Aldemar Matias é, certamente, um dos nomes mais conhecidos e respeitados por quem se interessa em audiovisual no Amazonas.

Caracterizado por demonstrar uma raríssima capacidade de encontrar grandes personagens em lugares prováveis e improváveis, e tirar deles um conteúdo extremamente rico e interessante, Aldemar tornou-se respeitado na televisão e no cinema, com a sua marcante competência em trabalhos no Amazon Sat e TV Cultura, além de documentários e videoclipes que demonstram todo o seu talento como A Profecia de Elizon e Parente, filme vencedor do 8° Amazonas Film Festival, além do famoso clipe da banda Tucumanus, quando estes estavam se apresentando em Nova York.

Nos últimos anos, Aldemar tem parado pouco em Manaus. Está sempre viajando por lugares diversos do mundo, e isso claramente exerce papel marcante em seu trabalho, que claramente faz com a cultura que está sendo abordada se torne universal, e interessante de ver para qualquer pessoa de qualquer lugar.

Atualmente, ele está em Cuba, fazendo um curso sobre documentário na mundialmente famosa Escola Internacional de Cinema e TV de Santo Antonio de Los Baños, além de já ter feito no ano passado um curso de direção de atores na mesma escola.

Confesso que me senti muito feliz ao entrevistar este jovem e experiente cineasta, primeiro por considerá-lo, junto com Sérgio Andrade, o nome mais talentoso do audiovisual amazonense, e também por saber que ele tem muito a contribuir com as suas opiniões. Nesta conversa falamos sobre variados temas, de Oscar a Amazonas Film Festival, de Globo Filmes a cinema latino-americano, em um papo inteligente e divertido, exatamente da maneira como Aldemar Matias é notabilizado.

Cine Set – Consegue dizer de que forma começou o seu interesse por cinema?

Aldemar Matias – Nunca fui cinéfilo, nem nunca sonhei ser cineasta. Foi paixão à, pelo menos, segunda vista. Comecei a trabalhar com publicidade aos 17 anos e logo me interessei por TV pela liberdade criativa que me oferecia. Aos 19, virei repórter de entretenimento/cultura e esse foi meu verdadeiro laboratório de audiovisual. Cobri de campeonato de judô a show de rock ao vivo. O cinema (mais precisamente, o documentário) veio mesmo como uma necessidade de trabalhar certos temas com um ritmo e uma abordagem que a TV não permitia.

Cine Set – Você é considerado atualmente um dos grandes nomes do audiovisual amazonense pelos seus trabalhos em não-ficção. Por que você escolheu este caminho? Tem vontade de trabalhar com ficção?

Matias – Ainda tem muito chão pela frente pra eu ser considerado grande nome em qualquer coisa.Eu sou fascinado pela direção do não-ator. E não tô falando do ator que não tem formação, é recrutado para um filme e passa por uma preparação de elenco. Digo o não-ator mesmo. O personagem de um documentário ou de uma reportagem que não tem cachê, nem compromisso de participar da tua obra. O trabalho de reconhecer um bom personagem, convencê-lo a deixar ser filmado e conseguir registrar a autenticidade desse cidadão é muito complexo e estimulante. Fora a adrenalina de tomar decisões instantâneas com os já previstos imprevistos. Com ficção o ambiente todo é muito mais controlado e a equipe é maior. Mas claro que também tem seus desafios e dá curiosidade de experimentar essa área. Ainda não sei quando. Stanislavski que me ajude.

Cine Set – Com Cachoeira e A Floresta de Jonathas de Sérgio Andrade, e com Parente, de sua autoria, o cinema amazonense ganhou destaque não apenas nacional, mas internacional. Você acredita que isso é um processo que tende a crescer, ou pode ser visto como apenas um fenômeno momentâneo e esporádico, que talvez não crie uma reação em cadeia?

Matias – Qualquer coisa que envolva Amazônia é altamente “exportável”. No cinema não é diferente. A gente tem essa vantagem de já existir um interesse especial em tudo o que a gente faz. A nossa produção tem melhorado e o que é bom ganha visibilidade. Isso é uma consequência natural. Mas é preciso atacar em outras janelas de exibição também. Por exemplo, na internet, com webséries.

Cine Set – Que nomes você cita como os principais expoentes atuais do cinema amazonense?

