Apesar do apelo pop e do marketing massivo que a terra de Mickey Mouse exerce sobre o imaginário cinéfilo da animação devido dois monstros sagrados (Pixar e Dream Works), pode-se dizer que já algum tempo, existe vida inteligente fora da América do Norte. Um bom exemplo disso é A Bailarina, a nova animação do estúdio francês Gaumont – um dos mais antigos do mundo, responsável por Fantasmagorie, curta-metragem de animação dirigido por Émile Cohl em 1908 – que oferece diversão, encantamento e uma história que apesar de soar clichê, emociona pela forma ágil como vende sua mensagem da busca eterna da realização dos sonhos.

A animação é ambientada na Paris do século XIX e apresenta a história de Félicie (dublada por Mel Maia na versão nacional e Elle Fanning no original) uma órfã que tem o sonho de ser uma grande bailarina. Junto com o amigo Vitor que sonha ser inventor, ambos fogem do orfanato em que vivem e vão para Paris. Na cidade das luzes, Félicie assume a identidade de outra pessoa, conseguindo uma chance na Grand Opera. Enquanto tenta realizar sua paixão pela dança, a garota conhece Odette, a faxineira da Ópera que passa ajudá-la na busca pelo objetivo.

A Bailarina não apresenta nenhuma novidade em comparações a outras animações, contudo, é uma história tão bem contada que a produção dirigida e roteirizada pela dupla estreante Eric Summer e Eric Warin (responsáveis técnicos da animação As Bicicletas de Belleville de 2003) funciona em proporcionar ao público, uma emoção genuína graças sua habilidade de trabalhar os diversos estereótipos clássicos da animação. Pode-se dizer, que segue a mesma fórmula narrativa do recente Star Wars, O Despertar da Força, de revisitar o passado para atualizar suas ideias clássicas em um formato mais dinâmico e reverenciador.

Praticamente a animação francesa bebe na fonte dos clássicos contos de fadas de princesas.  O seu diferencial é que o texto adapta estes diversos elementos relacionados a castelos e reinos mágicos, para o contexto urbano, mantendo a magia da história, porém, a adaptando para o mundo do balé e da ópera, transformando a órfã Félicie em uma Cinderela às avessas em busca do sonho (que não envolve casar com um príncipe encantado) de ser bailarina. Neste aspecto, a animação é bem envolvente, pois, foge do óbvio de apresentar a clássica personagem feminina ingênua, até porque Felice mostra personalidade forte, aventureira e determinada em perseguir suas reais convicções. De certa maneira para a personagem, encontrar a sua real identidade como mulher – afinal ela nunca conheceu os pais – é através do seu desejo de ser bailarina, responsável em catalisar o processo de amadurecimento e autodescoberta. É uma mensagem bonita que ilustra que sonhos e arte são ferramentas interessantes para nós situar no mundo que vivemos.

Aqui, neste ponto, a obra apresenta o seu “real” coração de encantamento e que traduz todo o seu charme: a busca pelos nossos sonhos e de nunca desistir frente as dificuldades. Os Eric´s pontuam estes aspectos já manjados nas animações com muita elegância e charme dentro da sua narrativa. Acompanhar a trajetória de Félicie nas suas peripécias se torna bem divertido, não apenas para o público infantil como adulto, deixando uma bela mensagem principalmente para as crianças, que nossos desejos são passíveis de serem transformados em realidade, sem ser necessário passar por cima da vontade dos outros – o roteiro deixa claro que até as ações negativas da nossa heroína, passarão por um julgamento moral e ela terá que refletir sobre suas atitudes.

Se o texto é redondinho na sua proposta de lição de moral, ele também é sagaz em oferecer boas doses de humor de qualidade, através da figura de Vitor e seu desejo de ser inventor e nas cenas de treinamento de dança de Félicie realizado por Odette que trazem o gosto da nostalgia por lembrar o clássico Karatê Kid, onde o Senhor Miyagi utilizava ensinamentos um tanto quanto ortodoxos para Daniel San aprender.

Vale ressaltar que não é apenas no seu jeito de contar a história, que A Bailarina se destaca. Tecnicamente é uma animação que salta aos olhos. Os cenários parisienses criados e os movimentos de dança são de uma beleza estética admirável – a sequência que Félicie dança e canta em um Pub é ótima neste aspecto. As imagens coloridas que evidenciam os traços clássicos e rebuscados da animação, fogem do padrão moderninho dos desenhos da Disney. Para completar, vê Paris na sua época histórica, da construção da Torre Eiffel e da Estátua da Liberdade – o seu inventor Gustave Eiffel é citado várias vezes – juntamente com música clássica, balé e ópera, deixam tudo isso, mais encantador.

Mesmo valorizando o estilo clássico, a dupla de diretores inova de certa forma ao utilizar canções modernas como de Demi Lovato e Kate Perry em cenas pontuais, deixando a animação fluir sonoramente entre o antigo e o moderno. É claro que a produção apresenta suas limitações: o roteiro previsível e óbvio, não permite que o filme traga surpresas ou novidades ao gênero. Além disso, o texto deixa vários pontos em aberto como o passado de Oddete e os sonhos que Félicie tem com a mãe, lacunas que mereciam um tratamento mais adequado.

Fora isso, A Bailarina é uma animação encantadora, simples e divertida que aproveita bem os estereótipos dos contos de fadas para criar uma história que mesmo previsível, é envolvente. Não inventa a roda, mas é gracioso em modernizar o enredo dos contos de fada, ainda que mantenha o charme original. Um programa descompromissado para qualquer faixa etária, principalmente para as pessoas que andam com o coração um tanto quanto gelado, terão uma boa oportunidade de descongelá-lo.