Lançado no cinema poucos meses após o seu primeiro filme, “Chove Sobre Nosso Amor”, também baseado em uma peça, centra seu desenvolvimento no casal de jovens desajustados formado por Maggi (Barbro Kollberg) e David (Birger Malmsten). Os dois tem seus caminhos cruzados em uma estação de trem, onde Maggi desesperadamente tenta embarcar no próximo trem, enquanto David vaga sem rumo. Depois de uma noite de amor os desconhecidos criam um laço que os leva a uma relação forte de paixão baseada no desejo mútuo de superar as dificuldades para reconstruir a vida juntos.

Explorando elementos utilizados anteriormente, a história é iniciada e concluída por um narrador presente na tela. Identificado, inicialmente, como “o homem com guarda-chuva”, ele introduz a narrativa falando diretamente para o espectador, dando a ideia que a história será contada sobre seu olhar, além de mostrar não ser uma figura passiva, mas sim com influência na narrativa. O homem misterioso revela aos poucos as reviravoltas no enredo e a sua participação, primeiro como advogado de defesa do casal no julgamento, depois como elemento fantástico, possível anjo da guarda do casal, no encontro final entre ele e os jovens.

Diferente do que acontece no seu primeiro filme, o longa manifesta uma análise bem atual, a narrativa se opõe à ideia moralista que permeia o argumento de “Crise”. Os protagonistas são dois jovens marginalizados, completamente perdidos, sem clareza para o futuro. Na primeira interação, eles são dois estranhos que cedem a uma noite de amor e acabam se apaixonando. Maggi está grávida, mas não sabe quem é o pai. David é ex-detento recém liberado após cumprir um ano de prisão.

A crítica social tecida por Bergman é ávida. Mesmo o contexto usado ser datado nos anos 40, a burocracia do sistema falho em atender os seus e a sociedade sueca podem ser completamente identificadas na conjuntura moderna. A trajetória do casal é transgressora às circunstâncias da época, e seria até mesmo hoje. Eles tentam construir sua vida juntos, recomeçar mais uma vez, respeitando e aceitado suas diferenças, sempre com olhar humano para erros cometidos no passado, totalmente diferente dos outros personagens invariavelmente acusadores.

Maggi e David lutam para fazer parte da sociedade que sempre os repele, colocando-os às margens, impondo suas instituições sociais sem entender verdadeiramente para esses indivíduos. Brincando com o social baseado no neorrealismo italiano, o diretor contrapõe a dureza do tema ao incluir certo lirismo no enredo, além de finalizar o longa com espírito de esperança. “Chove Sobre Nosso Amor” reflete bem as influências artísticas de Bergman na época, sem abandonar as peculiaridades do cineasta sutilmente presentes aqui.


UM BARCO PARA A ÍNDIA (1947)

Igualmente baseado em uma peça de teatro, dessa vez de autoria do finlandês Martin Söderhjelm, o longa foi exibido no Festival de Cannes de 1948, mas acabou não sendo tão bem recebido pela crítica. Ainda assim, dos primeiros filmes dirigidos por Bergman, “Um Barco para a Índia” foi o primeiro trabalho que o sueco realmente ficou satisfeito com o resultado. Infinitamente orgulhoso, o diretor revelou o entusiasmo ao terminar o filme no seu livro*, comparando sua obra com as dos seus ídolos do cinema.

Nesse terceiro filme, Bergman narra o retorno do marinheiro Johannes (Birger Malmsten) à sua cidade natal, após sete anos distante trabalhando no mar, na esperança de reencontrar sua grande paixão. Usando flashbacks longos, a linha do tempo volta anos antes para desvendar o surgimento daquele amor, fruto da relação conflituosa entre o filho torturado pela soberba e violência do pai, o capitão do navio Alexander (Holger Löwenadler), depois do homem arrogante levar sua amante Sally (Gertrud Fridh) para viver com eles no navio que chefia. A convivência conturbada entre Johannes e Alexander desencadeia na disputa pela atenção da mesma mulher, além de uma sucessão de acontecimentos culminando na partida do jovem marinheiro para tão longe de casa.

Assim como o filho, o poderoso capitão também é desassossegado, consumido pela frustração de estar preso a um corpo cansado, sem o vigor da juventude, e logo ficará cedo. Por sua vez, o pobre marujo é sempre reprimido pela crueldade do pai, em razão da sua condição física de corcunda. Prisioneiros das suas realidades assustadoras, desperta em ambos a vontade de fugir para o desconhecido, contudo é a paixão pela cantora de cabaré que leva os dois aos seus limites, principalmente o capitão na tentativa frustrada de homicídio do filho.

O rancor e a ira dominam todos os personagens em algum momento da narrativa. Ninguém é capaz de escapar dos sentimentos ruins que impulsionam a trama, seja a mulher ressentida pelo adeus do seu amado ou a mãe do marinheiro pelo fracasso do casamento. O final, entretanto, marca a superação no reencontro do jovem casal de tudo aquilo que os aprisionava, para finalmente viver o amor além dos limites daquele porto.

A construção dentro do universo patriarcal do drama familiar não desenrola tão bem. O melodrama cai em grande parte dos excessos relativos ao gênero, a falta de clareza em algumas motivações dos personagens parece forçar para além as relações de amor e ódio. Mesmo sem a execução bem sucedida de outros filmes do diretor sobre o tema, o longa corresponde aos erros e acertos no início criativo de um artista.

CURIOSIDADES

  • “Um Barco para a Índia” foi o primeiro filme de Bergman a ser lançado comercialmente nos Estados Unidos. O jejum só seria quebrado novamente cinco anos depois com “Juventude” (1951).
  • O roteiro de “Um Barco para a Índia” foi todo reescrito por Bergman em menos de duas semanas, durante uma viagem do diretor e do autor original a Cannes.