Matias – Estive fora do Brasil durante quase todo o último ano e não tive acesso a tudo o que foi produzido recentemente. O Sérgio (Andrade) entendeu bem o caminho dos editais e leis de incentivo e tem uma capacidade incrível pra formatar e vender projeto. Como diretor, estou curioso pelo próximo trabalho do Rafael (Ramos). A Segunda Balada é uma obra muito sensível, com um ritmo delicado de conduzir. O Léo (Mancini) é um sacana! No bom sentido, claro. Ele tem um sarcasmo afiado que me interessa. Mas o mercado não é feito só de diretores. O casal Yure Cesar e Rachel Lyra (diretor de fotografia e produtora) estão de olho nas mentes criativas e sempre abertos a parcerias com a 602. Há de se falar também de caras como o Marcos Tupinambá, que tem trabalhado na produção de vários filmes gringos que vem pra Amazônia. Nem sempre é fácil conseguir um cargo mais estratégico e menos braçal nesses times. O Marquinhos tem realizado esse feito.

Cine Set – Atualmente você está em Cuba, e aí fez um prestigiado curso de audiovisual, junto com alguns nomes locais. De que maneira isso contribuiu para você?

Matias – Há quem diga que pra ser um bom cineasta não precisa estudar. Eu acho que formação acadêmica não faz mal a ninguém. Pelo contrário. Ainda mais aqui no formato da EICTV (Escola Internacional de Cinema e TV de Santo Antonio de Los Baños). Vim pra cá no fim do ano passado para uma oficina de Direção de Atores. Chegando aqui, descobri a possibilidade de estudar um semestre do curso regular de Documentário. Fui pra Manaus, deixei o Nova Amazônia (programa veiculado pela TV Brasil que eu estava apresentando) e voltei pra cá um mês depois. Estou numa turma com 8 pessoas e ninguém é do mesmo país. Tem de inglesa-hindu a uruguaio. A seleção dos professores segue a mesma linha. No mesmo mês tivemos aula de cine direto com a documentarista francesa Claire Simon e de cine experimental com o canadense Philip Hoffman. O aluno absorve essa combinação de olhares e se sente preparado como profissional pra lidar com os contextos mais diversos.

Cine Set – De que forma você acredita que o curso superior de cinema na UEA irá interferir na produção audiovisual amazonense?

Matias – Irá interferir diretamente na quantidade e na qualidade de filmes. Há cineastas geniais que nunca estudaram o ofício, mas como eu disse anteriormente, acredito muito na formação acadêmica. Estou curioso pra saber como será a estrutura do curso, como será feita a seleção dos professores e, claro, o que a primeira turma vai produzir.

Cine Set – O que é bom e o que precisa melhorar no Amazonas Film Festival?

Matias – A categoria de filmes amazonenses é um aspecto especial desse festival. É uma janela muito importante pra quem está fazendo cinema na região. Quanto às melhorias, já estão acontecendo há um tempo. A chegada da Patrícia Martin na organização deu uma identidade mais latino-americana ao evento. É interessante ver, por exemplo, o que está sendo rodado na Amazônia peruana ou assistir a uma co-produção Argentina-Brasil.

E acho que deveria voltar a categoria de documentário internacional que foi extinta.

Cine Set – Durante o Amazonas Film Festival, crianças que fazem parte do projeto Jovem Cidadão são levadas para ver os filmes, mesmo que, em sua maioria, demonstrem não ter muito interesse neles. O que você pensa a respeito disso?

Matias – É natural. Eu, você e as crianças do Projeto Jovem Cidadão fomos criados audiovisualmente pela novela. É uma formação muito forte que a maioria de nós brasileiros somos especialistas mesmo sem querer. Fazer despertar o interesse pelo cinema não é fácil. Acredito no hábito. Essa molecada não pode ver filme bom só uma vez por ano. Não sei como funciona atualmente o projeto, mas as exibições nas escolas deveriam ser pelo menos semanais, algo à parte do festival. Assim como um profissional não é formado num curso de uma semana, um bom espectador também não é formado com uma semana de exibição de boas obras.

Cine Set – Muito se fala sobre o cinema que acontece fora dos Estados Unidos. Em qual país, ou região, há, atualmente, o cinema que mais te interessa? Por quê?

