O Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Indústria Audiovisual – Brasil de Todas as Telas foi lançado no comecinho de julho. Com a promessa de ser o maior programa já realizado para o setor, a parceria entre o Ministério da Cultura e a Agência Nacional de Cinema (Ancine) prevê quase R$ 20 milhões para 12 projetos aprovados no ano passado, e isso é só o começo.

O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) dará um primeiro passo ao oferecer cursos da área em várias capitais, incluindo Manaus. Ainda não há data nem local confirmados, mas já se divulgou que haverá vagas para cursos de aderecista, assistente de produção cultural; auxiliar de cenotecnia, dublador, editor de vídeo, eletricista de audiovisual, figurinista, iluminador cênico, maquiador cênico, operador de áudio, operador de câmera, roteirista de animação, sonoplasta tradutor e elaborador de legendas, animador em stop motion, desenhista de animação, projecionista de exibição cinematográfica digital, pós-produtor de animação (edição e montagem), audiodescritor e elaborador de legendagem descritiva.

O futuro parece promissor, mas os realizadores do audiovisual no Amazonas têm visões variadas quando o assunto é como o Brasil de Todas as Telas afetará a atividade aqui. Afinal de contas, lidar com editais demanda uma boa dose de paciência e experiência, além do fato de que nem todos os projetos se alinham com as exigências do documento.

Preparo é essencial

Rod Castro é um dos realizadores locais que vê com bons olhos a iniciativa. “É importante que o incentivo chegue, não somente para produzir, mas para fomentar a vontade de fazer um projeto de audiovisual – a união de pessoas para a realização da obra”, afirma. O diretor de “A Lista” faz parte de um grupo de diretores locais intitulado “Plano Sequência” formado por Emerson Medina, Leonardo “Mancha” Mancini, Diego Nogueira e Moacyr Massulo. Ele destaca que o desafio de fazer um projeto para concorrer ainda vale a pena: “Apesar de raras vezes ganharmos algum edital – o Moacyr foi congratulado, recentemente, na Manauscult, e o Mancha ficou entre os que podem ter um projeto realizado, caso alguém desista – acreditamos que esta é uma ferramenta fundamental para novos projetos.”, afirma.

Para o realizador audiovisual Allan Gomes, a iniciativa do governo poderá afetar a produção local de forma positiva se continuar pensando a distribuição dos recursos de forma a compensar as desigualdades regionais. No entanto, ele destaca que o Amazonas ainda conta com fatores que podem atrapalhar a corrida rumo à aprovação nos editais do programa: “Eu, particularmente, duvido da capacidade que temos aqui no Estado de aproveitar esse tipo de abertura, pela pouca capacitação não apenas dos profissionais ligados à produção audiovisual, mas também das próprias instituições públicas que carecem de pessoas que saibam acionar e aproveitar esses recursos”, afirma.

Além da capacitação profissional, outro fantasma que assombra alguns realizadores que desejam participar de seleção via editais é o aspecto burocrático do documento. No geral, eles já pedem uma série de informações acerca de gastos e planejamento de produção, saindo do campo estritamente artístico. Para Allan Gomes, isso exige novas competências para o realizador audiovisual.  “Se as características para se acessar a verba pública assustam realizadores, isso só denota a necessidade de especialização”, afirma. “Um trabalho profissional em audiovisual não envolve apenas os aspectos criativos de direção, roteiro, atuação etc.; vai necessitar também de contador, de pessoas com experiência administrativa, enfim, uma série de coisas que não cabe mesmo a um cara que só está a fim de fazer um curta dominar.”.

Aldemar Matias é outro diretor que acredita que o desenvolvimento do audiovisual no Amazonas vai além de competências artísticas. Assim como Allan Gomes, Matias destaca a necessidade de uma formação mais completa para os realizadores, independente de concorrerem em editais. “Necessitamos de formação acadêmica que vá além de fotografia, roteiro e direção. Precisamos entender a produção executiva, conhecer a dinâmica das co-produções e da distribuição, fuçar o site da Ancine de cabo a rabo, saber escrever um bom projeto, buscar as instituições com fundos internacionais e estudar os projetos que são selecionados por eles. Enfim, é necessário assumir que não dá mais para ver o cinema só como arte e que é preciso dominar seu funcionamento como negócio.”, afirma.

