece ter sido inspirada pela abertura de Moonrise Kingdom (2012).

Há também várias piadas visuais inspiradíssimas – uma envolve um daqueles chapéus peludos dos guardas reais britânicos, outra envolve um carro que parece um táxi, mas é um veículo de “taxidermia”… Outro momento legal é aquele que insinua uma amizade diferente entre o velho explorador e um boxeador, mas esse talvez as crianças não percebam.

Porém, em se falando do aspecto visual, o mais importante elemento de As Aventuras de Paddington é o próprio Paddington. Neste caso, a animação do urso não é inteiramente realista e convincente – em alguns momentos desperta lembranças do pavoroso Zé Colmeia criado via computação gráfica há alguns anos. Porém, essa estranheza é usada a favor da história em grande parte do tempo, e o urso Paddington se torna aos poucos mais cativante ao longo do filme.

Ajuda também o fato do filme cercar seu herói peludo com alguns grandes intérpretes britânicos, contentes em servir como apoio para o bicho. A produção traz Hugh Bonneville, divertido como o senhor Brown; Sally Hawkins como a senhora Brown; Imelda Staunton como a divertida vovó Brown e Peter Capaldi como o estranho vizinho da família. A voz de Paddington ficou a cargo de Ben Whishaw, após a desistência de Colin Firth quando o filme já estava em pós-produção.

Porém, aqui cabe um aparte. Teria sido bom ter visto o trabalho desses grandes profissionais na sua plenitude, mas como quase todas as produções cujo público-alvo é o infantil, As Aventuras de Paddington foi lançado no Brasil dublado em português, e foi assim que assisti ao filme. Dublagem sempre implica numa modificação terrível nas características técnicas e artísticas de um filme, mas pelo menos pode ser feita de forma competente e profissional. Porém, isso não ocorre aqui. Enquanto os demais personagens foram dublados por veteranos da produção – a voz de Nicole Kidman, por exemplo, ficou a cargo de Miriam Ficher, dubladora tradicional da atriz – a voz mais importante, a do urso Paddington, por algum motivo incompreensível, é do comediante Danilo Gentili. Talvez um dia algum executivo de marketing apareça para explicar se as vozes dessas “personalidades” da TV, que nem dubladores profissionais são, conseguem realmente atrair publico para as salas de cinema. Enquanto isso não acontece, continuamos reclamando.

Para ser justo, já vimos trabalhos de dublagens piores que o de Gentili aqui. Percebe-se que ele optou pela discrição, talvez para não comprometer o filme. Mesmo assim, também é nítido que Gentili nem se preocupou em pelo menos atenuar seu forte sotaque, e toda vez que ouvimos o pobre Paddington falando sobre como gosta de “maRRRmelada” ou sobre o sanduíche que guarda para “emeRRRRgências”, saímos do filme. Na versão dublada, o urso não se torna inglês ao fim da história, ele começa e termina paulista! Já o abrasileiramento de algumas piadas foi felizmente mantido ao mínimo, mas ainda é possível ouvir referências tolas ao Flamengo ou ao Corinthians capazes de produzir caretas ao invés de risos.

Dublagem à parte, As Aventuras de Paddington tem outros problemas pontuais. O roteiro é meio bobo em alguns momentos e busca o riso de maneira fácil e rasteira, como na cena em que Bonneville se veste de mulher na Associação dos Geógrafos (outro belo cenário), ou na desnecessária cena de ação com Paddington “voando” nas ruas de Londres com um guarda-chuva.

Entre erros e acertos, As Aventuras de Paddington acaba sendo um razoável entretenimento para crianças e adultos. O longa parece tentar emular o estilo e o tom do sucesso O Pequeno Stuart Little (1999), porém o filme do ratinho era mais encantador e melhor resolvido tecnicamente, com efeitos visuais melhores. Em todo caso, é possível se divertir com esse curioso personagem – e, obviamente, a diversão seria maior se pudéssemos ouvi-lo falar com seu sotaque britânico.

 Nota: 5,5