Enfim, ele chegou: se parece que demorou uma eternidade para Batman vs. Superman: A Origem da Justiça chegar aos cinemas, é porque demorou mesmo. O projeto foi anunciado ainda em 2013, poucos meses depois do lançamento do novo Superman nas telas, O Homem de Aço. As filmagens ocorreram em 2014. Quando parecia que o filme seria lançado em 2015, o estúdio Warner Bros. resolveu adiar a coisa toda, para fugir de um ano muito movimentado e para, supostamente, ter mais tempo para trabalhar e refinar a produção. Só agora, em março de 2016, é que o tão aguardado filme que reúne os dois maiores ícones da DC Comics será finalmente lançado.

Mas… e se eu dissesse que essa espera foi até mais longa do que isso? Tanto que até virou piadinha dentro da Warner… Ora, é possível ver um pôster fictício do encontro de Batman e Superman no começo de Eu Sou a Lenda (2007), do próprio estúdio, na cena em que o herói de Will Smith percorre a Times Square vazia de carro (clique aqui para assistir). Aquela cena se passava num futuro próximo, e na nossa realidade, dentre os nomes cogitados para dirigir a produção estavam Wolfgang Petersen, McG e Brett Ratner. Entre os atores pensados para dar vida aos heróis, estavam Josh Hartnett para Superman e um certo Christian Bale para Batman…

As coisas sempre foram difíceis de sair lá na Warner – é possível escrever um livro sobre os filmes de super-heróis que eles não fizeram ao longo das décadas. Mas, agora que este Batman vs. Superman do diretor Zack Snyder vai finalmente realizar (espera-se) um sonho dos fãs, vamos relembrar um pouco das trajetórias de ambos os personagens nos cinemas. Essas trajetórias seguiram caminhos parecidos por um tempo, depois se distanciaram, com um herói alçando voo e o outro relegado ao chão duro e frio. Mas o herói a alçar voo não é aquele no qual você está pensando…

As origens

Batman e Superman são os vovôs dentre os super-heróis de quadrinhos. O Homem de Aço veio primeiro: foi criado em 1938 pela dupla de nerds Jerry Siegel e Joe Shuster. Os judeus filhos de imigrantes criaram a maior história de imigração possível: o Superman era o último sobrevivente do planeta Krypton, enviado à Terra para viver e ajudar a humanidade. Foi o primeiro super-herói de fato e milhões de pessoas em todo o mundo se encantavam com seus feitos: ele podia levantar carros, saltar (e depois voar) e era à prova de balas. Siegel e Shuster, porém, viram sua criação render milhões sem ter direito a quase nada, e morreram pobres. Até hoje seus descendentes processam a Warner/DC pelo dinheiro do Superman.

Um ano depois, a editora National Allied Publications, que mais tarde viria a se tornar a DC, quis repetir a dose e pediu ao roteirista Bob Kane a criação de um novo personagem. Junto com o ilustrador Bill Finger, ele criou um herói que seria uma antítese do Superman. O Batman seria um combatente do crime inteligente, com recursos tecnológicos à disposição, mas um homem comum, no fim das contas: o milionário Bruce Wayne, que viu seus pais serem mortos por um marginal quando criança. Enquanto o Superman representava a esperança e agia à luz do dia, o Batman atuava à noite, inspirando medo no coração dos bandidos.

Nas HQs, Superman e Batman já discordaram várias vezes quanto aos “métodos” de combate ao mal. Mas a mais conhecida treta entre ambos ocorreu na revolucionária minissérie O Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller. O autor retratou um Batman sessentão que voltava à ativa num mundo futurista e caótico e o Superman, então um agente da política imperialista americana, confrontava o antigo aliado. Até hoje as cenas desenhadas por Miller provocam arrepios em qualquer fã de quadrinhos, e o filme de Snyder usa o visual da icônica minissérie como base para o duelo épico.

Ambos os heróis, junto com a Mulher Maravilha, formam a “santa trindade” da DC Comics, os três pilares do universo da editora.

Nas telas

Como alguns dos primeiros super-heróis, Superman e Batman também estiveram entre os primeiros a migrar para outras mídias. Nos cinemas, ambos estrelaram serials de sucesso – os filmes de aventura em capítulos – na década de 1940. E na TV também se tornaram icônicos: o Superman foi vivido por George Reeves nos anos 1950 e o Batman por Adam West na colorida série dos anos 1960.

Então começaram as franquias cinematográficas dos personagens. O Homem de Aço estrelou quatro longas, começando pelo clássico Superman: O Filme (1978), revelando para o mundo o ator Christopher Reeve. Ele foi o coração da série, mas as continuações ficaram cada vez piores, até culminar no horroroso Superman 4: Em Busca da Paz (1987).