Desafios para além das filmagens

A busca por formas de manter a produção audiovisual local conta ainda com outros desafios além das dificuldades de se produzir um bom projeto. Para Rod Castro, uma alternativa válida é a busca de auxílio por meio de parcerias com a iniciativa privada. Ele tem como exemplo de sucesso a própria experiência de participar do grupo Plano Sequência: “A produção dos nossos curtas são feitas em parceria com a Sambatango – produtora com quem sempre fiz trabalho por ser redator publicitário, e somos mais que gratos por eles apostarem em nossos projetos. A outra parte do incentivo vem de verba que conseguimos e do nosso próprio bolso.”, afirma. Ele vai ainda mais longe ao encarar Manaus com seu Polo Industrial, como um local estratégico para a captação de recursos: “Fico olhando esse monte de empresas na Zona Franca e o quanto elas poderiam apostar em projetos como os nossos; algumas, inclusive, fabricam produtos que tem a ver com o que propomos, como tevês, computadores, celulares e demais eletrônicos.”, frisa Rod.

Ainda que a parceria com a iniciativa privada surja como viável para as produções locais, Rod acredita que o Estado tem um papel elementar a cumprir: o de difusão. “Como produtor, sinto falta de um espaço para mostrar o filme. E quando digo espaço, falo de um lugar de melhor acesso, com tempo para divulgação maior, e principalmente, mais próximo ao público consumidor de cinema da cidade. Acho que o governo ou a prefeitura poderia se aproximar das salas de exibição comercial da nossa cidade e conseguir que nossos curtas sejam passados antes mesmo dos trailers. Ou, quem sabe, até consiga passar nossos curtas durante uma semana em um festival, com ingresso comprado mesmo.”, afirma.

Não por acaso, a exibição e popularização do audiovisual é uma das frentes a que o Brasil de Todas as Telas pretende se dedicar, juntamente com o desenvolvimento de projetos, a formação profissional e a abertura de mais salas. No entanto, ainda há dúvidas se os quatro eixos do programa serão efetivos o suficiente. Para Allan Gomes, a resposta é não, citando também algumas fragilidades dos editais que vem sendo publicados em nível estadual: “Prioriza-se somente a produção de curtas, deixando de lado tantos outros aspectos, como a exibição, a distribuição e a formação, isso também decorrência da falta de uma política pública unificada que não enxerga a realização de um grande festival como o Amazonas Film Festival de forma integrada com esses mesmos editais”, criticou. O realizador também sente falta de discussões em nível estadual sobre a possibilidade de se criar aqui um pólo formador, com uma grande escola de cinema, a maior aproximação do cinema com o campo da educação e até mesmo o investimento em outras esferas ligadas ao audiovisual, como os videogames.

Para Aldemar Matias, há ainda um outro fator, mais sutil, a ser enfrentado para que a produção audiovisual no Amazonas deslanche. Trata-se do “complexo de vira-lata” que ronda o estado pelo fato de estarmos afastados de grandes centros como Rio de Janeiro ou São Paulo. “A gente tem que parar com essa choradeira eterna de que ‘fazer cinema no Amazonas é difícil’. Há vantagens e desvantagens, como em qualquer lugar”, frisa o diretor.

Se o Programa Brasil de Todas as Telas vai gerar um grande impacto para a produção local, pode ser cedo para afirmar com toda a certeza. O que se percebe nos realizadores locais é a atenção cada vez maior aos editais como possibilidade para a realização de seus trabalhos, além do desejo gradual de aumentar o conhecimento sobre as várias esferas da produção. Tão importante quanto, a conscientização dos realizadores acerca do que o poder público pode fazer para alavancar os mais variados aspectos da formação, difusão e memória do audiovisual promete bons frutos ao futuro do audiovisual amazonense.