De cara, o espectador fica fascinado pela ideia de assistir um filme rodado ao longo de 12 anos. A disciplina quase militar de toda a equipe para fazer o projeto e a possibilidade de ver o envelhecimento real daquele grupo de atores perante os nossos olhos em pouco menos de três horas proporciona ao público uma experiência curiosa. “Boyhood”, entretanto, é muito mais que um exercício ousado de planejamento e empenho; trata-se de uma obra com caráter universal sobre a construção de uma vida e sociedade através de caminhos irregulares.

A história segue os passos de Mason (Ellar Coltrane) desde a época em que era um garoto interessado em andar de bicicleta até o momento de chegada à faculdade. Ao lado dele, está a mãe e professora universitária Olivia (Patricia Arquette), a irmã Samantha (Lorelei Linklater) e do pai aventureiro (Ethan Hawke).

Conhecido pela trilogia “Antes do Amanhecer, Por-do-Sol e Meia-Noite”, Richard Linklater potencializa o estilo naturalista. Se os diálogos são menos extensos do que nos filmes do casal Céline e Jesse para não tornar tudo cansativo, o cineasta compensa ao desenvolver uma série de situações cotidianas possíveis de acontecer na vida de todos nós como a briga entre irmãos e uma conversa sobre sexo com os pais. Isso faz com que o público se envolva e ganhe intimidade com os personagens por ver ali gente capaz de ser seu vizinho ou familiar.

O verdadeiro achado de “Boyhood”, porém, está no fato de não buscar os caminhos convencionais e elaborar viradas bruscas na trama apenas para gerar um possível conflito mais intenso. Não há mortes, perda do cachorro da família atropelado por um caminhão, o amor mais forte entre os pais para retomar a família perfeita, adolescentes em crise quebrando a casa com a mãe chorando no corredor, a necessidade de mostrar a perda da virgindade.

A vida dos personagens do filme está marcada por acertos e erros, linhas tortas sendo trilhadas a todo instante seja pela impulsividade de uma paixão ou vontade de se tornar independente. Optar pelo minimalismo das relações tirando o aspecto cinematográfico esperado como uma trilha sonora açucarada ou uma montagem indicando a passagem do tempo seja através de letreiros ou os chatíssimos capítulos são escolhas narrativas essenciais feitas por Linklater para o impacto realista do filme. Isso se amplifica na escolha momentos reais importantes para situar determinados trechos como a eleição de Barack Obama e a animação trazida pela chegada do novo livro de Harry Potter.

A escolha do elenco e a construção feita pelos atores a cada personagem realça ainda mais esse aspecto minimalista. Coltrane foge da figura de garoto fofinho e traz Mason como uma espécie de outsider incapaz de gostar do que a maioria dos meninos da idade dele gosta (esportes, por exemplo) ou ser o melhor da turma. O protagonista, assim como tantos outros jovens mundo afora, tenta apenas encontrar ligações com o mundo externo fora do núcleo familiar, ao mesmo tempo, acolhedor e turbulento.

Já Arquette ressurge para o cinema em uma personagem símbolo de uma época em que a mulher ganha nova posição na sociedade ao conciliar a vida de mãe com profissional competente e respeitada. Isso sem deixar a busca pelo amor mesmo que a leve a delicadas situações. Enquanto Lorelei Linklater cria uma figura carismática capaz de conquistar o público logo na primeira aparição (ela cantando “Oops I Did it Again” pode ser eleita uma das melhores cenas do ano), Ethan Hawke transborda carisma ao fazer um pai em transformação de sujeito inconsequente para um cara mais maduro.

Acostumado a inovações trazidas por grandes quantidades de dinheiro ou efeitos especiais modernos, o cinema americano encontra a novidade do ano justo na simplicidade de “Boyhood”.

NOTA: 8,5