Depois desse fracasso, o Superman saiu de cena e o Homem-Morcego assumiu o estrelato nas telas. A primeira superprodução com o personagem foi Batman (1989), de Tim Burton, com Michael Keaton como o herói. Burton e Keaton ainda fizeram mais um, mas depois ambos deixaram a franquia e o papel de Batman foi re-escalado – isso não aconteceu com Reeve, que enquanto viveu foi o Superman da tela grande. Então Val Kilmer e George Clooney viveram o Homem-Morcego nos hoje execrados filmes dirigidos por Joel Schumacher. Seguindo o exemplo do herói de Krypton, a franquia do Batman também teve quatro filmes que pioraram progressivamente com o tempo.


O renascimento

Por volta do começo dos anos 2000 a Warner começou a pensar em reunir os heróis. Mas, depois de muita indefinição, o estúdio decidiu reiniciar ambas as franquias, com resultados opostos.

O Batman voltou às suas origens e a uma abordagem mais séria com Batman Begins (2005), dirigido por Christopher Nolan e estrelado por Christian Bale. Foi o primeiro filme de uma bat-trilogia que rendeu bilhões e se tornou um marco nos filmes de super-heróis. Já o Homem de Aço não teve a mesma sorte: Bryan Singer tentou revivê-lo com o enfadonho Superman: O Retorno (2006), mas o resultado não agradou – se tivesse dado certo, teríamos visto o encontro do Batman de Bale com o Superman de Brandon Routh? Nunca saberemos…

Anos depois do fracasso, Zack Snyder deu o pontapé inicial do Universo DC no cinema com O Homem de Aço. De novo, um filme que não agradou a todos – para dizer o mínimo – mas arrecadou o suficiente nas bilheterias para ser validado como a nova versão do Superman nas telas. Um herói que matou seu inimigo, o General Zod, e que provocou inadvertidamente a destruição da sua cidade, Metrópolis, em claras tentativas de adicionar dramaticidade ao filme e de agradar ao público fã de cenas grandiosas de ação e muita computação gráfica.

Em briga de super-homens uma mulher mete a colher

Nos quadrinhos, Superman e Batman são vistos como duas faces da mesma moeda, opostos que se complementam. E percebe-se que ambos tiveram trajetórias similares fora das HQs e dentro das outras mídias. No entanto, em anos recentes, um deles acabou tendo mais destaque sobre o outro. É notório que o Superman hoje é visto por grande parcela do público como um personagem com o qual é difícil se relacionar, poderoso demais, mesmo aborrecido. Como fã de longa data, discordo dessas afirmações. Ele pode ser um personagem para o qual é difícil criar histórias – os filmes deles provam isso, pois só um até hoje é apreciado unanimemente – mas roteiristas vêm fazendo ótimos trabalhos com o Superman há décadas.

O fato é que o Batman se encaixa melhor na nossa visão de mundo atual. Afinal, encaremos: nos dias de hoje, um herói sombrio e encarnando nossas fantasias de vigilantismo e justiça tem mais apelo do que um herói bonzinho enfrentando ameaças de outro mundo. Isso é tão verdade que o longa de Snyder, talvez de propósito, talvez por acidente, diminuiu a aura de bom mocismo do Superman e tentou emular – ao menos na estética – a trilogia Cavaleiro das Trevas de Nolan. O estúdio sabe que não pode prescindir de um personagem como o Superman, por isso a sua reunião com Batman vem a calhar: para se tornar mais bem visto aos olhos do grande público, o Homem de Aço vai receber uma ajudinha do Homem-Morcego, hoje um personagem mais popular e querido. Então eles vão brigar, mas no fundo vão mesmo é se ajudar mutuamente. E quem vai ganhar com essa briga é o estúdio – espera-se que os fãs também se satisfaçam.

Porém, apesar do duelo dos heróis, em pelo menos um aspecto Batman vs. Superman já é um marco: será a estreia cinematográfica da Mulher Maravilha, e não deixa de ser espantoso o fato de que ela, a mais conhecida e icônica heroína das HQs, nunca havia sido vista no cinema antes. Afinal, ela também é uma senhora idosa – foi criada em 1941, quase tão velha quanto os dois marmanjos. Ela já roubou a cena no trailer, e depois de muito contestada, espera-se que a atriz Gal Gadot tenha feito um bom trabalho, capaz de sustentar o filme solo da personagem em 2017. Talvez num filme centrado no duelo entre dois homens, e cujo público-alvo é predominantemente masculino (sem ilusões aqui), o evento mais significativo seja a aparição da maior das heroínas. Uma que, como sempre, a Warner tentou por anos levar às telas e não conseguiu. E sabe quem quase fez o filme dela, na década passada? Joss Whedon, hoje conhecido como diretor de Os Vingadores (2012), da concorrência. Coisas de Hollywood.