Matias – Não à toa, sou fã do novo cinema latino-americano. Gosto do mexicano Alamar, do Pedro González Rubio. Do colombiano El vueco del cangrejo, do Oscar Ruiz Navia. E acompanho o trabalho das diretoras Claudia Llosa (Peru) e Lucrecia Martel (Argentina). Não sei se existe lugar no mundo mais fértil de histórias do que a América Latina e eu tenho me interessado bastante pela abordagem dessa nova geração de diretores, principalmente os que mesclam ficção e documentário. Tenho como referência forte pro tipo de filme que eu quero produzir.

Cine Set – Você acompanhou o Oscar? Pra que filme torcia?

Matias – Acompanhei meio na farofa. Assisti aqui na cafeteria da EICTV com pelo menos 30 pessoas em volta. Não vi todos os filmes indicados mas gostei do Oscar de melhor diretor pro Ang Lee por As Aventuras de Pi. É um diretor muito sensível e ousado. Mas confesso que não sou muito fissurado na premiação. Sofri a primeira desilusão quando tinha uns 13 anos e, na primeira cerimônia que assisti, vi a Gwyneth Paltrow ganhar o Oscar de melhor atriz com a Fernanda Montenegro concorrendo na categoria por Central do Brasil. Não dá, né?!

Cine Set – Qual a sua opinião sobre os editais e políticas de incentivo para filmes?

Há pouco tempo aconteceu uma discussão pública entre Kléber Mendonça Filho, diretor do premiado O Som ao Redor, com Cadu Rodrigues, diretor-executivo da Globo Filmes, em que o cineasta pernambucano deixa clara a sua insatisfação sobre a forma como a empresa monopoliza o cinema nacional. De que forma você avalia o momento do cinema brasileiro?

Matias – Vou responder 2 em 1, ok?!

Existe a Globo Filmes, que é uma empresa e, como toda empresa, quer lucro. E o que dá lucro, ou seja, o que faz uma quantidade significativa de brasileiros pagarem um ingresso pra entrar no cinema é o filme-novela, com raras exceções. E como toda empresa que quer lucro, eles vão fazer o máximo para que os produtos deles sejam os mais consumidos. Todo esse processo é compreensível num contexto capitalista, certo? Daí no outro extremo está o sistema de editais e leis de incentivo, que tem suas falhas, mas é o grande responsável pela produção brasileira autoral do momento. Esses filmes são financiados indiretamente com dinheiro público, ou seja, não há um compromisso forte de gerar lucro com bilheteria, pois o filme já sai pago antes de entrar na sala de cinema. Isso fez com que o mercado brasileiro não desenvolvesse um bom sistema de distribuição.

Os protestos deveriam estar mais concentrados na invasão de cópias gringas do mesmo filme em salas brasileiras. Por exemplo, em Manaus, uma capital com 2 milhões de habitantes, tem época que metade das salas está ocupada por Crepúsculo 8 e a outra metade por Velozes e Furiosos 15. Daí resta uma sessãozinha na quarta, às 16h. Acho isso mais problemático que o suposto monopólio da Globo Filmes.

Cine Set –  Dos trabalhos que você já fez, qual gostou mais?

Matias – Eis a pergunta impossível de responder. Tenho uma produção muito maior em TV do que em cinema. Mas cinema sempre ganha mais destaque porque tem tapete vermelho, tem prêmio, essas coisas… Por isso prefiro citar outros trabalhos paralelos em vez de um curta-metragem. Fiz um videoclipe (She’s Drunk – “How I Felt”. Tá no Vimeo.) em Berlim no ano passado que me deixou bem contente. Conseguimos materializar o conceito de música-consumo/música-descartável num projeto intrigante e bem-humorado.

Cine Set – Já tem próximos projetos? Conta pra gente do que se tratam.

Matias – Em junho, dirijo um documentário rodado na Sierra Maestra, aqui em Cuba. Mas nem eu sei dos detalhes ainda! Mais pra frente eu conto!

Cine Set – Pra finalizar, uma pergunta bem sacana. Qual o seu cineasta favorito?

Matias – Pedro Almodóvar. Porque ele consegue dar veracidade às histórias mais absurdas e nos fazer compreender (e torcer por) os personagens mais complexos.