Dois aspectos de Better Call Saul ficaram claros ao longo da série são: os produtores e roteiristas não têm pressa em construir as situações; e nada acontece de acordo com o esperado. Em relação ao primeiro aspecto, sempre se percebeu o ritmo deliberado da série – menos frenético do que em Breaking Bad, talvez uma das razões para a série ainda ser um pouco subvalorizada, a meu ver – e como tudo na narrativa sempre foi meticulosamente construído.

Isso tem um preço: às vezes alguns episódios precisam fazer uma preparação de terreno. “Black and Blue”, este quinto episódio da última temporada, é um desses que precisa “plantar” alguns desenvolvimentos narrativos, para que eles deem frutos depois. Mas na melhor tradição de Better Call Saul, o episódio faz essa preparação com inteligência, humor e boas doses de surpresa.

Para começar, temos Kim e Gus ainda paranoicos, esperando o  bicho-papão aparecer : Lalo. A essa altura, ficamos esperando o Lalo pipocar na tela como um Jason ou Michael Myers, mas é claro que a série nunca tomaria esse caminho tão lugar-comum. Quando Lalo finalmente reaparece, é de uma forma que não esperaríamos em mil anos, porém mais sobre isso mais à frente neste texto.

Antes, é preciso mencionar a retaliação de Howard pela armação de Jimmy e Kim na semana passada. Ao ser confrontado por Cliff Main sobre ter jogado uma prostituta do seu carro, Howard percebe a tramoia na hora, o que nos leva à cena mais divertida do episódio, uma luta no ringue entre ele e Jimmy. É um momento bizarro e divertido, mas que constrói um elemento narrativo para o futuro: Howard coloca um detetive para seguir Jimmy.

A esse ponto, não sabemos onde isso vai dar – e era de se esperar que Jimmy e Kim soubessem que ele descobriria a armação, então o esquema deles permanece indefinido para nós. Mas podemos ter certeza que isso renderá muito no futuro. Será esse esquema que levará a um fim triste para a Kim? Ou será ela quem vai acabar com a grana da Sandpiper e se tornará uma trambiqueira mil vezes melhor que Saul Goodman? Veremos…

Ainda no segmento “Saul Goodman Begins” do episódio: Francesca, a futura secretária de Saul vivida pela ótima Tina Parker, retorna. E ela não gosta nada da privada no meio do espaço vazio que em breve será o escritório do advogado criminal…

E finalmente, quando o bicho-papão ressurge, está de terno e com pinta de galã. Tony Dalton realmente é um ótimo ator e com Lalo, consegue dar vida a um personagem multifacetado. Na parte final do episódio, o vemos na Alemanha (!), falando com… a viúva de Werner, o engenheiro que projetou e estava construindo o laboratório de Gus, e que acabou sendo morto por isso. Lalo praticamente a seduz (claro), e na sequência final do episódio, invade a casa dela em busca de alguma pista.

Praticamente sem diálogos, a diretora Melissa Bernstein cria uma tensão poderosa ao nos mostrar Lalo com sua arma na mão, enquanto a simpática Margherite, alguém com quem nos importamos por causa do pobre Werner, anda pela sua casa. É uma sequência que faz grande uso da montagem e até do silêncio, suprimindo todo o som num momento chave, para conduzir aos créditos finais.

E condução é a palavra mais importante aqui. Better Call Saul nos conduz com meticulosidade implacável, mas ao mesmo tempo quase nunca segue o caminho do esperado. Quem esperaria ver uma luta de boxe neste episódio? Ou que o Lalo reaparecesse como alguém civilizado, ao invés da fúria encarnada? Isso é Better Call Saul para você.